3 de junho de 2010

THE END

O SIN CINEMA fica por aqui. Irá renascer num outro espaço e com um outro modelo em breve. Aos fiéis seguidores deste blogue, o meu obrigado. E o cinema continua...

23 de abril de 2010

NA SALA ESCURA: Os extremos da vingança

IRA. «A parte mais difícil não é tomar uma decisão. É viver com ela.» Jonas (Bruce McGill)

Os sentimentos inerentes à vingança são um manancial de ideias para um filme. Traduzir a dor e a angústia por imagens é sempre tão apelativo quanto a perversidade e o prazer de estar finalmente a ajustar contas.

Hollywood sabe disso e é por essa razão que a arte de fazer justiça é o cerne de um punhado de filmes todos os anos, assim como de séries televisivas em catadupa.

A proposta mais arrojada das últimas semanas neste campo chama-se UM CIDADÃO EXEMPLAR e é um trabalho bem executado que respira essencialmente dessa vontade acutilante de alguém se vingar. Só neste conceito está o confronto com a moralidade, o medo e um calculismo que alimenta o thriller, elevando-o para o território da quase demência.

Viver em função de um ajuste de contas pode ser difícil de sustentar por mais de hora e meia e este trabalho de F. Gary Gray ressente-se disso. Cai demasiadas vezes nas fórmulas do policial que se quer inteligente, mesmo quando esse esforço é em vão. Ninguém acredita na dose de maquiavelismo que sustenta a personagem de Gerard Butler, homem forçado a agir pelas próprias mãos, quando a Justiça não pune como deve os assassinos da sua mulher e filha pequena.

No fundo, o espectador está do lado do protagonista ao início, mas rapidamente se desprende quando percebe que as convicções do mesmo são apenas meras ilustrações artificiais de uma vingança que vai perdendo o sentido à medida que a acção avança e os planos do homem amargurado são tão imponderáveis quanto o caso Freeport ficar cabalmente esclarecido nos próximos seis meses.

Entre o filme de tribunal e o thriller de cortar a respiração, UM CIDADÃO EXEMPLAR consegue impor-se, ainda que à força e com a subtileza de um elefante numa loja de porcelanas. Elogia-se a entrega de Butler à sua personagem atormentada, o modo como a obra se desprende dos conceitos viciados de herói e vilão, além de que se tem de dar a mão à palmatória na conjugação de elementos que permitem pensar que um homem pode arruinar tudo à sua volta, mesmo encontrando-se preso numa apertada cela.

Pelo caminho, fica um contido Jamie Foxx como o promotor que tenta transmitir racionalidade neste jogo impróprio para cardíacos, ainda que seja um erro de casting. Afinal, de boas intenções está o inferno cheio e Butler engole Foxx desde os primeiros minutos. O filme é dele. E é ele que concentra os maiores méritos e defeitos deste trabalho musculado, que se deu muito bem nas bilheteira norte-americanas. A vingança pode ser uma obra de arte. Ainda que esta só se concretize no cinema.

UM CIDADÃO EXEMPLAR
De F. Gary Gray (2009)
* *
Depois da morte violenta da mulher e da filha, e quando os assassinos são indevidamente punidos, um homem amargurado demora dez anos a conceber um plano que prevê o fim de todos aqueles que estiveram de algum modo envolvidos na injustiça que lhe desfez o sentido da vida... É esta a premissa de mais um policial inventivo e forçado que o cinema norte-americano tanto gosta de explorar. É certo que testar os extremos da vingança impõe espectacularidade e assegura dramatismo em alguns papéis - Gerard Butler agarra muito bem a sua personagem -, mas também retira credibilidade e força o filme a entrar por caminhos hiperbólicos, que retiram coesão ao produto final. Um filme competente e dinâmico, mas apenas isso.

20 de abril de 2010

QUIZ: A que filme pertence esta imagem?

No anterior desafio houve quem tivesse acertado. Por isso, nada como complicar um pouco as coisas e ir a tempos mais remotos. Quem chega lá?

Solução do QUIZ anterior: Arma Mortífera 4

19 de abril de 2010

NA SALA ESCURA: Dois estilos animados

GULA. «Tudo o que sabemos a vosso respeito está errado.» HICCUP em Como Treinares o Teu Dragão

Já em diversas ocasiões reflecti sobre o estado da animação. Nunca esteve tão forte, imaginativa e tecnologicamente avançada. COMO TREINARES O TEU DRAGÃO, da Dreamworks, e A PRINCESA E O SAPO, da Disney, comprovam-no, ainda que o façam de formas diferentes.

