31 de janeiro de 2008

NA SALA ESCURA: Viajar cá dentro







INVEJA.
«Como pode um comboio perder-se se anda sobre carris?» Jack (Jason Schwartzman)
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O ano acabou de começar mas já é possível avançar que há um filme em exibição nas salas nacionais que se habilita a passos largos de se tornar num dos títulos de 2008.

Que Wes Anderson tem o dom de ilustrar histórias simples - sempre em torno de personagens "às turras" com o fardo familiar! - com detalhes descritivos e cénicos pouco habituais no cinema de massas já o sabíamos desde os tempos de «Gostam Todos da Mesma» ou de «The Royal Tenembaums». Que o mesmo adora bandas sonoras de travo alternativo, escolhe bons actores para os pôr a rir-se de si próprios, também. Então o que traz de novo THE DARJEELING LIMITED? Nada que coloque em causa a carreira do jovem realizador.

Antes, uma estrondosa capacidade para amadurecer o seu estilo e elevar ainda mais o potencial das suas figuras que lutam umas com as outras enquanto não percebem que o principal entrave está na sua consciência.

Tanto Owen Wilson, como Adrien Brody e Jason Schwartzman (que também ajudou a escrever o argumento) são escolhas perfeitas para serem os três irmãos que largam tudo para se aproximarem, mesmo que a redenção se busque no exotismo indiano.


Até aí Wes Anderson merece aplauso: a forma como a Índia surge como «actriz secundária» desta revitalizante comédia, seja nas cenas do comboio, nos regateios do mercado, nas peripécias junto das comunidades indígenas ou nos bastidores de uma estação, é reflexo de quem viaja para se integrar numa cultura. Díspar e por isso aliciante.
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THE DARJEELING LIMITED
De Wes Anderson (2007)
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Para quem tem alma de viajante, acredite no lado genuíno da comédia e perceba que as relações familiares nem sempre são fáceis de digerir, THE DARJEELING LIMITED vai ser percepcionado como um bálsamo. Talvez o melhor que Wes Anderson já nos deu!

27 de janeiro de 2008

O cinema silencioso de Bergman







INVEJA.
«Toda esta conversa. Não é preciso discutir a solidão. É uma perda de tempo.» ESTER (Ingrid Thulin)

Se há cinema que assenta no poder das emoções, o legado de Ingmar Bergman é uma verdadeira «manta de retalhos» psicológica que se esforça por transpor em imagens o lado intrínseco dos sentimentos, recorrendo ao grande plano para mostrar ímpetos aparentemente insondáveis.

Quando lhe perguntaram quais eram os motivos das suas histórias, o que desejava realmente ao criá-las, o realizador sueco gaguejou justificando-se que a pergunta era difícil e perigosa. Ainda assim, a resposta lá apareceu : «Tento dizer a verdade sobre a condição humana, a verdade como a vejo.»

O que é habitual nos seus melodramas intimistas é vermos pessoas com relacionamentos ambíguos, de tal formas expostas que rapidamente afastam os rodeios que as rotinas sociais impõem.

Lembrei-me disso recentemente na descoberta da obra «O Silêncio», um pequeno filme de 1963 em que Bergman volta a tentar superar-se com a possibilidade de contar uma história recorrendo principalmente ao poder do som e dos olhares.

Até porque na cidade onde as irmãs Ester e Anna vão dar, com o pequeno filho da segunda, os seus habitantes expressam-se numa língua estranha que as força a comunicar de outras formas. Mas o mais absorvente não é essa dificuldade em comunicar.

É mesmo o hotel onde as duas mulheres se alojam, com corredores luxuosos e personagens bizarras - desde o mordomo de ar patusco ao grupo de anões em estranho ambiente circense.

Depois há angústia de Ester, que vê o fim a aproximar-se e a irmã que não cede aos ímpetos de um corpo em ebulição.

No final, o que fica é mais um exercício perturbante, ruidoso na sua ausência de palavras e a convicção de que Bergman era inabalável no modo como conseguia ir muito longe nas tensões emocionais entre as suas personagens.

