31 de julho de 2007

Bergman: morreu o mestre do melodrama

AVAREZA. «O filme como um sonho. O filme como música. Nenhuma arte transmite a nossa consciência da mesma forma que o filme o consegue, e vai directamente aos nossos sentimentos, ao mais profundo dos quartos escuros das nossas almas.» INGMAR BERGMAN 1918-2007

Há realizadores que nos habituamos a entender como seres imortais porque já se confundem com a própria história do cinema e sempre acompanharam a noção que temos dos filmes. São realizadores que, por isso, nunca morrem. Mas que quando deixam de respirar nos causam arrepios na pele porque percebemos que o tempo passa e que a verve criativa tem um fim. Nem que seja por mero constrangimento cronológico. O realizador Ingmar Bergman morreu aos 89 anos e hoje o cinema mundial está de luto (mais do que a própria Suécia). Porquê? Porque Ingmar Bergman é o mais intenso cineasta das emoções, dos sentimentos interiores, com a gigantesca capacidade de elevar o cinema à mais nobre tradição cénica emocional (que foi o que fez em PERSONA, MORANGOS SILVESTRES, O SÉTIMO SELO, A LENDA DA VIRGEM, FANNY E ALEXANDER, SARABAND ou SONATA DE OUTONO - todos filmes dramaticamente geniais, todas unânimes obras-primas). A câmara nas mãos de Bergman era um olho íntimo, invasor de privacidade para contar histórias quase sempre desconcertantes. O cinema-emoção era a sua imagem de marca, o grande plano a sua técnica mais expressiva. Ver a obra de Bergman é, por isso, uma obrigatória aula de cinema. Mas, acima de tudo, de humanidade.

26 de julho de 2007

QUIZ: O que têm em comum estes filmes?








Mea culpa! Subestimei a memória cinéfila dos poucos que insistem em ler as minhas dissertações sobre cinema. Têm de admitir que a ideia do QUIZ tem tanto de ingénua quanto de aliciante. E sim, o comentário que recebi estava certo, quanto ao primeiro passatempo lançado: «Vermelho» era a resposta certa. Mas eis que decidi elevar desde já a fasquia com um desafio que creio ser um pouco mais rebuscado... «Anyone»?
Solução do Quiz anterior: Os três filmes têm a cor vermelha no título.
1) Rio Vermelho, de Howard Hawks, 1948
2) Vermelho, de Krzysztof Kieslowski, 1994
3) Dragão Vermelho, de Brett Ratner, 2002.

À esplanada é que se está bem

SOBERBA. «Alguém que não acredita em milagres não é um realista.» BILLY WILDER

Faltam apenas alguns dias para a Cinemateca ir de férias e eu sem pôr os pés nas «Sessões da Esplanada», que o Museu do Cinema promove anualmente em Julho e Setembro, no terraço do café 39 Degraus! Já queria lá ter ido, até porque o ciclo escolhido para este ano é em torno da praia, ou melhor, filmes com uma ligação qualquer à época balnear. Sei que já passaram «Mónica e o Desejo», de Ingmar Bergman, «Tubarão» de Spielberg ou «Ladrão de Casaca», de Hitchcock. E eu aqui, especado, sem apanhar a brisa simpática daquele espaço informal. Mas isto não fica assim: prometo estar mais atento à extensão do ciclo em Setembro e... vou tentar lá ir ver, já nesta sexta-feira às 22h30, o clássico AVANTI!, de Billy Wilder. Primeiro, porque nunca o vi antes. Segundo, porque são poucos os que podem elogiar o dolce fare niente com engenho artístico, como Wilder. Terceiro, porque quero matar saudades do cinema ao ar livre. Ah! E sábado, ainda pode ser que dê para ver a última sessão deste ciclo antes da Cinemateca fechar portas por 30 longos dias. Trata-se de «Tubarão», de Steven Spielberg. Fica o aviso.

O MAIOR PECADO DE... Anthony Hopkins

PREGUIÇA. «'Instinto' é uma manobra de marketing a tentar fazer-se passar por um filme.» ENTERTAINMENT WEEKLY
A propósito de «Ruptura», nada como rever a carreira de um dos mais importantes actores de composição do cinema americano. Sim, as atenções nasceram para Anthony Hopkins graças ao seu desenho dramático de Hannibal Lecter (que explorou até à exaustão em três filmes), mas há também espaço, na sua já longa carreira, para uma série de tiros ao lado. Em particular, no percurso mais recente. Dito, seco e directo, com excepção deste «Ruptura» e «Indian - O Grande Desafio», a carreira de Anthony Hopkins nos últimos 10 anos tem sido feita de trejeitos que já conhecemos, pose de veterano intocável e ausência de qualquer réstia de inventividade. Que ele é um senhor, já o sabemos. Que anunciou há um bom par de anos que se ia retirar do cinema, também. O que é certo é que não o fez... mas, se calhar, deveria tê-lo feito. Ou talvez, filtrar ainda mais as suas interpretações. Em INSTINTO, o artificialismo surge em cada cena e Hopkins tem um desempenho feito à medida do ideal do «grande desempenho» (mas está a milhas desse conceito, na verdade): o actor é, aqui, um cientista que prefere viver entre os animais por já não se vincular com as imposições sociológicas. E defronta um psiquiatra (medíocre Cuba Gooding Junior) numa tentativa de reabilitação. E não é que ela aparece mesmo ao fim de uma série de lugares-comuns, acção de pacotilha, intriga brejeira e uma realização demasiado «by the book» de Jon Turteltaub? O que fica no final? Um imenso vazio e um papel que não chega aos calcanhares do prestígio do actor.