Um sinal de que a indústria tem músculo para inventar, testar novas regras, mesmo que nestes dois casos vá buscar inspiração a modelos por diversas vezes testados, divertindo-se a invertê-los ou, simplesmente, a convocá-los.

O que têm em comum estas duas propostas? Foram êxitos consideráveis nas bilheteiras e são dois bons exemplos de que é possível encontrar um equilíbrio entre técnica e gestão dramática.

No caso de A PRINCESA E O SAPO, que se estreou no início do ano, o prodígio de revitalizar a animação clássica da Disney, optando pelo traço em vez do píxel, é de aplaudir, até porque o filme convoca grande parte do património animado dos estúdios, ainda num tempo pré-Pixar.

A história da princesa que é negra, sonhadora, pouco interessada em futilidades femininas, trabalhadora e modesta, representa também algum arrojo na construção das personagens que é digno de nota. Se não, veja-se: o príncipe é autoritário, preguiçoso e mulherengo em grande parte da acção; a princesa loura e vaidosa, é mimada até ao tutano e insuportável de aturar; os parceiros do par protagonista são animais pouco convencionais - um crocodilo trompetista e um pirilampo desdentado; além disso, os números musicais bebem muito mais do versátil jazz de Nova Orleães do que propriamente de baladas xaroposas.

Tudo excelentes opções, reflexo de uma produção que se quis actualizar sem, contudo, desdenhar das raízes da Disney.

Já COMO TREINARES O TEU DRAGÃO comprova que a Dreamworks continua a fazer sombra à Disney, para lá da saga 'Shrek'. Depois de uma série de tentativas mais divertidas do que profundas, consegue-se aqui também animar os adultos, tal como as crianças.

Esta viagem pelo tempo dos vikings não tem tempos mortos e inverte o imaginário do dragão assustador, cuspidor de fogo. A fábula é carregada de boas intenções, mas tudo é exposto na altura certa, dando espaço às personagens para se desenvolverem.

O 3D utilizado mostra que a técnica está-se a impor com uma rapidez impressionante. Ainda assim, COMO TREINARES O TEU DRAGÃO tira partido dela sem se centrar nela. É um filme que vale por si, com muitos mais méritos do que fraquezas.

Em suma: a animação está bem e recomenda-se. Para gáudio do público e dos bolsos dos produtores de cinema.

COMO TREINARES O TEU DRAGÃO
De Dean DeBlois e Chris Sanders (2010)
* * * *
O imaginário dos vikings foi uma ideia de génio para articular tudo com as criaturas aladas que, à primeira vista, são ameaçadoras, mas que escondem muitos segredos, que um jovem desarticulado com a sua comunidade vai aprender a respeitar. Além de uma óptima animação 3D, este delicioso filme comprova que a Dreamworks consegue quase alcançar o nível máximo dos estúdios Pixar. É caloroso e muito divertido. Está a arrasar as bilheteiras de todo o mundo! Por isso, não deve tardar a sequela...

A PRINCESA E O SAPO
De Ron Clements e John Musker (2009)
* * * *
Quem viu 'O Rei Leão', 'A Pequena Sereia' ou 'A Bela e o Monstro' consegue matar saudadas com este conto de fadas com mais reviravoltas do que é suposto. Divertido e bem construído, este filme tem aura de clássico, embora a sua dinâmica seja moderna. Com óptima animação e música de Nova Orleães, A PRINCESA E O SAPO é um caso raro de bom gosto. Que deve ser desfrutado em família. Foi nomeado para três Óscares - Melhor Filme de Animação e Melhor Canção Original, com os temas 'Almost There' e 'Down in New Orleans'.

11 de abril de 2010

CINEFILIA: As cinco promessas de Abril

SOBERBA. Abril é um mês de impasse: as estreias mais fortes pré-Óscares já por nós passaram e aguardam-se as grandes apostas para o Verão cinematográfico.

É algo que explica a míngua de bons filmes, ausência de projectos de autor ou algo de realmente interessante. Por isso, nada como seleccionar bem o que se pode ver ou aproveitar para apanhar ainda em sala os projectos que escaparam nos primeiros meses do ano, período de verdadeira overdose de estreias.