Algo que, hoje em dia, Lars von Trier, por exemplo, se tentou aproximar. Mas desembocando, muitas vezes, no atalho da misoginia e da violência exacerbada. Não, Bergman é mais subreptício. E por isso ainda mais esmagador
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A falta de tempo gera tempo de mudança








AVAREZA.
«Só faço isto porque me estou a divertir. No dia em que deixar de me divertir, afasto-me.» HEATH LEDGER


O tempo é um bem escasso, que nos cria a ilusão de o podermos domesticar mas que é inexorável. É um lugar comum dizer que os bons momentos passam num ápice, enquanto que aquilo que nos complica a vida parece que demora tormentosas horas mesmo que o ponteiro dos minutos de um relógio apenas se desloque uma ou duas vezes...

Nas últimas semanas, o tempo tem parecido curto para o lazer, que, no meu caso, significa dedicação ao cinema, a arte que se inscreve no ócio, mas que funciona como um verdadeiro «ginásio» para o olhar, tal é a forma como o exercita. Neste período em que me dediquei ao trabalho, à família e a mim mesmo, o mundo do cinema parece frenético.

São as nomeações para os Óscares que ainda não consegui avaliar com clareza, a greve dos argumentistas de Hollywood que comprometeram a cerimónia dos Globos de Ouro, as estreias em catadupa nas salas nacionais, que me fazem sentir perdido e desactualizado.

Já perdi as últimas obras de Cronenberg, Zemeckis, a reposição de Douglas Sirk, há estreias em DVD de assinalar a cada dia que passa... a televisão digital a querer marcar novos pontos.

Pelo meio li o livro «Cinema Now», da Taschen, que ainda não consegui partilhar, fui ver «Jogos de Poder» de Mike Nichols, encontrei novas pechinchas em lojas de segunda mão e vi no meu novo «grande ecrã caseiro» obras que queria ter dado outra atenção: seja «O Silêncio», de Bergman, «Sob Suspeita», de Stephen Hopkins, ou «Tempos Modernos» (mais uma vez...) de Chaplin. O tempo fustiga, some-se há medida que a idade se torna mais confortável, e passa.

O SIN CINEMA tinha uma estrutura que se estava a revelar difícil de suportar para quem quer apenas, de vez em quando, criar «dois dedos de cinema», perdão, de conversa, para quem insiste em visitar este modesto espaço.

Por isso, surgiu uma hipótese de novo ajuste. Ligeiro, mas preferencialmente mais instintivo e reflectido. A nota que me fizeram por uma «gaffe» motivada pelo discurso em piloto automático a propósito de «A Vida dos Outros» fez-me pensar que escrever sobre cinema não se pode fazer sempre de fugida, em dois minutos de pausa de outra tarefa rotineira.

O cinema precisa de tempo. E é por tentar dominá-lo de um outro modo, que o SIN CINEMA vai procurar ser mais reflectido e aproximar-se da sua noção de blog. Enquanto espaço pessoal, de reflexão ou simplesmente de colocar as palavras ao sabor do que se sente. No espaço destes dias de ausência, foi também tempo de perda. A perda que mais incomoda, que é a de quem parecia estar ainda verde no seu território.

Os desaparecimentos de Brad Renfro e Heath Ledger demonstram a perversidade do cinema: as imagens expostas no ecrã são sempre simulacros, encenações nas quais se escondem pessoas que, no fundo, têm problemas da vida real
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O cinema pode ter ficado um pouco mais pobre. Mas, acima de tudo, estes dois precoces desaparecimentos comprovam que os actores não terminam nas personagens às quais imediatamente lhes associamos os rostos e o carisma. Ou talvez o choque destas mortes resida principalmente nessa eterna ilusão.

16 de janeiro de 2008

NA SALA ESCURA: Woody em águas turvas







INVEJA.
«O meu único arrependimento em vida é não ter sido outra pessoa.» WOODY ALLEN

A tradição mantém-se: novo ano, novo filme de Woody Allen. O que é certo é que a crítica parece dividida quanto ao termo do tríptico britânico do realizador que partilhou a mesma sala com o presidente da ASAE na noite de fim de ano.

O SONHO DE CASSANDRA é um novo passo melancólico e negro na carreira do cineasta nova-iorquino e a comparação inevitável com «Match Point» tem prejudicado a aceitação deste teste perverso às relações familiares
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Sim, é certo que o filme não é um prodígio para quem está à espera de ver o estilo neurótico do realizador mas o seu tom incaracterístico face à restante obra não é obrigatoriamente mau. Na verdade, com O SONHO DE CASSANDRA, Woody confirma-se como um bom director de actores e hábil arquitecto de emoções e desenhador de perfis ambíguos.