CRÍTICAS DE FUGIR:
- DIÁRIO DE NOTÍCIAS: O pior do «rousseauismo» pomposamente actualizado com tontices «new age» sobre a «bondade natural» do ser humano.
- FILMCRITIC.COM: Filme muito previsível e cansativo.
- SAN FRANCISCO EXAMINER: Um moribundo, ruidoso exercício de filme de prisão.
- CHICAGO SUN-TIMES: Se existe algo pior do que um filme criado a partir de bocados de maus argumentos, é um filme feito de bocados de bons argumentos.

QUIZ: O que têm em comum estes filmes?

Nota: Este é um novo espaço do SIN CINEMA. Reflexo de quem tem muitas ideias e mais nada para fazer... A solução virá no próximo desafio.

25 de julho de 2007

NA SALA ESCURA: Não há crimes perfeitos

IRA. «Mesmo um relógio avariado está certo duas vezes por dia.» TED CRAWFORD (Anthony Hopkins)
Já deve estar prestes a sair das salas, mas só agora me apetece falar dele. Porquê? Porque tive a oportunidade de o ver tardiamente e... gostei do que vi. Na longa senda do thriller, há muito que o cinema comercial tem explorado até à exaustão o modo como pode engendrar noções dramáticas fortes para daí extrair o efeito-surpresa que vai fazer perceber que no jogo do crime, como da justiça, nem sempre as coordenadas visíveis são as reais. Em RUPTURA, do credível Gregory Hoblit (que dirigiu esse ainda mais poderoso filme de tribunal, «A Raíz do Medo»), as cartas postas em cima da mesa são tão claras e simples que incomodam. O que esconde a personagem de Ted Crawford (Anthony Hopkins, com a sua pose ambígua de veterano), que mata a mulher a sangue frio, mas que ninguém consegue prová-lo realmente? Neste envolvente processo que põe em causa as certezas e as minudências da justiça, o segredo está em testar a personalidade do ambicioso Willy (Ryan Gosling), um advogado que sonha alto, mais do que perceber as reais motivações do suspeito. E é aí, na sua postura, que se vai dar a mais incisiva ruptura deste filme, longo e sinuoso, mas também mais amadurecido do que se poderia esperar. Sem grandes surpresas, a surpresa lá surge no final. Mas vem tarde... não é o mais importante. Até porque todos sabemos que não há crimes perfeitos. Principalmente quando envolvem consciências...


RUPTURA
De Gregory Hoblit (2007)
* * *
Bom exemplo do thriller de tribunal inteligente, este filme não se compadece com grandes rodeios na altura de se definir. A história de um jovem advogado que pensa ter o caso mais simples do mundo entre mãos tem motivos de interesse que cheguem: por um lado, um duelo de actores de se lhe tirar o chapéu, depois as múltiplas camadas dramáticas que tornam a obra permissiva a um segundo olhar. Se algo falha é mesmo por o filme incidir num género já demasiado gasto por tanta tentativa menor em querer surpreender. Neste ponto, RUPTURA está inocente de todas as acusações.

23 de julho de 2007

O desabrochar do cinema argentino

AVAREZA. «A proximidade de certos climas e situações retratados ao longo da viagem tem reminiscências em histórias conhecidas e queridas, se converteram num relato autobiográfico.» PABLO TRAPERO, Realizador

Por ano são cerca de 50 filmes e, com um número tão elevado num continente em que a concorrência mais próxima só vem do Brasil, as consequências sentem-se no ecrã: o recente florescimento do cinema argentino gerou a proliferação de pequenas obras, com níveis de produção muito baixos e reveladoras de um esforço das equipas técnicas envolvidas para levarem a produção até ao fim com sucesso. Nomes de cineastas como os de Lucrecia Martel, Lisandro Alonso, Daniel Burman ou Martín Rejtman despertaram a atenção e permitiram que esta indústria, ainda assim bastante apoiada pelo Estado argentino, crescesse e não sentisse os efeitos da crise económica generalizada que afectou o segundo maior país da América do Sul nos primeiros anos deste novo século. A Argentina é, de facto, dos poucos países com graves carências no seu nível de desenvolvimento financeiro que dispõe anualmente de chorudos subsídios estatais para cinema. A maior parte é canalizada para projectos mediáticos, negligenciando obras de natureza marginal que parecem fazer da contenção de meios ingrediente necessário para gerar novas ideias visuais. FAMÍLIA RODANTE, filme de outro nome da nova geração de realizadores argentinos a reter, Pablo Trapero, reflecte esta tendência por aproveitar o conceito de road movie e adaptá-lo à tradição familiar sul-americana. A história resume-se em poucas palavras: Emília (Graciana Chironi), matriarca de uma numerosa família, convoca todos os seus parentes mais próximos para a acompanharem numa viagem de mais de um milhar de quilómetros e assistirem a um casamento onde a velha senhora será madrinha. O meio de transporte é uma apertada autocaravana para doze pessoas e muitos mais conflitos íntimos por resolver. Pouco convencional e sem receio de mostrar os pequenos «nadas» que definem uma personalidade, o filme descreve em pouco mais de hora e meia o fio ténue que liga este clã desconexo, num registo de filmagem quase documental. Em FAMÍLIA RODANTE, as cenas atravessam-se no ecrã de forma episódica, com planos aproximados para evidenciar o espírito de (des)união do vasto núcleo de personagens, interpretado na sua maioria por actores não-profissionais – a enternecedora Emília é, inclusivamente, interpretada pela avó do jovem realizador. Sempre em movimento, a acção desenrola-se também em sucessivos interlúdios que dão pistas para o objectivo pretendido pelo cineasta Pablo Trapero: demonstrar um imenso amor pelas relações humanas e pela tradição rural do seu país.