- GREEN ZONE - COMBATE PELA VERDADE: Arrisca-se a ser o filme de acção mais sólido da temporada e uma das últimas investidas de Matt Damon como herói de alta voltagem - o actor já afirmou estar cansado de correrias... Ainda assim, há elogios por toda a parte a este trabalho que une o actor a Paul Greengrass, responsáveis por grande parte do êxito da trilogia de Jason Bourne. Damon é um sargento no terreno vulnerável do Iraque, que procura armas de destruição maciça enquanto se apercebe de uma conspiração...

- PÁRE, ESCUTE, OLHE: É bom perceber que apesar de nunca ter estado tão em baixo, o cinema português vai resistindo. Quando se sabe que o documentário tem força e público por cá (os números de cada edição do DocLisboa comprovam-no), chega às salas este documentário de Jorge Pelicano sobre as memórias dos transmontanos da centenária linha ferroviária do Tua, entre Bragança e Mirandela. Portugal questiona as suas gentes.

- HOMEM DE FERRO 2: É a obra-pipoca do mês que surge com expectativas em alta devido ao bom resultado do primeiro filme. É certo que as sequelas deixam quase sempre um amargo de boca, mas aqui, além de Robert Downey Jr. há outros factores de interesse, nomeadamente ao nível do elenco renovado. Por aqui passarão Samuel L. Jackson, Don Cheadle e ainda as muito aguardadas presenças de Scarlett Johansson e Mickey Rourke.

- 9: A animação lembra os trabalhos mais engenhosos de Tim Burton, mas o que se sabe é que o filme desapontou nas bilheteiras norte-americanas. É um retrato de um mundo pós-apocalíptico sem o tom adocicado de 'Wall-E'. O protagonista é um pequeno boneco de sarapilheira que decide perceber por que razão as máquinas dominam o planeta.

- O TEMPO QUE RESTA: Produção britânica de Elia Suleiman, que opta aqui pelo retrato semi-biográfico. Do mesmo realizador israelita que causou surpresa com 'Intervenção Divina', eis uma produção dividida em quatro episódios sobre uma família, desde 1948 até à actualidade. Uma tentativa de mostrar os palestinianos que foram chamados de "israelo-árabes". Vivendo numa espécie de campo minado no seu próprio país.

6 de abril de 2010

OS SETE PECADOS DE... Março 2010

LUXÚRIA. É um clássico daqueles... mesmo que só agora se tenha descoberto. Ver Ingrid Bergman a enlouquecer numa terra áspera, permanentemente ameaçada por um vulcão, na Itália profunda, é o trunfo de Roberto Rossellini em STROMBOLI. A personagem feminina chega ao ponto de trair o marido, numa gruta, com um pescador que lhe promete aliviá-la do pesadelo. Nada mais errado, porque aqui o caminho é mesmo para o precipício...

PREGUIÇA. É bom ver que a revista portuguesa 'Premiere' percebeu que precisa de se renovar para fazer a diferença. Com um novo naipe de nomes, textos mais incisivos e menos presos a sinopses desajustadas, além de fazer um esforço para apostar em exclusivos, a publicação tem a alma revigorada. Mas continuar a chegar às bancas com duas semanas de atraso face ao início do mês, é daqueles tiros no pé que vão custar caro... É assim que se quer conquistar leitores?!

GULA. A Valentim de Carvalho Multimédia teve uma boa ideia: pegar na obra de François Truffaut, já editada pela Costa do Castelo, e agrupá-la em dois packs de muito bom gosto e a um preço bem mais acessível: depois das aventuras de Antoine Doinel, acaba de chegar o conjunto 'O Amor e as Mulheres', que aglutina, nada mais nada menos, do que 'Jules e Jim', 'Angústia', 'As Duas Inglesas e o Continente', 'Uma Bela Rapariga', 'O Último Metro' e 'A Mulher do Lado'. Vale a pena.

IRA. Estou prestes a acabar de fazer uma colecção de cinema de guerra. Para lá de algumas desilusões (como a nova versão de 'Quatro Penas Brancas'), óptimas surpresas: o jogo de nervos de 'Submarino U-571' é um entretenimento a toda a prova, com óptima dinâmica e um excelente trabalho de Jonathan Mustow com a câmara... Até o canastrão Matthew McConaughey se sai bem. Mesmo que a tripulação real da história tenha sido britânica e não norte-americana como é mostrada no filme. Subtilezas típicas de Hollywood.

