13 de fevereiro de 2007

A mudança é quando uma criança quiser

AVAREZA. O país mudou (ou é suposto mudar, apesar do resultado do referendo de ontem não traduzir o que a maioria das pessoas pensa sobre o aborto, porque simplesmente mais de 50% do eleitorado preferiu abrigar-se da chuva ficando em casa...) e tremeu... O diário de referência do país também (apesar do novo formato do «Público» me fazer cócegas ao nariz e, a um primeiro olhar, estar mais parecido com os tablóides do que com a tradição de credibilidade que o acompanhou ao longo de 17 anos). O Sin Cinema também... pela quarta vez em seis meses de curta (e marginal) existência. Sinal da inconstância dos tempos... ou dificuldade em expor as potencialidades que a ideia subjacente a mais este blogue de cinema pode permitir. O cinema é um pecado, de facto. Que consome o olhar e o aprofunda, surpreende, assusta, desaponta e infantiliza. Sim, ver cinema é ser criança com os olhos. Descobrir um novo mundo pela primeira vez. Aceitar novas coordenadas de espaço/tempo e ser rico, pobre, criminoso, juíz, pirata, anão, rei, súbdito, milionário, sem-abrigo, homem, mulher, criança, animal... É como um jogo de imagens, que suspende o real e o transfigura por uma outra hipótese de real. É como colocar uma máscara por duas horas e deixarmo-nos ir. É por isso que o Sin Cinema mudou, mais uma vez: para transmitir em cada novo «post» as convulsões de quem gosta de se sentir criança diariamente com o cinema. Sem estruturas demasiado fixas, apenas uma vontade de associar o vício da sétima arte a um pecado. Ontem, cometi um pecado: um dos maiores de todos. Descobri OS QUATROCENTOS GOLPES, de François Truffaut. Deixei-me embalar por uma obra que nasceu pioneira, numa «nouvelle vague» ainda à espera de classificação. As deambulações de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) pela escola do conhecimento e da descoberta são verdadeiramente sublimes, transpostas para o ecrã com aquele dom confessional e «naïf» que só Truffaut conseguia transpor com a delicadeza de um alquimista. Depois... depois há aquela célebre sequência da centrifugação, onde se cria a belíssima metáfora da turbulência psicológica da adolescência a despontar, em completa rebeldia contra a ordem instalada. Sim, o cinema deve ser isso: querer turbulência e rebeldia, nem que seja por apenas duas horas.

2 comentários:

Rita disse...

a "joice" sente a tua falta. beijinhos

Ursdens disse...

"Os Quatrocentos Golpes" tem tanto de nouvelle vague como de neo-realismo. No entanto acho que não vale a pena classificá-lo, a não ser pelo epíteto de genial!

Boa descoberta! :D