CINEFILIA: A tal de aura «Tarantinesca» (Julho - 4ª semana)

IRA. «Nunca irei fazer um 'Pulp Fiction 2'. Mas agora que digo isto, acho que poderia muito bem fazer outros filmes com aquelas personagens.» QUENTIN TARANTINO
A razão porque «Pulp Fiction» não consta desta lista é óbvia: trata-se (ainda) do melhor e mais célebre filme do reconfigurador Quentin Tarantino. Como toda a gente já o viu e é essencial em qualquer videoteca que se preze, há, mesmo assim, que lembrar uma das mais curiosas carreiras na realização, dado que À PROVA DE MORTE já aí se encontra, nas salas nacionais, para quem o quiser ver. Tarantino pode não ser o mais súbtil dos novos cineastas norte-americanos. Mas é um dos mais intensos e daqueles que mais apetece ir seguindo com renovado interesse.
- À PROVA DE MORTE: Em exibição nos cinemas, esta parte do projecto GRINDHOUSE (entretanto partido ao meio, ficando a parte de Robert Rodríguez adiada para Setembro) traz novamente Tarantino de volta ao território série B, com um «serial killer» que assedia jovens desinibidas.
- KILL BILL 2: Segunda parte das aventuras de A Noiva e também a mais reveladora. Oportunidade do realizador homenagear filmes de acção orientais sem perder o charme e aproveitando ainda para dar uma aura western à missão de Uma Thurman (como sempre excelente).
- KILL BILL 1: Talvez o mais gory filme de Tarantino. Brilhante amálgama de géneros, mostra ainda que o realizador sabe fazer cinema de acção, com a mestria dos clássicos.
- JACKIE BROWN: Piscadela de olhos à blaxploitation, começando pela escolha da protagonista (a saudosa Pam Grier). Viagem ao mundo negro da corrupção dissimulada, com um elenco de se lhe tirar o chapéu. Samuel L. Jackson e Robert De Niro na linha da frente.
- CÃES DANADOS: O berço de tudo. Um filme minimalista que revolucionou o sopro independente da década de 90. Neste jogo de enganos sangrento, nada é o que parece. Os diálogos são de antologia.

22 de julho de 2007

NA SALA ESCURA: O amor nasce dos corpos

LUXÚRIA. «D.H. Lawrence disse que tentou mostrar a sexualidade como algo que não era vergonhoso, mas a coisa mais natural do mundo. Eu tentei transmitir isso no filme.» PASCALE FERRAN, realizadora
O sopro romântico do ano chegou discreto nas salas nacionais, mas tem mantido uma longevidade impressionante nas salas de cinema e... ainda bem. Por este motivo, tive a oportunidade de ver na sala escura um dos mais belos melodramas dos últimos anos, despojado de artifícios e digno representante de um tipo de cinema em vias de extinção: tonalidades clássicas, filmagem sensível e atenta aos pormenores, construção milimétrica das personagens e abordagem sensual do amor sem cair em demagogias carnais. LADY CHATTERLEY é uma soberba adaptação do romance «O Amante de Lady Chatterley», de D.H. Lawrence, que impressiona pela leveza da sua direcção, incisiva mas profundamente condescendente com as suas figuras. A relação metafórica entre o brotar da Primavera com a transformação interior de Constance (Marina Hands), enclausurada numa relação conjugal sem chama (dado o marido ser um arrogante burguês inválido), assim que se entrega a Parkin (Jean Louis Coullo'ch), o guarda-caça da sua propriedade, é de uma beleza extrema, que culmina com a decoração floril inventiva da personagem genialmente interpretada por Coullo'ch. De mansinho, se constrói um belo tratado do amor impulsivo, de um afecto intimamente ligado ao corpo e aos seus desejos. A relação entre o par protagonista contorna o preconceito de épocas passadas numa bela epopeia sensível e devolve ao cinema europeu a história de amor delineada como o novelo folhetinesco para adultos, que não esconde a entrega carnal, antes a encara como um passo fundamental para a união. Só por isso, e por ser um filme que renova convicções, LADY CHATTERLEY deve ser visto por quem acredita no poder dos sentimentos e se deixa envolver pela intensidade de um retrato que contorna tudo e deixa ver de perto qual é a verve do amor.
LADY CHATTERLEY
De Pascale Ferran (2006)
* * * * *
Jogo de luxúria intenso, mas condigno com o sentimento premeditado das personagens. É uma das obras-primas do ano e um exemplo de como o cinema francês ainda é uma referência na gestão de afectos. Quem o vê peca com o olhar, mas não pela nudez reincidente das personagens, antes por assumir uma veia de voyeur, ao partilhar a intimidade de dois seres que se descobrem, quando já tudo parecia perdido.

O QUE AÍ VEM... Simpsons Movie

GULA. «É altura de ir salvar a minha família!» HOMER SIMPSON

Faltam quatro míseros dias para que a família amarela nos invada os cinemas e... ainda bem, com SIMPSONS - O FILME. Depois de mais de 400 episódios na televisão (caso único para uma produção animada que tem sabido, como nenhuma outra, rejuvenescer por se actualizar na crítica à política, ao preconceito e a tudo o que mexa), Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie tentam esticar a animação habitualmente concebida para os habituais 20 minutos televisivos até hora e meia. Resultado? Estamos para ver se a fórmula imbatível resulta, mas a premissa promete: acidentalmente, Homer polui o rio de Springfield com substâncias tóxicas. Não só perde o trabalho, como obriga toda a população da cidade a evacuar-se para sempre.

18 de julho de 2007

O meu pecado faz um ano!