AVAREZA. A forma como o cinema Nimas, bem localizado em Lisboa, deixou de passar filmes e se dedica a espectáculos está mal explicada. Mais uma boa sala independente que desaparece da vida cultural lisboeta. Sem ai nem ui.

INVEJA. A animação já consegue ir a todo o lado. Quando ainda suspirávamos pela óptima passagem da Disney pela imagem tradicional de 'A Princesa e o Sapo', eis que nos chega 'Como Treinares o Teu Dragão', da Dreamworks, a aliar uma boa história ao cada vez mais omnipresente 3D. Já não há limites!

SOBERBA. Os livros de Ian Fleming sobre 007 acabam de ser relançados em edições muito bem feitas, com capas sugestivas - graças a estilizadas representações das 'Bond Girls'. O difícil vai ser resistir...

5 de abril de 2010

NA SALA ESCURA: O vício em John Travolta

IRA. «Oh! Que se lixe o futuro!» TONY MANERO (John Travolta)

O IndieLisboa, que está prestes a voltar para mais uma edição, tem muitos méritos. O maior talvez seja a possibilidade de fazer chegar aos ecrãs nacionais projectos autorais, de dimensão menor, que de outra forma ficariam esquecidos no contexto cultural dos seus países de produção. Pois bem, TONY MANERO pode chegar com dois anos de atraso aos cinemas, mas ainda bem que o faz em nome do cinema multicultural, diverso, independente.

Estamos no Chile nos finais dos anos 70, com o regime de Pinochet a desintegrar um país sem raízes culturais, desfeito no espartilho político que corrompe a consciência, nas encruzilhadas da desigualdade social. No meio da crise, o cinema pode surgir como escape, ainda que depois sirva para ilustrar o comportamento erróneo de uma personagem que vive à margem.

É assim que nos é apresentado Raul Peralta (soberbo Alfredo Castro), um homem que mora nos subúrbios e que tem uma estranha obsessão: a figura de Tony Manero, personagem icónica de John Travolta em 'Saturday Night Fever'. O seu sonho é copiar-lhe os movimentos, a roupa branca com calças coladas ao corpo e deixar-se levar pela aura funky, ou melhor, disco sound.

À volta desta paixão tudo rui. Há uma rotina centrada numa pequena pensão, feita de personagens tristes que se deixam levar pela música de Raul. Mas este não é um modelo a seguir: além da sua obsessão em Tony, há também uma obscura veia de 'serial killer', que Raul demonstra nas mais inusitadas situações.

TONY MANERO é, por isso, um retrato dúplice de uma realidade chilena bem documentada, assente em personagens profundas e estranhas. O mérito do filme, de imagem granulosa, cores esbatidas e planos cortantes para evidenciar a deambulação do protagonista, é precisamente a figura construída por Alfredo Castro, dividida entre o sonho do disco sound e o pesadelo da morte que lhe corrói a acção.

Realizado em 2008, o projecto é um dos mais interessantes e díspares retratos sul-americanos que nos chegou nos últimos tempos. É bom descobrir este trabalho de Pablo Larraín, um autor preocupado em mostrar figuras humanas até na sua mais insondável inconstância.

TONY MANERO
De Pablo Larraín (2008)
* * *
Chile não é dos países cujo cinema seja mais conhecido por cá, mas há uma nova vaga que merece ser respeitada e discutida. Este trabalho de Pablo Larraín combina drama político, com thriller arrepiante e musical ilustrado pelas bolas de espelhos das discotecas. Apesar de haver alguma dificuldade em lidar com os espaços entre as cenas, o filme é um interessante retrato de personagens desavindas, com particular destaque para a entrega de Alfredo Castro ao seu Raúl, que sonha em ser John Travolta. Daí ao abismo é um curto passo...