Os irmãos vividos por Ewan McGregor e Colin Farrell batem certo no seu antagonismo, um roçando a inteligência para fins pouco ambicionáveis (ou, pelo menos, eticamente condenáveis), o outro vivendo a pureza da ignorância e apoiando-se na muleta forte da intuição.

Há, de facto, um certo esforço para acreditar na verosimilhança de uma história dilacerante que caminha a passos largos para o abismo, mas é a procura pelo lado cénico da tragédia - que ganha dimensão por envolver laços de sangue - que dá novo fôlego a este filme para já incompreendido.

Dois irmãos à deriva é também a busca pela tábua de salvação através do humor... negro inevitavelmente. E para quem duvida que Woody Allen deixe a sua marca neste filme, basta recordar o encontro entre os dois irmãos no bar com o homem que lhes vai mudar o rumo. Inesperado e inolvidavelmente cómico, esse instante é puro Allen!


O SONHO DE CASSANDRA
De Woody Allen (2007)
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Regresso de Woody Allen às turbulências do comportamento humano, com Ewan McGregor e Colin Farrell em dois desempenhos dúplices. Irmãos unidos pelo pecado de quererem manter-se unidos. Bonito relato trágico de Allen, só perde quando comparado directamente com «Match Point». Mas não é nenhuma mancha negra no currículo. O cineasta continua são e mais sarcástico do que nunca!

5 de janeiro de 2008

Vida de emigrante mal promovida








PREGUIÇA.
«Há uma generosidade comovente nos portugueses emigrantes que não se encontra em Portugal. Há um desejo vital de dar e comunicar para estabelecer uma relação negada que nunca se vê em Portugal, onde o medo se revela só na boçalidade arrogante.» JOÃO CANIJO na nota de intenções de GANHAR A VIDA

É verdade que as poses insinuantes e os joguinhos de palavrões de Soraia Chaves em «Call Girl» obnubilam o que quer que se passe no cinema nacional nos próximos tempos. Esta semana soubemos que o filme de António-Pedro Vasconcelos foi visto por 60 mil espectadores apenas na primeira semana e é de esperar que venha a bater recordes de público.

Tudo bem, nada de novo: o português gosta de alegrar a vista, ainda para mais ilustrada por uma história à maneira de Vasconcelos, incapaz de fazer um mau filme (embora, neste caso particular, pareça ter cedido em demasia às leis do «marketing»). E para dizer o quê? Que nestes dias está a decorrer no Cinema São Jorge um interessante ciclo sobre emigração portuguesa, sempre de entrada gratuita.

E por que é que ninguém fala disso? Talvez porque a cultura goste de estar centrada em pequenos nichos ou porque o tema é sempre cilindrado perante uma Soraia Chaves de chicote na mão. O ciclo «Emigração Portuguesa» é organizado pelo Museu da Presidência da República.

As obras a exibir são maioritariamente portuguesas, com destaque para o olhar amargo de João Canijo em GANHAR A VIDA (para ver este domingo, às 22h00).

Mais sugestões? Na segunda passa pelas 19h00 «Os Devolvidos», de Jorge Paixão da Costa, e na terça há «Mudar de Vida», de Paulo Rocha, também às 22h00.

OS MEUS POSTERS: Spider

























GULA.
O filme envolve-nos numa teia «freudiana» em que Ralph Fiennes luta com a sua consciência, presa à infância. O melhor de tudo? Recebi o DVD de SPIDER, de Cronenberg, ao comprar a edição de Janeiro da «Volta ao Mundo». A oferta é, desde já, «a pechincha de 2008».

Viver com a morte às costas








AVAREZA.
«Não me importo de te dizer, Pierrepoint... Acho que não existe ninguém melhor neste país do que tu.» GOVERNADOR PATON-WALSH (Robin Soans)

Os dramas passados nos corredores da morte, independentemente das convicções do espectador, há muito que possibilitam experiências intensas no cinema: entre os exemplos mais recentes, basta recordar o cântico sofrido e extremo de Björk, em «Dancer in the Dark», ou a visão moralista que Frank Darabont fez de duas obras de Stephen King, «Os Condenados de Shawshank» e «À Espera de Um Milagre».