INVEJA. «- Sabes inglês, Antoine? - Estou a aprender dos discos, mas não é fácil...» Diálogo de BEIJOS ROUBADOS (1968)

Em matéria de datas importantes, passa-me (quase) tudo ao lado. Estou habituado a ter o meu pai a ligar-me a avisar sempre que um familiar faz anos. Mas o meu pai não tem por hábito ler o meu modesto blogue, pelo que assinalo hoje o primeiro aniversário do SIN CINEMA mesmo que ele tenha ocorrido há sete dias. O facto de me ter esquecido não é por acaso: tenho-me sentido, nos últimos tempos, com um certo desnorte. Nada de preocupante, apenas algum cansaço e vontade de ter aquelas férias que não chegam: o tempo parece pequeno para tudo o que gostava de fazer. E é por isso que registo este aniversário com uma alusão a BEIJOS ROUBADOS, de François Truffaut. Não só por ser um dos mais brilhantes e singelos trabalhos do realizador francês, mas porque descreve com minúcia as deambulações do célebre Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) com um pé na adolescência e outro na idade adulta, mais complexa do que poderia parecer. Há um misto de confusão e ímpeto de agir nesta personagem (mesmo que a mesma seja perita em embaraços) com o qual me identifico. E há também uma inocência - talvez ingenuidade - que ainda acredito possuir. É nesta fase de consolidação pessoal, que me congratulo por ter chegado a esta data. Feliz por ter finalmente estabilizado o modelo do meu modesto blogue, feliz por gostar cada vez mais de escrever cinema, feliz porque os poucos que aqui vêm têm crescido nas últimas semanas. Só menos feliz porque falta o tempo que tanto queria para fazer ainda melhor, ir mais vezes à sala escura e crescer ainda mais por aqui... É esse o esforço que vou tentar fazer. Até porque este é um espaço de pecado. E há sempre uns minutos mais para pecar...

CINEFILIA: Nas salas, à espera de ir ver (Julho 3ª semana)

SOBERBA. Já se respira Verão há mais tempo do que nunca e a vontade de ir ao cinema cresce com o calor. Mas por que será que ainda não vi (nem pouco mais ou menos) tudo o que queria? E ainda para mais estamos numa época em que as estreias se fazem a meio gás. E OS SIMPSONS estão aí a bater à porta... Aqui ficam cinco sugestões para ver nas salas.

- DEAR WENDY: Escrita por Lars Von Trier (que anda deprimido), esta sátira à obsessão dos americanos pelas armas parece arrojada mas dá o tiro ao lado, segundo algumas críticas.

- OS INIMIGOS DO IMPÉRIO: Nova aventura carregada de exotismo oriental que, caso a intriga palaciana seja bem fraquinha, as coreografias e jogos cénicos prometem impressionar.

- NO MUNDO DAS MULHERES: Comédia romântica sobre um rapaz a tentar recuperar de desilusão amorosa, parece que é mais convincente devido ao regresso de Meg Ryan.

- TAXIDERMIA: O único filme que já vi desta lista. Bizarra metáfora existencialista, que procura penetrar na carne para fazer ver o seu ponto de vista. Esforço 'indy' do ano, difícil de esquecer.

- HARRY POTTER E A ORDEM DE FÉNIX: Alguém ainda tem paciência para o jovem feiticeiro? As bilheteiras dizem que sim e eu tenho mais curiosidade em ver Ralph Fiennes a parecer marimbar-se enquanto vilão.

12 de julho de 2007

A arte de coleccionar cinema

GULA. «Não posso dizer que é uma loja de cinema 'underground' porque tenho aqui coisas conhecidas de todos, mas é pelo menos mais cuidada» VASCO T. MENEZES

Quem gosta mesmo de cinema não se fica pela sensação vivida no grande ecrã. Compra DVD compulsivamente, colecciona posters, livros, camisolas, porta-chaves e até bases para o rato do computador. Embora não chegue a este extremo, congratulo-me do esforço que um jovem ex-crítico de cinema do jornal Público, Vasco T. Menezes, que conheço, empreendeu: montou a loja Cinecittà para gente apanhada por filmes. Há uns tempos, fiz uma breve reportagem para o extinto suplemento 6ª (do Diário de Notícias) que, muitos meses depois, me apraz recuperar.

Numa parede, Alfred Hitchcock retoma a pose de prestígio com uma gaivota e um corvo nos ombros para nos recordar o medo de OS PÁSSAROS; na outra, Woody Allen revela o seu ar inconformado por debaixo de um chapéu de chuva num pequeno postal a preto-e-branco; ao centro, está uma colecção de posters que recordam James Dean em FÚRIA DE VIVER, Jacques Tati em AS FÉRIAS DO SR. HULOT ou o casal animado do recente êxito de Tim Burton, A NOIVA CADÁVER. Se dúvidas restassem, assim que se entra no número 4 da Avenida Sacadura Cabral (junto à Avenida de Roma), em Lisboa, é a ficção que toma conta do espaço, ou melhor, o cinema revela-se para lá do grande ecrã sob a forma de DVD, postais, livros, porta-chaves, T-shirts e até tapetes para o rato do computador. É este o «argumento» da loja Cinecittà: uma pequena área comercial mas uma grande ideia para os cinéfilos inveterados. «É a loja de cinema que eu gostaria de frequentar, tendo em conta que antes de a abrir não havia nenhuma do género em Lisboa», refere Vasco T. Menezes, ex-crítico de cinema do jornal Público e o grande mentor do espaço que abriu portas em Abril de 2005. Agora, quase um ano depois, a Cinecittà já possui site oficial (www.cine-citta.net), fidelizou um pequeno grupo de clientes, mas ainda se confronta com falta de divulgação e uma área pequena para as ideias de quem a dirige: «Gostava de ter um espaço mais alargado, com uma zona de café e bar que permitisse a conversa e não tornasse a Cinecittà num mero local de compra», acrescenta Vasco T. Menezes. Um olhar rápido pelas prateleiras dos DVD permite concluir que são as edições de luxo, importadas segundo uma lista criteriosa de fornecedores, que predominam e definem o ambiente para quem entra pela primeira vez: a oferta (com preços um pouco mais elevados que o normal devido a custos de importação e a edições raras) passa por obras desconhecidas de realizadores como Wes Anderson (BOTTLE ROCKET) ou Richard Linklater (DAZED AND CONFUSED), clássicos como MEAN STREETS de Martin Scorsese (numa edição com depoimentos do realizador e documentário), filmes de terror, cinematografia oriental e êxitos europeus de Visconti ou Chabrol. «Existem pontos de contacto entre a Cinecittà e outras lojas, mas esta é mais virada para um nicho. Não posso dizer que é uma loja de cinema underground porque tenho aqui coisas conhecidas de todos, mas é pelo menos mais cuidada», sublinha o jovem proprietário, para realçar «que a oferta tem a ver com os meus gostos, mas não é uma loja para o meu umbigo». Há ainda uma secção de compra e venda de DVD e uma livraria um pouco escondida com obras sobre tendências e estilos cinematográficos, listas de prémios ou centradas em ícones como Marilyn Monroe. E é ainda possível adquirir números antigos da revista «Écran». O segredo da Cinecittà é o de «possibilitar novas formas de relacionamento com as componentes gráficas e lúdicas» do cinema. Algo que pode ir de uma obra raríssima do artista Andy Warhol (editada pela distribuidora italiana RareVideo) ou uma camisola com uma estampa dos lábios carnudos que simbolizam THE ROCK HORROR PICTURE SHOW.