29 de março de 2010

OS MEUS POSTERS: Águia das Estepes






































AVAREZA. Akira Kurosawa nasceu há cem anos, o que leva a que as homenagens surjam aqui e ali, ainda que sem o impacto merecido. Por isso, nada como lembrar A ÁGUIA DAS ESTEPES, uma das suas muitas obras-primas. Esta é talvez a mais austera e com a mensagem mais forte, por enaltecer valores tão sólidos como a preserverança e a amizade, ainda que não de modo convencional. O relato da relação de sobreviência entre um militar czarista e um caçador asiático é cinema em estado puro. Ao confrontar a intempérie com a civilização, o filme cresce até às alturas dos maiores e aí fica, até à última cena.

22 de março de 2010

NA SALA ESCURA: Jogo de máscaras de Burton

GULA. "Existe um lugar. Como nenhum outro na Terra. Um lugar cheio de beleza, mistério e perigo! Alguns dizem que sobrevivem a ele..." Chapeleiro Louco (Johnny Depp)

Diz-se que era o projecto mais aguardado do ano, mesmo que só se esteja em Março, e percebe-se porquê: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS é o regresso a um clássico literário na memória colectiva, mas na apropriação única operada por um dos grandes génios da imagem: Tim Burton.

O que o filme consegue fazer com o património dúplice de Lewis Carroll é reactualizar os conceitos gráficos, renovar o sentido de aventura onírica e brincar com as coordenadas da imaginação. Mais do que um filme denso de conteúdo, ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS é mais um soberbo jogo de máscaras que o realizador de "Eduardo Mãos de Tesoura" esculpe com o dom que só ele tem.

A caracterização é de tal forma brilhante, que rapidamente o espectador esquece o virtuosismo do 3D e se deixa levar pelas peripécias de Alice, aqui uma jovem mais crescida do que o costume, numa espécie de sequela perante a fábula que figura na nossa mente.

Se a primeira parte da história tem um singelo tom vitoriano, assim que a protagonista segue o coelho apressado e cai no buraco que dá para "Under Land" e não "Wonderland" o assombro é imediato. Nada foi deixado ao acaso: cada sequência é recheada de cor, cada personagem é trabalhada ao detalhe, cada efeito especial é usado a favor de uma história singular e quase hermética.

Se não fosse Tim Burton a dirigir esta versão, só David Lynch lhe poderia fazer frente. Neste caso, se há algo que pode deixar um amargo de boca é mesmo a incapacidade por ir no lado mais profundo da história ou numa certa condescendência de Burton nas exigências da Disney para travar o tom gótico que o cineasta tanto aprecia.

Ainda assim o que fica? Um sincero filme para toda a família e uma experiência visual para mais tarde recordar.

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
De Tim Burton (2010)
* * * *
A cumplicidade com Johnny Depp está lá, pela sétima vez, intacta; o tom onírico trabalhado também; as caricaturas fortes permanecem; e o sentido de fantasia visual também. Tim Burton volta a acertar naquele que é já o maior sucesso da sua carreira. É merecido. Apesar de algo superficial na composição de uma história fluída, o filme é um doce. Uma jornada por um espaço que parece uma gigantesca tela, um testemunho fiel à escrita de Lewis Carroll. O cinema de massas só sai a ganhar.

18 de março de 2010

O QUE AÍ VEM... Inception

SOBERBA. «O filme lida basicamente com diversos níveis de realidade e de percepções da realidade, algo que é do meu interesse.» CHRISTOPHER NOLAN

Entre colaborações frutíferas com Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio escolhe projectos a dedo, com realizadores de prestígio, para se afirmar cada vez mais como um dos melhores actores da sua geração.

Quando nos cinema ainda nos envolve com a duplicidade de 'Shutter Island', há já um novo filme em marcha, desta vez centrado no cinema de acção futurista: INCEPTION, que, segundo consta, terá o título em português "A Origem", é não só o regresso de DiCaprio, como também do realizador Christopher Nolan, que está nos píncaros devido à sua nova visão da célebre personagem 'Batman'.

Agora, e apesar dos valores de produção envolvidos, Nolan parece querer voltar a premissas mais complexas e interrogadoras, à semelhança da sua carreira inicial - "Memento" ainda é das melhores coisas que o cinema norte-americano nos deu na viragem dos séculos...

Num misto de 'Relatório Minoritário', 'Cubo' ou 'A Cela', a história deste novo filme que nos chegará pelo Verão assenta na ideia de que tudo pode acontecer dentro da arquitectura da mente. O mote? "Num mundo onde a tecnologia existe para entrar na mente humana através da invasão de sonhos, uma só ideia pode ser a mais perigosa arma ou a mais valiosa."