A novidade que a produção britânica PIERREPOINT - O ÚLTIMO CARRASCO comporta, é que, ao contrário da maioria das obras cujo foco vai para os condenados à pena capital (e consequentes repercussões melodramáticas), se centra na figura do executante, o mais famoso da Grã-Bretanha, antes do país ter abolido este tipo de pena.

Em jeito de biopic minimalista e emocional, esta produção de luxo, que se estreou directamente no formato DVD, possui o seu pulsar na duplicidade da profissão que o protagonista, Albert Pierrepoint (soberbo Timothy Spall), escolheu e na qual decidiu ser o mais eficaz de todos no seu ramo.

Por um lado, é exímio no cumprimento das penas por enforcamento, num período em que se vive o temor da Segunda Guerra Mundial, por outro é um homem pacífico, que deixa o ofício de lado assim que entra em casa e recebe conforto nos braços da esposa (Juliet Stevenson).

Segundo os manuais de História, Pierrepoint foi o mais prolífico carrasco do século XX – com cerca de 600 enforcamentos no currículo entre as décadas de 30 e 50 – tendo batido recordes de execuções em escassos dez segundos.

Odiado por uns e adorado por outros, era, acima de tudo, uma pessoa que relativizava as repercussões morais da sua acção e um funcionário público exemplar.

No momento em que a Grã-Bretanha optou pela abolição da pena capital, foi inclusivamente uma das vozes mais defensoras da medida. E é nesta divergência de fronteiras valorativas que o realizador Adrian Shergold (veterano na produção televisiva inglesa) constrói uma sólida proposta de percurso biográfico de uma personagem que se encontra nos limites da racionalidade jurídica.

Mais do que traçar juízos de valor, PIERREPOINT - O ÚLTIMO CARRASCO é um filme bem conseguido pelo modo como demonstra a ambiguidade da personagem que lhe dá nome. Ao filmar as execuções segundo ângulos diferentes (e em função do rumo da acção), Shergold consegue ilustrar a rotina de Pierrepoint com sensibilidade – o carinho com que o protagonista trata os cadáveres após a execução é disso exemplo, por seguir à risca o princípio desta figura que defendia que, depois da morte, os criminosos voltavam a ser inocentes.

Nesta obra histórica, cujo único extra em DVD é o trailer, o destaque vai ainda para as interpretações do par protagonista, com especial referência para Timothy Spall, um rosto carregado para uma vida forçada a ter a morte “às costas”.

Ao seguir todas as regras do biopic, esta produção ajuda ainda a mostrar por que razão os casos verídicos no cinema são sempre um terreno fértil em matéria de prémios: a vida real, por vezes, supera as ambições dramáticas da ficção.

4 de janeiro de 2008

O QUE AÍ VEM... Righteous Kill








SOBERBA.
«O talento está nas escolhas.» ROBERT DE NIRO

Para quem ainda hoje suspira ao recordar-se do breve encontro entre De Niro e Pacino, nos dois lados da Lei, em «Heat - Cidade Sob Pressão», é confortante saber que os dois (ainda) mais prestigiados actores da sua geração vão voltar a partilhar o ecrã, já com os cabelos grisalhos e o ar de quem já viveu muito.

RIGHTEOUS KILL volta a aproximar os veteranos das intrigas policiais, mas agora são os dois agentes da polícia que se unem na perseguição de um assassino
em série, especialista em escrever poemas sobre os crimes acabados de cometer.

O que é certo é que a realização está a cargo de Jon Avnet, que deu mais cartas enquanto produtor do que realizador na última década, mas pode ser que a versatilidade dos dois actores torne este o encontro merecido de quem domina as leis do bom cinema como ninguém. A espera faz-se até à Primavera...

