26 de fevereiro de 2007

Sete razões para ter gostado dos Óscares deste ano

GULA. Se não fossem as olheiras do dia de hoje, acho que o serão de ontem tinha sido perfeito. Há muito que insisto no comportamento noctívago de ficar para ver a entrega das estatuetas douradas até às 05 da manhã e, nos últimos três ou quatro anos, o serão era recompensado com bocejos e um dia seguinte de trabalho insuportavelmente longo. Desta vez, surpreendi-me: a sessão de 2006 dos Óscares pautou-se pela simplicidade e, apesar de não terem existido surpresas (vejam-se os prognósticos que deixei há três dias), houve momentos para mais tarde recordar e uma sobriedade a toda a prova. O «showbizz» deste ano esteve contido e ficámos todos a ganhar com isso (pelo menos os que insistem em perder horas de sono em nome da ilusão comercial do cinema). Pontos altos? Destaco sete, da delícia das primeiras horas desta segunda-feira:

1) Ver finalmente entregue a estatueta dourada a Martin Scorsese, ainda para mais pela mão dos colegas de geração Spielberg, Coppola e Lucas. O realizador de ENTRE INIMIGOS, também eleito melhor filme, há mais de duas décadas que já merecia o Óscar, mas a Academia tem razões de avaliação que a própria razão desconhece. O filme é um «remake» e não é a melhor obra do cineasta de O TOURO ENRAIVECIDO, mas é uma das melhores do ano e, para todos os efeitos, é isso que importa...

2) O belíssimo teatro de sombras que possibilitou interessantes interlúdios há cerimónia. Registem-se a homenagem a SERPENTES A BORDO ou à correria louca de UMA FAMÍLIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS. Outro momento memorável: o «concerto» vocal de efeitos sonoros.

3) Ver Alan Arkin a conquistar o Óscar de Melhor Actor Secundário pelo seu papel «contra-corrente» na comédia que reinventou o existencialismo familiar. Foi um belíssimo reconhecimento, apesar de qualquer um dos outros actores secundários merecerem o galardão. Como surpresa da noite, valeu, até porque soube bem ver o olhar de Eddie Murphy desolado.

4) Ellen DeGeneres a aspirar o chão, a tirar uma foto instantânea com Clint Eastwood ou a mostrar o seu novo fato de transporte para Óscares. Simples, discreta, (aparentemente) descontraída, a humorista deixou a acidez de lado das últimas apresentações de Jon Stewart, Chris Rock e Steve Martin. Finalmente, a Academia acertou no registo. Esperemos que o repita...

5) Três estatuetas para O LABIRINTO DO FAUNO, uma prova de que o cinema fora dos espartilhos de Hollywood (não esquecer que a fantasia de Guillermo Del Toro é falada em espanhol) consegue ser superior, mesmo em questões de natureza técnica.

6)O merecido Óscar para Melhor Guarda-Roupa de MARIE ANTOINETTE, de Sofia Coppola. Esta era a única nomeação para a revisitação que Coppola fez dos últimos dias da rainha de França, num exercício de jogos temporais interessante. A estatueta vem valorizar a sumptuosidade da produção.

7) O facto do Melhor Filme de Animação não ter ido para CARROS - afinal, nem tudo o que a Pixar produz é ouro...

22 de fevereiro de 2007

Sete «gaffes» cometidas nos Óscares

PREGUIÇA. E é já na madrugada desta segunda-feira que os Óscares voltam a ser entregues, em mais uma edição de «glamour» e... muito «marketing». Embora costume assumir a pele de noctívago inveterado para assistir a mais uma «Feira de Vaidades» de Hollywood, tenho o distanciamento suficiente para perceber que as escolhas da Academia nem sempre estão no mesmo comprimento de onda das minhas preferências cinéfilas. Este ano, tenho os meus palpites, claro e... estranhamente acho que o filme do ano vai ser THE DEPARTED, juntamente com os galardões de Melhor Realizador, Argumento Adaptado e Montagem. Actor? Forest Whitaker. Actriz? A Helen «vai a todas» Mirren. Actriz Secundária? Jennifer Hudson de «Dreamgirls». Actor Secundário? Empate para Eddie Murphy e Jackie Earle Hayley que pode ser a surpresa do ano...(esperemos). Argumento Original? «Babel». Filme Estrangeiro? «O Labirinto do Fauno». Noto que estes são os que acho que vão ganhar e não obrigatoriamente os que deveriam... Para comprovar este contraste entre o que deve ser e o que realmente ganhou, lembro sete «gaffes» na atribuição do Óscar de Melhor Filme, sinais de preguiça da Academia em ousar... São sete, mas poderiam ser muitas mais....