Sabe-se ainda que DiCaprio será Cobb, um especialista em tecnologia que vem acompanhado de uma equipa - os excelentes Ellen Page, Joseph Gordon-Levitt e Tom Hardy. Chega? Não, não chega. Há ainda os contributos Ken Watanabe, Marion Cotillard, Michael Caine, Lukas Haas e até de Tom Berenger.

Com um colossal orçamento de 200 milhões de dólares, INCEPTION pode ser o grande triunfador do Verão cinematográfico norte-americano. Espera-se é que não se perca no seu próprio labirinto narrativo...

13 de março de 2010

NA SALA ESCURA: Duas faces do melodrama

AVAREZA. «Não me mintas! O amor não quer nada comigo. Manda-me abaixo. O amor viola-me. Faz-me sentir que não valho nada.» PRECIOUS (Gabourey Sidibe)

A ideia da Academia de recuperar a velhinha tradição de ter dez nomeados para o Óscar de Melhor Filme pode ter soado a marketing, mas o que é certo é que se pôde ver filmes na linha da frente, que de outra forma nunca lá chegariam, não por falta de mérito próprio, mas pelas próprias noções inculcadas nos membros que escolhem os nomeados.

Apesar disso, tanto PRECIOUS como NAS NUVENS constariam certamente do leque de melhores filmes se a categoria se mantivesse só com cinco nomeados. A força dramática que os define, bem como o esforço para repensar o melodrama tornam ambos em excelentes exercícios do novo cinema norte-americano, mais próximo da matriz independente do que as fórmulas já gastas do típico blockbuster.

Comecemos pelo primeiro: trata-se de uma adaptação de um romance literário sofrido, uma história profundamente dramática, facilmente capaz de entrar no campo do sofrimento enjoativo. Pois bem: Lee Daniels conseguiu o frágil equilíbrio de traduzir as palavras amargas de Sapphire num belo conto triste.

A protagonista tem o mundo inteiro contra ela: obesa desmesurada, infeliz, analfabeta e com um filho deficiente resultante de uma violação do seu pai, a protagonista tem ainda de lidar com uma nova gravidez indesejada e com os tormentos físicos e psicológicos de uma mãe em estado de combustão permanente (interpretada magistralmente por Mo'Nique, justamente vencedora do Óscar de Melhor Actriz Secundária).

Mas quando se cai no fundo do poço só resta começar a tentar subir e é pelas palavras - a almejada poesia! - que Precious encontra algum conforto. Nisso e nos amigos. Seja a professora que lhe alimenta os sonhos, a um enfermeiro que a ajuda no parto, nas colegas de carteira ou numa funcionária da Segurança Social que quer descobrir o lado negro da personagem principal.

Além de uma contenção dramática impressionante, PRECIOUS reclama para si as linhas com que se cose o drama urbano, familiar e pessoal. Suportado por diálogos crus e bastante dolorosos, o filme tem uma estética bem conseguida, planos assombrosos e uma dinâmica autoral. É um filme com méritos próprios, que cresceu essencialmente do boca a boca.

Já NAS NUVENS, de Jason Reitman, pretende aproximar a comédia romântica com uma reflexão de contornos levemente dramáticos sobre os tempos modernos.

Numa época em que o trabalho já não é para sempre, o medo do despedimento serve de base para se conhecer a figura de fato aprumado e mala omnipresente na mão vivida por George Clooney. O seu trabalho é, precisamente, dar conta do fim do trabalho dos outros. Para tal, existe uma táctica discursiva que o protagonista domina como poucos. E uma vida passada em aeroportos.

É assim que se repensa a globalização, o pertencer a todo o lado e a lado nenhum. Tudo com a leveza das grandes histórias e simplicidade. Além de se questionar as relações humanas, questiona-se a noção de que viver sozinho é mais seguro do que acompanhado. Mas, por mais racional que se seja, o coração ainda consegue pregar partidas... Se Clooney é mais profundo do que a norma, Vera Farmiga e Anna Kendrick são o contraponto desejado. Em suma: um grande filme que aposta tudo na simplicidade. Outro equilíbrio difícil de alcançar. O melodrama está vivo, renovado e... recomenda-se.