«Déjà vu»? Venha ele!

SOBERBA. «Obrigado por verem o meu filme. Espero que gostem. Dziekuje.» BORAT


Já é tradição... chegam os meses de Verão e há sempre uma acolhedora sala de cinema que exibe aqueles filmes que nos escaparam no ano cinematográfico anterior e, ainda por cima, a preço reduzido. Este ano, a sala escolhida é o discreto Cinema Nimas, em Lisboa, e o preço de cada bilhete fica por 3,5 euros. Do que é que estão à espera? Eu aguardo por OBRIGADO POR NÃO FUMAR, BORAT, EM PARIS ou CARTAS DE IWO JIMA. Sim, estes ciclos retardatários são ideais para quem se tem desleixado um pouco com tanta estreia semanal. Deixo aqui apenas a programação de Julho... mas o ciclo estende-se até Setembro.

Sexta, 13 ............... TRANSE
Sábado, 14 ............. A DÁLIA NEGRA
Domingo, 15 ........... OS FILHOS DO HOMEM
Segunda, 16 ............ MANUAL DE AMOR
Terça, 17 ............... A SENHORA DA ÁGUA
Quarta, 18 .............. A RAINHA
Sexta, 20 ................ PARIS, JE T'AIME
Sábado, 21 .............. BASTIDORES DA RÁDIO
Domingo, 22 ............ OBRIGADO POR FUMAR
Segunda, 23 ............. A CIÊNCIA DOS SONHOS
Terça, 24 ................ VIÚVA RICA, SOLTEIRA NÃO FICA
Quarta, 25 ............... BABEL
Sexta, 27 ................ BORAT
Sábado, 28............... JUVENTUDE EM MARCHA
Domingo, 29 ............ O GRANDE SILÊNCIO
Segunda, 30 ............. EM PARIS
Terça, 31 ................ THE DEPARTED - ENTRE INIMIGOS

10 de julho de 2007

NA SALA ESCURA: As vísceras do dia-a-dia

GULA. «Talvez o possamos definir, não como um filme de terror, mas uma ópera de terror.» JOÃO LOPES in Cinema 2000

Para quem se queixa que as salas de cinema nacionais são cada vez mais invadidas pelo mesmo tipo de cinematografias, nomeadamente os blockbusters do costume, esta bizarra proposta austro-húngara é talvez um dos mais inclassificáveis projectos alguma vez estreados entre nós. E, só por isso, já merece atenção. Trata-se de uma alegoria excessiva, marcada pela crueza da carne, que propõe um olhar enigmático e disruptivo sobre o sentido da vida. TAXIDERMIA é ambicioso, caótico, extremo, desconfortável, grotesco, visualmente repelente, mas inventivo e extremamente dinâmico. Ao decidir contar três gerações marcadas por um dantesco sentido carnal da existência, o realizador György Palfi cria um transgressor objecto que é até difícil de expor em termos narrativos. Se começa como um burlesco retrato de um homem que vive num curral e simula fantasias excessivas com as mulheres da casa, rapidamente passa por uma ode crítica ao comunismo e ao seu predomínio no Leste graças à história seguinte de um homem que se torna campeão na arte de comer até rebentar e que casa com uma mulher com igual dom... No final, é a vida solitária do seu filho, um taxidermista que sonha com o corpo e os limites do impossível que consegue fazer com ele, que ganha forma num dos finais mais impressionantes dos últimos anos. E o que ganhamos com isto tudo? Ganhamos uma experiência cinematográfica única, que nos dá uma visão surrealista e crua da vida, enquanto ironiza sobre as necessidades corporais de cada um. TAXIDERMIA ironiza o corpo, dá-lhe novas fronteiras, cruza-as e trespassa-as com um golpe de faca de talho para nos mostrar que por dentro de cada um há vísceras e um sentido iminentemente caótico em cada um de nós. Só por isso também já vale a pena testemunhar este freak show, embora não seja aconselhável a estômagos sensíveis.