1) CRASH - começamos logo pelo prémio do ano passado. Alguém duvida que O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN tem mais cinema em cada um dos seus planos do que o pseudo-mosaico de Paul Haggis, apesar dos bons diálogos e montagem deste choque de culturas?

2) CHICAGO - ninguém duvida da competência cénica do musical de Rob Marshall, mas comparado com a visão de Polanski do Holocausto em O PIANISTA é uma brincadeira fútil de crianças crescidas.

3) UMA MENTE BRILHANTE - xaporada delicodoce de Ron Howard, embora interessante, tem pouco engenho. Obviamente, o vencedor merecido era VIDAS PRIVADAS, de Tod Field, ou até mesmo O SENHOR DOS ANÉIS: A IRMANDADE DO ANEL.

4) A PAIXÃO DE SHAKESPEARE - Gosto desta ficção sobre as peripécias amorosas do escritor inglês, mas na corrida estavam dois dos mais estimulantes épicos de guerra dos últimos anos, O RESGATE DO SOLDADO RYAN e A BARREIRA INVISÍVEL.

5) KRAMER CONTRA KRAMER - brilhante melodrama sobre separação, parece um mero telefilme quando se percebe que APOCALIPSE NOW foi um dos derrotados.

6) A GOLPADA - É um interessante filme de golpe, com a dupla Paul Newman e Robert Redford. Mas, em 1974, tínhamos O EXORCISTA. Talvez o filme de terror mais bem feito de sempre, o problema é que a Academia gosta pouco de sustos...

7) WEST SIDE STORY - Mais um musical sobrevalorizado... Em 1962, tínhamos Paul Newman nesse belíssimo crepúsculo em forma de filme chamado A VIDA É UM JOGO, de Robert Rossen.

Lojas de segunda mão: pecado, eu confesso!

AVAREZA. Sou um visitante compulsivo de lojas de DVD em segunda mão... sejam videoclubes de bairro com uma secção desorganizada de compra, seja a Carbono que existe na Rua das Pretas, em plena Avenida da Liberdade, seja nos estabelecimentos comerciais assumidamente de «compra e venda» de artigos usados... No meio de muita coisa que não interessa é duplamente saboroso encontrar «pérolas» a preços de segunda categoria. Foi assim que adquiri um «pack» Orson Welles por apenas 20 euros (um terço do preço da Fnac), que aproveitei para completar a colecção «Série Y» do jornal Público por metade do seu valor de capa ou aumentei o meu lote de filmes do mestre Woody Allen (já vou em 16 obras) por menos de cinco euros cada. São quase sempre obras de intocável qualidade, que devem lá ter ido parar por engano ou desdém dos anteriores proprietários. Último feito: há dois dias passei por um videoclube perto de casa. E o que encontrei? A trilogia INDIANA JONES - sem extras é um facto! - por cinco euros cada filme. Comprei os três numa fornada. E logo eu que pensei que nunca iria ter os filmes a preço reduzido antes da estreia do hipotético quarto... Na verdade, a ida a lojas de filmes de segunda mão não é «sovinice» é puro vício de sentir que encontro a «jóia» que mais ninguém reparou! Ou que desdenhou na altura de colocar o preço adequado. Adoro a anarquia capitalista!

20 de fevereiro de 2007

A profecia do preconceito sobre falta de pré-visionamento

PREGUIÇA. Sempre desconfiei dos filmes que se estreiam nas salas nacionais sem prévio visionamento de imprensa. Geralmente, são obras de elevado pendor comercial, mas vulneráveis na sua elaboração que um crítico com o mínimo de noção não deixaria passar sem a habitual pena temperamental e a bolinha preta na coluna do jornal para onde escreve. Na verdade, gosto de saber de antemão o que um determinado crítico pensa sobre um filme porque, embora muitas vezes não esteja de acordo com ele, sempre tenho um ponto de vista e uma direcção interpretativa, proposta por alguém que, à partida, já viu muito mais filmes do que eu... Lembrei-me disto quando há dias fui ver, a pedido da cara-metade, a adaptação cinematográfica de A PROFECIA CELESTINA, «best-seller» espiritual de James Redfield. Como sou pouco dado a hermenêuticas sobre o sentido da existência (acho que cada um sabe de si e... ponto final!), estava com três pés atrás face a um filme que se estreava sem passar pelos críticos, tinha tido uma carreira inexistente nos Estados Unidos e trazia Joaquim de Almeida num dos papéis principais... Mas, como não me gosto de armar em cinéfilo preconceituoso (embora todos o sejamos à nossa maneira), aceitei sob promessa de que as próximas duas idas ao cinema seriam escolhidas pela minha bússola narcisista de escolhas fílmicas. Lá entrámos e... ao fim dos primeiros dois minutos já tinha percebido que o embuste era ainda maior do que o previsto: má direcção artística, más interpretações, zero ideias sobre bons planos cinematográficos e uma história mística que pode resultar muito bem em livro (segundo me dizem, porque nunca o li!) mas que em cinema «série B» só dá tiros ao lado... Pouco mais se poderia esperar de uma obra de Armand Mastroianni, mestre há décadas de telefilmes de segunda... A minha teoria confirma-se: não confiar EM OCASIÃO ALGUMA de filmes sem prévio visionamento de imprensa. Normalmente, são muito piores do que a mais injusta crítica de um intelectualóide vaidoso. Esta é a minha profecia.