PRECIOUS
De Lee Daniels (2009)
* * * *
Um minúsculo projecto produzido por Oprah Winfrey cresceu desmesuradamente e ainda bem. Baseado em factos reais, o filme é intenso, realista, profundo e cruel. Como cruéis são algumas vidas desavindas. O belo retrato humano deve muito à câmara de Lee Daniels, mas também a excelentes desempenhos: desde a estreante Gabourey Sidibe à monstruosa Mo'Nique, passando pelas breves presenças de Paula Patton e Mariah Carey. No fundo, é o que de melhor "um caso da vida" pode ser.


NAS NUVENS
De Jason Reitman (2009)
* * * *
O cinema de Jason Reitman já tinha impressionado com o simpático "Juno", mas aqui amadurece nas intenções e nos resultados. O homem que despede toda a gente e que gosta de viver sozinho, vai perceber que ainda pode ter surpresas afectivas. Tal como o espectador que aderir a este jogo de personagens muito bem elaborado. Cheio de boas ideias dramáticas e visuais, o filme tem ainda uma bela sequência inicial, com as vistas aéreas a assumirem um interessante lado expressionista e, por vezes, abstracto. A comédia quer-se inteligente assim!

12 de março de 2010

QUIZ: A que filme pertence esta imagem?

Chega o tempo do cinema de acção, até porque recentemente descobri um grande filme do género, "Busca Implacável", de Pierre Morel, com Liam Neeson a vingar-se de quem lhe raptou a filha. Este não é tão bom, mas entretém.

Solução do QUIZ anterior: Eram Todos Bons Rapazes, de Peter Berg (1998).

O MAIOR PECADO DE... Mariah Carey

PREGUIÇA. "Heroicamente mau." EMPIRE
Diz-se que há uma maldição quando um cantor decide enveredar pela carreira cinematográfica. É certo que Jennifer Lopez nunca foi grande espingarda, que Madonna é sofrível e muitas vezes má, que Whitney Houston foi xaroposa antes de se render às drogas, que 50 Cent não tem jeitinho nenhum, que Ice Cube falha muito mais do que acerta, que David Bowie não faz falta nenhuma a 'Terceiro Passo', que Jon Bon Jovi é um canastrão quando tenta fazer de herói romântico. Uff.... Até que chegamos a Mariah Carey e, na sua estreia desastrada como protagonista de GLITTER - O BRILHO DE UMA ESTRELA, temos um redondo falhanço.

Sabe-se que a estrela da voz poderosa e das acrobacias vocais, admiradora assumida das saias curtas mesmo quando as formas não o permitem, é uma grande rival de Eminem, mas devia ter aprendido alguma coisa com o seu ódio de estimação: a sua estreia em "8 Mile", quando tudo apontava para o fiasco, foi um interessante auto-retrato, sapientemente elaborado por um realizador com créditos firmados, como é Curtis Hanson.

Pois bem, esta espécie de musical orienta-se por clichés de drama romântico sem chama, sem diálogos que se aproveitem e com Mariah a disfarçar como pode a sua incapacidade para representar. Para complicar tudo, há uma estética alusiva aos anos 80 que não funciona, personagens fúteis, uma busca para encontrar uma mãe que nunca devia ser encontrada e uma infantilização de sentimentos que não se coaduna com a mulher que é aquela que mais discos vendeu em toda a década de 90.

Não está em causa o seu talento como voz - os momentos mais felizes do filme estão na actuação de 'Reflections' e no tema que surge nos créditos finais, 'Lead the Way' -, mas está tudo o resto. O filme é piroso, desastrado, incapaz até para aprofundar uma história de amor, até porque o actor Max Beesley é tão mau ou pior do que Mariah a querer fazer-se passar por adolescente com dúvidas.

No fim, temos um fiasco de todo o tamanho, que custou caro à cantora, que sofreu um esgotamento por estas alturas e demorou um par de anos a recuperar o seu estatuto de diva das baladas. É certo que Mariah Carey tem o seu lugar na música pop, mas não tem de certeza um lugar no cinema. O filme "Precious" reabilitou-a e já está a fazê-la sonhar com voos mais altos (consta que a estrela gostava de entrar num filme de Woody Allen...), mas o peso do gigantesco flop que foi GLITTER demorará a desaparecer.