TAXIDERMIA
de György Palfi (2006)
* * *
Deu nas vistas em Cannes e venceu um prémio no Fantasporto, mas a verdade é que esta produção europeia arrasa sensibilidades e corta a monotonia por onde quer que passe. A forma despudorada como lida com o corpo, o corrompe, o desfigura e, no final, tudo parece não passar de uma negra declaração de amor à física visceral do ser humano, é desarmante. TAXIDERMIA merece um lugar de destaque nas propostas mais inventivas e surreais dos últimos tempos, até porque aproveita a sua falta de ligeireza e o seu excesso de choque visual assumido para também extrair críticas à política e às relações afectivas de três gerações distintas. Crise de valores? Emocionais, sim. Mas graficamente muito ousados!

8 de julho de 2007

CINEFILIA: Três vivas para o novo cinema nacional (Julho - 2ª semana)

SOBERBA. Nesta semana que se avizinha quente, o destaque vai mesmo para o novo cinema português, dada a estreia do novo filme de Manoel de Oliveira. Apesar das críticas, há que reconhecer o esforço no sentido artístico da cinematografia nacional, sendo os cinco exemplos apresentados de seguida o mais díspares do que possível. A oferta é acessível e aconselhável a quem gosta de ver filmes sem preconceitos.

- CERROMAIOR: É já amanhã, pelas 19.30, que a Cinemateca exibe este trabalho de Luís Filipe Rocha, inspirado no romance homónimo de Manuel da Fonseca, que se embrenha nas raízes profundas dos homens do campo no Alentejo.

- TRANSE: A propósito da revisão da matéria dada que o cinema Nimas exibe até Setembro, a próxima sexta-feira (dia 13) é preenchida com o último trabalho de Teresa Villaverde. Um conto sufocante protagonizado por uma tétrica Ana Moreira.

- BELLE TOUJOURS: Um conto nostálgico, que pega nas personagens do clássico BELLE DE JOUR, de Luis Buñuel, é o que propõe o quase centenário Manoel de Oliveira. As críticas, ao contrário do que é costume, têm sido amigas deste filme feito de afectos e em exibição nos cinemas nacionais.

- A FILHA: O mês de Julho é, na RTP2, dedicado em parte ao cinema português. No próximo sábado, o segundo canal recupera este estranho e intenso drama, com uma grande interpretação de Nuno Mello. Realização de Solveig Nordlund.

- COISA RUIM: Para encerrar a semana, nada como revisitar um dos mais consistentes sopros comerciais falado em português. O filme é também o maior esforço de sempre para elaborar uma história de terror com pés e cabeça, recorrendo ao imaginário e crenças rurais.

7 de julho de 2007

O QUE AÍ VEM... Cassandra's Dream

AVAREZA. «Espero que gostem do filme, senão podem pedir o dinheiro de volta.» WOODY ALLEN
Quem é fã de Woody Allen está sempre a contar os dias até à data de estreia da próxima comédia que, nas salas nacionais, costuma chegar em Janeiro. Depois de SCOOP, Woody Allen convocou Ewan McGregor e Colin Farrell para protagonizarem o seu último esforço londrino, apresentado há alguns dias, pela primeira vez, em Espanha. Woody, o realizador de Nova Iorque parece estar cada vez mais europeu... E do que fala o aguardado CASSANDRA'S DREAM? Da história de dois irmãos do sul de Londres e da relação que ambos estabelecem com uma jovem (Haylley Hatwell) recém-chegada à cidade. Consciente do efeito que tem sobre os dois, a protagonista vai fazer deles gato e sapato e levá-los por caminhos um pouco mais negros do que o costume nas comédias sentimentais de Woody Allen (será um regresso a ambivalência dramática de MATCH POINT?). Enquanto a espera toma conta, registe-se que o realizador nova-iorquino já fez saber que o filme seguinte será rodado em Barcelona novamente com Scarlett Johansson e com os espanhóis Penélope Cruz e Javier Bardem.

Dar o litro até ser estrela

AVAREZA. «Cresci em Jackson Height, Queens, sem dinheiro. Ensinaram-me a não tomar nada por garantido.» LUCY LIU

Sabe-se que o mercado de trabalho não é coisa fácil, até para aqueles que insistem em tirar uma licenciatura (incluindo eu próprio...). Mas, para se tornarem estrelas mundialmente reconhecidas, também alguns dos actores sonantes de hoje começaram da estaca zero. E eu, numa das minhas pesquisas «inúteis», descobri inícios de carreira muito curiosos. Com uma garantia: são verídicos! Aqui fica a lista de primeiros empregos de gente aparentemente insuspeita. Futuro risonho: há esperança!

LUCY LIU .................. professora de aeróbica
DANNY DE VITO........... cabeleireiro
SEAN CONNERY ........... limpa-caixões (!)
WHOOPI GOLDBERG ..... maquilhadora de funerais
HARRISON FORD .......... carpinteiro
MICHAEL DOUGLAS ....... homem do gás
SYLVESTER STALLONE .... limpa-jaulas