3 de janeiro de 2008

CINEFILIA: As cinco promessas de Janeiro







SOBERBA. 2008 não foge à regra: em período de pré-temporada de Óscares, as estreias de autor vão abundar nas próximas semanas e começam já hoje com a chegada de «O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford» ou a sátira de Mike Nichols «Jogos de Poder». Mas há que fazer escolhas, porque o dinheiro na carteira pode não chegar e... tempo também é dinheiro. Aqui ficam cinco boas sugestões:

- O ASSASSÍNIO DE JESSE JAMES PELO COBARDE ROBERT FORD: O filme parecia emperrado - categoria que costuma assentar como uma luva aos potenciais fiascos - mas o resultado parece ser melhor do que o esperado. Como actor e produtor, Brad Pitt quer mostrar a figura de Jesse James para lá da lenda. A fotografia promete evidenciar a dimensão crepuscular da história.

- O SONHO DE CASSANDRA: Um novo filme de Woody Allen é tão obrigatório e certo no início de um novo ano que temos de aplaudir a regra, enquanto o cineasta não se cansa. Ewan McGregor e Colin Farrell são dois irmãos que andam às turras por causa de uma mulher. Parece que é mais sério do que «Scoop» mas menos negro do que o excelente «Match Point».

- 4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS: Finalmente a mais recente Palma D'Ouro de Cannes estreia-se nas salas nacionais. O filme romeno foi a surpresa de 2007 e promete um olhar sentido sobre um cenário de guerra. Diz-se que é tocante e tem a marca do bom cinema.

- EXPIAÇÃO: Tem sido o mais falado em matéria de liderança de nomeações nos próximos Óscares. E o que é que tem? Um novo encontro entre a actriz Keira Knightley e o realizador Joe Wright, depois da boa experiência de «Orgulho e Preconceito». Esperemos que não seja o convencional dramalhão romântico em tempo de aparências...

- SWEENEY TODD: O TERRÍVEL BARBEIRO DE FLEET STREET: Sim, é o regresso de Tim Burton. Sim, é muito negro. Sim, traz de volta Johnny Depp em mais uma divertida composição. Sim, parte do musical bizarro e sádico de Stephen Sondheim. Acho que chega para aguçar o apetite.

QUIZ: A que filme pertence esta imagem?










A
entrada em vigor da nova Lei do Tabaco neste novo ano está a gerar discórdias. Provavelmente, porque não há mais notícias de relevo. O que é certo é que o tema mexe com hábitos. E até no cinema há pressões de produtores que querem abolir o cigarro. Ironicamente fotogénico, o fumo ainda se consegue encontrar em alguns filmes, como este. De qual se trata?

Solução do QUIZ anterior: Cena de O CASTELO ANDANTE.

Os heróis deviam morrer de pé







INVEJA.
«Não vou a lado nenhum. Estou a morrer e quero morrer aqui mesmo.» JOHN BERNARD BOOKS (John Wayne)

Os heróis deveriam morrer de pé. Ou pelo menos com a dignidade merecida. Tendo em conta a sua dimensão no cinema clássico, John Wayne teve essa oportunidade, graças ao final simbólico que conheceu no seu derradeiro filme, O ATIRADOR. Vi-o pela primeira vez há poucos dias e acho que foi a homenagem merecida para que o eterno «cowboy» se despedisse do cinema-espectáculo pela porta grande.

Já pesado, de rugas salientes, cabelo grisalho e a agilidade a conhecer as suas primeiras hesitações, John Bernard Books é um veterano que se confunde com o próprio John Wayne
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Vítima de um cancro galopante, escolhe a pacífica Carson City para morrer. Antes, recebe o diagnóstico pela sapiência do Dr. Hostetler (interpretado por outro actor de primeira água, um James Stewart de olhar cansado) e tenta encontrar consolo no lar de uma viúva (excelente Lauren Bacall) e passar a sua experiência de vida a um jovem (vivido pelo agora realizador Ron Howard).

É este o cenário de O ATIRADOR, ou as premissas perfeitas para o anti-herói ir de encontro ao seu destino. Previsível, ele emerge em toda a sua grandiosidade, num duelo final em que Books consegue honrar a sua longa experiência, mais sabido do que uma velha raposa, embora cansado por um corpo que o acaba por trair.

As coisas assim fazem sentido e apraz-me ter descoberto O ATIRADOR ainda em 2007, quando se assinalou o centenário do veterano do Oeste. Nascido no estado do Iowa, filho de um farmacêutico, John Wayne entrou para o cinema na década de 30, revolucionando o western com a sua pose de justiceiro duro mas profundamente humanista.