A PROFECIA CELESTINA *
John Woodson (Matthew Settle, em registo medíocre e visual de actor ultrapassado) é um homem cuja vida se encontra numa encruzilhada e que está prestes a experimentar a dramática metamorfose para compreender o sentido da vida. Através de um conjunto de coincidências, John vai parar ao Perú rural, onde contacta com uma lenda ancestral sobre a «Profecia Celestina». E cada pessoa que encontra permitem-lhe perceber um novo nível de conhecimento interior... O que mais revolta nesta adptação menor do livro de James Redfield é que, independentemente dos crentes da sua mensagem espiritual, o filme é mau cinema, com nenhuma ideia nova sobre articulação de imagens. É mesmo confrangedor ver Joaquim de Almeida associado a tão pobre projecto, que quer ajudar a mostrar a energia do mundo mas apenas consegue transmitir uma total ausência de noção sobre o que pode ser o cinema.


13 de fevereiro de 2007

Outkast: a «soul» reinventada no cinema

INVEJA. Às vezes, quando chegam às nossas salas de cinema «blockbusters» desnecessários em catadupa, dá-me vontade de apelar a um embargo a tudo o que venha do outro lado do Atlântico que tenha mais de cinco minutos de cenas cujo efeito secundário seja um enorme bocejo. Mas também acontece o inverso: na verdade, é cada vez mais frequente os distribuidores nacionais ignorarem produções ambiciosas, só porque não tiveram o efeito desejado nas bilheteiras norte-americanas. Aí sinto inveja... Inveja de haver salas vazias nos Estados Unidos com o último arrojo animado de Richard Linklater, A SCANNER DARKLY (que por cá só chegará ao DVD, depois de umas falsas ameaças de estreia no grande ecrã), ou, mais propriamente, do musical IDLEWILD, da melhor dupla de hip hop sofisticada do momento: sim, os extravagantes Outkast. A culpa é de um disco, a deliciosa banda sonora deste filme que é um sonho antigo de André 3000 e que, segundo consta, está muito à frente da estrutura dramática da longa-metragem, que resgata a tradição do «music hall» no coração negro de uma América cristalizada pelo «swing». E, principalmente, de uma canção, «Idlewild Blue», a mais insinuante balada de «blues» que ouvi nos últimos tempos. A batida, a mescla da tradição vocal negra (bem repescada por André 3000) com os sintetizadores de hoje e o videoclipe (uma envolvente cheia num bar de outros tempos) «obrigam-me» a ouvir o tema e a mantê-lo religiosamente nas músicas mais tocadas do meu mp3. Só por isso anseio por ver o filme e deixar-me ir... ao bom sabor da «soul» reinventada.