6 de julho de 2007

Ninguém escreve como Somerset Maugham

SOBERBA. «O mundo é um palco e todos os homens simples actores.» WILLIAM SHAKESPEARE
Deve ter sido um cínico de primeira, um burocrata insuportavelmente vaidoso... mas escrevia como ninguém. Falo de Somerset Maugham, escritor no topo das minhas preferências pela sua capacidade de usar a ironia, o estilo omnisciente na composição das suas personagens (longe de serem modelos de conduta) e uma mordacidade contagiante. Se O FIO DA NAVALHA é dos romances mais intensos que li desde sempre, eis que há algumas semanas terminei a leitura de AS PAIXÕES DE JÚLIA, onde novo assombro e admiração literária se instalou... É que Maugham é brilhante ao desconstruir a figura de uma actriz, verdadeiramente uma diva dos palcos, mas incapaz de sentir e viver as emoções da sua vida real. Basicamente, uma mulher que virou simulacro e que, bem no final da história, tem uma das reflexões mais espantosas que alguma vez testemunhei. Por isso, ouso reproduzir:
«O mundo é um palco e todos os homens e mulheres simples actores.» Mas há a ilusão, através da arcada; somos nós, os actores que somos a realidade. Eis a resposta ao Roger. Os outros são a nossa matéria-prima. Nós somos o significado das suas vidas. Pegamos nas emoções ridículas e transformamo-las em arte, com elas criamos beleza, e a sua importância é que constituem o público de que precisamos para nos realizarmos. São os instrumentos em que tocamos e de que serve um instrumento sem alguém para tocar?
Com uma apropriação desarmante, Júlia, a actriz dominadora, prefere a realidade da máscara. Parece simples, mas não é... Consta que esta obra do argumentista britânico foi adaptada com algum empenho para cinema, pela mão de István Szabo, mas o filme foi essencialmente elogiado pela composição de Anette Bening (nomeada para o Óscar). Ainda não o vi... mas o prazer da leitura da obra já ninguém me tira.

NA SALA ESCURA: Uma fábula vezes três

GULA. «Bem, não seria inadequado presumir que não sei exactamente dizer onde Shrek está, dado que isso é só parcialmente incorrecto.» PINÓQUIO in Shrek, o Terceiro


Depois da moda dos remakes, a última vaga de Hollywood são, além das adaptações de heróis de Banda Desenhada, as imensas sequelas. Tivemos trilogia de O PIRATA DAS CARAÍBAS, duas IDADES DO GELO (para já...), quatro DIE HARD, parece que INDIANA JONES também vai regressar e... claro, como «mina de ouro das bilheteiras» que é, o ogre Shrek viu a sua terceira parte chegar aos cinemas com a promessa de que a quarta irá chegar em 2010. Faz tudo parte das regras do jogo, até porque sabe bem ver a evolução prodigiosa das técnicas de animação digital na animação, bem como conhecer mais detalhes sobre o rumo de um punhado de personagens que vai buscar a sua inspiração às fábulas infantis. E é neste ponto que está a mais-valia de SHREK, O TERCEIRO. É que, embora este seja o capítulo menos impressionante em matéria dramática da saga, e já com o rumo das personagens centrais definido, há que abrir novas fronteiras humorísticas e ir buscar nuances ficcionais do enorme manancial nos contos infantis. É por isso que Pinóquio aparece mais vezes e ganha mesmo o momento mais cómico de todo o filme ao contornar os vilões com o seu atabalhoado discurso para não mentir. É por isso também que o biscoito de gengibre vê a sua vida andar para trás numa rápida e irresistível sequência de imagens. É também por isso que Rapunzel, Branca de Neve, Merlin ou até a Bela Adormecida (com os seus divertidos ataques de narcolepsia) ganham destaque. SHREK, O TERCEIRO é um imenso manancial de referências ficcionais, com uma dinâmica bem gerida e que consegue superar o desgaste dos protagonistas. Mesmo o Burro continua a conseguir manter a sua personagem à tona, mesmo que a história em si já não prenda a atenção. Mas também para quê tamanho investimento? O dinheiro das bilheteiras é sempre garantido. E este filme ainda é a proposta mais consistente para toda a família nos dias de Verão.


SHREK, O TERCEIRO
de Chris Miller (2007)

* * *
Vira o disco e toca o mesmo? É verdade que Shrek já não pode evoluir muito, nem Fiona, nem o Burro ou mesmo Gato das Botas. Contudo, os argumentistas desta terceira aventura são espertos que nem um alho e criam um dilema monárquico que obriga os heróis a debruçarem-se em mais uma longa jornada para descobrirem um novo herdeiro. A personagem de Justin Timberlake é desinteressante, mas o mesmo não se pode dizer do naipe de secundários resgatados dos contos infantis. A dinâmica é imbatível e ainda se consegue rir a bom rir de um par considerável de piadas. Aguarda-se o quarto capítulo. Mas sem grande expectativa. Não seria melhor parar? Não, até porque há contas a pagar...

5 de julho de 2007

O QUE AÍ VEM... Erik Nietzsche

IRA. «Não se pode fazer um filme e, ao mesmo tempo, estar-se deprimido.» LARS VON TRIER
Os seus filmes eram extremos, mas ninguém estava à espera da notícia surgida há poucas semanas: Lars Von Trier, o cineasta dinamarquês de ONDAS DE PAIXÃO e DOGVILLE está deprimido. Ao ponto de não conseguir filmar. Que a sua mente tem algo de misógino e deve ser um verdadeiro quebra-cabeças, não havia dúvidas... mas vamos sentir falta do seu cinema brusco e emocionalmente agressivo. Por cá, MANDERLAY, a sequela de DOGVILLE vai chegar nos próximos dias directamente para o vídeo, mas há uma estreia para breve a registar: ERIK NIETZSCHE, em que Von Trier surge como argumentista. Atrás das câmaras está Jacob Thuesen, um discípulo dinamarquês assumidíssimo do realizador de DANCER IN THE DARK. A história? Neste caso não é o mais importante, mas aborda justamente o processo criativo de construção de um argumento. Vai demorar ainda alguns meses a estrear, mas é a única notícia que vamos ter de Lars Von Trier nos próximos tempos...