Aos 100 anos, é bom recordar a sua alta estatura, o olhar semicerrado, a voz grave, a pose viril e o sentido de missão que marcaram grande parte de mais dos seus 150 filmes. Marion Michael Morrison, o seu nome de nascimento, nunca se considerou um grande actor e disse, em diversas ocasiões, que nos filmes se limitava «a fazer de si mesmo».

Apesar disso, chegou a receber um Óscar de Melhor Actor por «Velha Raposa», em 1961. A sua entrada para a lista de lendas de Hollywood deve-se em grande parte à cumplicidade artística com o realizador John Ford, com quem colaborou mais de uma dezena de vezes.

Sobre o western, o género que lhe deu reconhecimento, Wayne considerava ser «o mais próximo da arte em relação a qualquer outro no negócio do cinema». Palavras sábias!

1 de janeiro de 2008

OS SETE PECADOS DE... 2007









Fim de ano sem balanços não é a mesma coisa e, já sob pena de ir um pouco atrasado, aqui ficam os sete melhores pecados de 2007, por ordem de relevância. Se quiséssemos completar o «top 10», teria ainda de incluir, na 8ª posição, o português «O Capacete Dourado», em 9º «Ultimato» e, por fim, «À Prova de Morte» de Quentin Tarantino.


GULA. Já se sabe que a Pixar não tem concorrentes à altura no que à animação de prestígio diz respeito. Com um terceiro Shrek já algo estafado, o ano dos desenhos animados (e mesmo da imagem real) foi de RATATUI, talvez a melhor combinação dos últimos anos de animação de ponta com uma história irresistivelmente inventiva.

LUXÚRIA. O cinema francês voltou a transcender-se nesta nova e muito sensível adaptação do clássico de D. H. Lawrence, «O Amante de Lady Chatterley». Discreto e muito belo, LADY CHATTERLEY é ainda um sincero hino ao amor. Carnal, acima de tudo.

AVAREZA. Como desmistificar os «telhados de vidro» da classe média norte-americana? Numa espécie de anti-«Donas de Casa Desesperadas», o realizador Todd Field voltou a reincidir no melodrama para contar como Kate Winslet se envolve com Patrick Wilson. Porém, PECADOS ÍNTIMOS tem a habilidade de ir mais longe e de segredar-nos ao ouvido ruidosas incongruências de vidinhas à beira do colapso.

IRA. Que Jodie Foster é arrebatadora quando quer já o sabíamos desde «Taxi Driver». Que o volta a ser em A ESTRANHA EM MIM, também não há dúvidas quando se contempla a sua assombrosa interpretação. Além disso, neste tratado sobre os limites da violência, Neil Jordan tem o mérito de o filmar com a densidade que precisava.

INVEJA. Passou discreto nas salas de cinema mas deixou marcas: AS VIDAS DOS OUTROS, Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, é um importante filme humano sobre como regimes políticos perseguiram artistas, mas também moldaram consciências e humanizaram egos embrenhados em ideologias vigilantes. Um grande melodrama, vindo da Alemanha e que recorda quando o país estava dividido em dois.

SOBERBA. Uma perseguição em torno de um assassino em série que se torna obsessão. Não, não é «Sete Pecados Mortais», embora tenha representado o regresso em grande de David Fincher. Baseado em factos reais, ZODIAC conseguiu mostrar que as obras em torno de um crime podem ser mais cerebrais do que de mera acção.

PREGUIÇA. Para quem quis ir ao cinema e encontrar mero divertimento de acção, THE HOST - A CRIATURA foi a proposta certa do ano. Da Coreia do Sul, esta inventiva obra sobre um monstro que assola os subterrâneos tem os ingredientes certos, descontrói as fragilidades de uma família modesta e... não tem medo de filmar o monstro de perto!

2007: «Top 10» dos melhores filmes
1) RATATUI
2) LADY CHATTERLEY
3) PECADOS ÍNTIMOS
4) A ESTRANHA EM MIM
5) AS VIDAS DOS OUTROS
6) ZODIAC
7) THE HOST: A CRIATURA
8) O CAPACETE DOURADO
9) ULTIMATO
10) À PROVA DE MORTE