A mudança é quando uma criança quiser

AVAREZA. O país mudou (ou é suposto mudar, apesar do resultado do referendo de ontem não traduzir o que a maioria das pessoas pensa sobre o aborto, porque simplesmente mais de 50% do eleitorado preferiu abrigar-se da chuva ficando em casa...) e tremeu... O diário de referência do país também (apesar do novo formato do «Público» me fazer cócegas ao nariz e, a um primeiro olhar, estar mais parecido com os tablóides do que com a tradição de credibilidade que o acompanhou ao longo de 17 anos). O Sin Cinema também... pela quarta vez em seis meses de curta (e marginal) existência. Sinal da inconstância dos tempos... ou dificuldade em expor as potencialidades que a ideia subjacente a mais este blogue de cinema pode permitir. O cinema é um pecado, de facto. Que consome o olhar e o aprofunda, surpreende, assusta, desaponta e infantiliza. Sim, ver cinema é ser criança com os olhos. Descobrir um novo mundo pela primeira vez. Aceitar novas coordenadas de espaço/tempo e ser rico, pobre, criminoso, juíz, pirata, anão, rei, súbdito, milionário, sem-abrigo, homem, mulher, criança, animal... É como um jogo de imagens, que suspende o real e o transfigura por uma outra hipótese de real. É como colocar uma máscara por duas horas e deixarmo-nos ir. É por isso que o Sin Cinema mudou, mais uma vez: para transmitir em cada novo «post» as convulsões de quem gosta de se sentir criança diariamente com o cinema. Sem estruturas demasiado fixas, apenas uma vontade de associar o vício da sétima arte a um pecado. Ontem, cometi um pecado: um dos maiores de todos. Descobri OS QUATROCENTOS GOLPES, de François Truffaut. Deixei-me embalar por uma obra que nasceu pioneira, numa «nouvelle vague» ainda à espera de classificação. As deambulações de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) pela escola do conhecimento e da descoberta são verdadeiramente sublimes, transpostas para o ecrã com aquele dom confessional e «naïf» que só Truffaut conseguia transpor com a delicadeza de um alquimista. Depois... depois há aquela célebre sequência da centrifugação, onde se cria a belíssima metáfora da turbulência psicológica da adolescência a despontar, em completa rebeldia contra a ordem instalada. Sim, o cinema deve ser isso: querer turbulência e rebeldia, nem que seja por apenas duas horas.

10 de fevereiro de 2007

NA SALA ESCURA: África, terra bela e corrupta

IRA. O cinema de causas políticas descobriu África como território prolífico para traçar conspirações megalómanas em belas paisagens de uma natureza semi-intacta. Não é novidade para ninguém que o continente africano é uma terra de contrastes e onde "quem tem olho é rei"! Esquecida em inúmeros domínios progressistas, África tem por exemplo uma das indústrias mais pobres em matéria de ficção cinematográfica, com honrosas excepções como é o caso de África do Sul ou o Burkina Faso (palco anual do mais importante festival de cinema do continente, o FESPACO). A carência de projectos de ficção próprios (em São Tomé e Príncipe, por exemplo, não se conhece nenhuma obra fílmica originária desta ex-colónia portuguesa) é facilmente explicável quando ainda milhões de africanos se encontram no limiar da sobrevivência. Pouco dada a cinema, África tem sido palco privilegiado para aventuras, melodramas em tempos conturbados e casos de denúncia séria de conspirações que afectam o mundo inteiro. Pode ser um alvo fácil, mas é também o cenário perfeito e escassa fonte de belas paisagens... Ser uma terra de paradoxos sociais tem destas coisas... Depois de HOTEL RUANDA, O FIEL JARDINEIRO e até mesmo BABEL, um filme de grande orçamento volta a centrar-se num conflito gigantesco para daí extrair sumo narrativo, acção de alta voltagem e mensagem política eficaz. Trata-se de DIAMANTE DE SANGUE, de Edward Zwick, que retorna ao golpe de Estado da Serra Leoa e às políticas de contrabando de diamantes. Para tal, une um mercenário (excelente dicotomia interpretativa de Leonardo DiCaprio, justamente nomeado para o Óscar de Melhor Actor), um indígena que só quer recuperar a sua estabilidade familiar e tem o azar de encontrar um diamante de grandes dimensões (Djimon Houson, nomeado para a estatueta dourada de Melhor Actor Secundário) e uma jornalista em busca da história que possa mudar o seu destino profissional. Uma combinação que faz faísca e contrabalança a habilidade de Zwick em filmar as cenas de conflito. Querem mais? Liguem o telejornal... Entretanto, convém relembrar outras experiências cinematográficas com África como cenário primordial. O "continente esquecido" já foi por diversas vezes lembrado.

DIAMANTE DE SANGUE ****

A obra mais dispendiosa de Edward Zwick (custou mais de cem milhões de dólares de orçamento) é colossal nas cenas de conflito da Serra Leoa, mas contrabalança com mestria os momentos mais introspectivos entre o trio protagonista. Nesta visão corrompida dos países desenvolvidos sobre os mais atrasados, há um "cinema de causas" concreto e ambicioso. Voltou a colocar os média a falar sobre os "diamantes sujos" e apresenta três belas prestações de DiCaprio, Connelly e Houson. Só por isso vale a pena e até compensa algum excesso de dramatismo e descrença na ordem social. Trata-se de um dos mais musculados filmes de guerra dos últimos anos (digno sucessor de O ÚLTIMO SAMURAI, a obra anterior do cineasta), que comprova o engenho de Zwick para desenhar intensas lições de vida em período de conflito (como já o havia feito, no seu melhor, também em TEMPO DE GLÓRIA).