2 de julho de 2007

O MAIOR PECADO DE... Bruce Willis

PREGUIÇA. «Numa escala de 1 a 10 de má comédia, esta classifica-se no 11.» BOB STRAUSS, Los Angeles Daily News

Sim, a carreira dele tem obras-primas como O SEXTO SENTIDO ou PULP FICTION, filmes de acção estrondosos como a saga DIE HARD ou O QUINTO ELEMENTO. E depois... tem filmes destes! Ou melhor, nenhum tão fraquinho quanto esta sequela de 2004, de uma comédia que não era assim tão engraçada (e que só justificou sequela porque, inesperadamente, amealhou uns dólares a mais). Em FALSAS APARÊNCIAS 2 não há grande história - para não dizer que não há história nenhuma! - e Willis é aqui um esboço para uma caricatura de um gangster que quer ter piada, mas que... não tem piada nenhuma. Oz (Matthew Perry) volta a ser o dentista que, desesperado, consulta Jimmuy (Willis), o mafioso que vive pacificamente porque toda a gente pensa que morreu, porque a sua namorada (Natasha Hesntridge) foi raptada pela máfia húngara... Sim, um argumento sem piada que apenas dá azo a gags medíocres, acção descompensada e um Willis penoso a arrastar-se até ao fim. Felizmente, o filme recebeu críticas tão más e receitas de bilheteira tão fraquinhas, que não há o risco de voltar a haver novo capítulo para encerrar uma potencial trilogia. Apesar das falsas aparências que Hollywood gosta de contrariar...


Críticas de fugir...
- WAFFLEMOVIES.COM: 'Falsas Aparências 2' falha em tantos aspectos que até é difícil saber por onde começar.
- DALLAS MORNING NEWS: Um exercício de humilhação para todos os envolvidos.
- CHICAGO TRIBUNE: Embora ligeiramente mais bem escrito e realizado do que o primeiro, este filme é grande e vazio, cheio de maneirismos de estrelas, energia artificial e piadas que simplesmente não funcionam.

CINEFILIA: Bruce Willis é o mais «cool» da vizinhança (Julho 2007 - 1ª semana)

SOBERBA. Esta semana, dado existirem poucas novidades a não ser o regresso de John McClane, ou melhor Bruce Willis, à bem sucedida série DIE HARD, a semana vai inteirinha para a carreira de um dos mais divertidos actores de Hollywood. Bruce Willis é mesmo a prova, pela sua carreira a oscilar entre bons espectáculos de acção e um ou outro filme transgressor, que é capaz de ser um dos actores mais cool das últimas duas décadas. Vai uma aposta? Aqui ficam cinco exemplos, um deles em exibição nos cinemas nacionais, os restantes em DVD.

- DIE HARD 4.0.: O regresso de Willis à saga que lhe deu fama no cinema parece que até é bem feita, remete para o ciberterrorismo e tem-se safado nas bilheteiras. Chega?

- ASSALTO AO ARRANHA-CÉUS: Como tudo começou... As peripécias de um polícia para derrotar um bando de criminosos são dignas de antologia. Willis é um herói consensual.

- PULP FICTION: Se queres transcender-te enquanto actor respeitado, junta-te a Tarantino. Foi o que Willis fez e com toda a pertinência. As carícias com Maria de Medeiros não saem da memória cinéfila.

- HÁ DIAS DE AZAR: Outro esforço de Willis para se juntar ao cinema de golpe com neurónios. O esforço é bem intencionado, até porque aqui passam também Sir Ben Kingsley e Morgan Freeman.

- SIN CITY - A CIDADE DO PECADO: A obsessão de Bruce Willis pela personagem de Jessica Alba é enternecedora neste neo-clássico negro e estilizado pela batuta de Robert Rodríguez.

1 de julho de 2007

A aura negra de Edgar Allan Poe

IRA. «Na ficção-científica, o monstro deve ser sempre maior do que a actriz principal.» ROGER CORMAN
Pois é... o cansaço traiu-me e não cheguei a marcar presença na «premiere» de Roger Corman na Cinemateca. «Mea culpa!» Ainda assim, recordo as impressões que senti ao ver o clássico O FOSSO E O PÊNDULO, que vai passar no ciclo do Museu do Cinema e que está disponível também em DVD. Já se sabe que as obras de suspense se sobrepuseram à veia poética de Edgar Allan Poe. A sua escrita aliava o terror gótico com intrincadas narrativas em que a lógica expressionistas deixava antever consideráveis potencialidades cinematográficas. A transposição para o grande ecrã do universo enigmático de O CORVO ou A MÁSCARA DA MORTE VERMELHA coube a Roger Corman, produtor e realizador que se especializou, nos anos 60, em filmes de baixo orçamento sempre com o mesmo actor em destaque: Vicent Price. Tinha uma expressão cínica, com olhar vítreo e sobrancelhas carregadas, além de uma voz rouca e um ar maquiavélico. Vincent Price é o símbolo por excelência do cinema de terror poético (quase sempre de contornos medievais) e o protagonista do clássico O FOSSO E O PÊNDULO, obra de 1961. A história deste thriller sumptuoso e sinistro, com a acção a decorrer nos diversos espaços de um castelo espanhol, descreve os vários passos de Don Nicholas Medina (Price) em direcção à mais extrema demência. Impressionado com a cave da sua casa real, local recheado de instrumentos de tortura da época da Inquisição, Medina não consegue ultrapassar o trauma da misteriosa morte da amada, Elizabeth (Barbara Steele). Aos poucos, o solitário viúvo começa a pressentir a presença de Elizabeth em todos os cantos do castelo, aspecto que também intriga Francis Bernard (John Kerr), o irmão da mulher «que morreu de medo», que vem para esclarecer o que de facto se passou. Nesta história que ajuda a perceber muito do universo estilístico do contemporâneo Tim Burton (que, curiosamente, convidou o já idoso Vincent Price para uma pequena participação em EDUARDO MÃOS DE TESOURA - na pele do criador da bizarra criatura interpretada por Johnny Depp), a atmosfera que Corman consegue produzir é a do terror lendário, próximo das adaptações de DRÁCULA, de Bram Stoker (clássico que faz 110 anos em 2007).