Se tudo já não fosse suficientemente pobre, eis que a data de estreia do filme acabou por ser mais um tiro ao lado: chegou aos cinemas a 11 de Setembro de 2001. Um azar nunca vem só!

Críticas de fugir:
- DALLAS MORNING NEWS:
Carey de certeza que sabe cantar, mas de certeza que não sabe representar;
- ABOUT.COM:
É quase fisicamente desconfortável assistir aos desempenhos de 'Glitter'.
- AUSTIN CHRONICLE:
É mesmo verdade?
- CNN:
Escapismo total sem um pingo de verdade.
- PALO ALTO WEEKLY:
Mariah Carey devia ter tirado aulas de representação com Mark Wahlberg. A primeira lição é: começa por pensar pequeno.

9 de março de 2010

Filme do ano impróprio para cardíacos

CINEFILIA: As cinco promessas de Março










SOBERBA. Ainda sob o efeito das estreias apressadas a tempo dos Óscares, Março é um mês interessante em matéria de cinema de autor (mesmo de realizadores já com força comercial como Tim Burton ou Peter Jackson). Além disso, é também o mês do último filme de Heath Ledger, em "Parnassus - O Homem Que Queria Enganar o Diabo", de Terry Gilliam.

- ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS: Tim Burton volta a apropriar-se de uma história de tom onírico, conhecida de todos. A expectativa em torno deste gigantesco projecto, que representa a sua estreia no 3D, deve-se principalmente à sua capacidade em reinventar um imaginário. É o seu regresso à cumplicidade com Johnny Depp e à Disney. É o filme mais aguardado do ano, so far...

-
VISTO DO CÉU: O que é feito de Peter Jackson desde "O Senhor dos Anéis"? A resposta chega agora: adaptação de um conhecido romance sobre uma jovem de 14 anos que é assassinada. Num outro plano, resta-lhe olhar de cima o que se passa com os seus entes queridos. É uma premissa arriscada, mais melosa do que se podia esperar de Jackson. Mas não é por isso que é menos interessante. Stanley Tucci chegou a ser nomeado para o Óscar de Actor Secundário.

- TONY MANERO: Cinema do mundo ainda consegue chegar às nossas salas... Trata-se de uma produção independente chilena, que aborda os tempos duros e melindrosos de Pinochet. Entre a comédia e o terror humano, é o relato de um serial killer que tem uma obsessão pela personagem de John Travolta em 'Saturday Night Fever'.

- ALMA PERDIDA: Cinema norte-americano mais pequeno (e por isso, geralmente, mais interessante), que representa o regresso ao protagonismo de Paul Giamatti. É certo que pouca gente deu por este trabalho, mas a forma como supostamente reflecte sobre a alma e a consciência, enquanto se seguem as deambulações de um actor, merece atenção. E, claro, Emily Watson também entra. Deve valer a pena.

- AS ERVAS DANINHAS: O filme europeu do mês é também o regresso de Alain Resnais. A premissa? Uma mala perdida e depois encontrada abre a porta à romântica aventura de um casal.

8 de março de 2010

Óscares: As surpresas vieram no fim

SOBERBA. "Este prémio é para os homens e mulheres que arriscam todos os dias a sua vida no cenário de guerra, seja no Iraque, no Afeganistão ou em outras partes do Mundo. Voltem em segurança." KATHRYN BIGELOW

Um filme de guerra mas com mensagem de paz: foi assim o serão deste domingo de Óscares, numa cerimónia praticamente sem surpresas, demasiado retalhada pelo medo da monotonia e com a química entre os anfitriões Steve Martin e Alec Baldwin a deixar muito a desejar. Surpresas, surpresas foi mesmo a imensa derrota de 'Avatar' e a consagração de 'Estado de Guerra'.

Com seis Óscares, este estimulante trabalho - que eleva o cinema de acção a um nível particularmente inventivo - permitiu, além de ser considerado Melhor Filme, a Kathryn Bigelow tornar-se a primeira mulher a vencer o Óscar de Melhor Realização. Uma justa consagração, para uma trabalhadora de há muitos anos, adepta de um cinema em nome próprio, musculado e cerebral.

'Estado de Guerra' é mesmo o ponto alto da carreira oscilante de Bigelow e merece agora o reconhecimento depois de uma passagem discreta pelas salas nacionais no ano passado. As deambulações de um trio de militares no Iraque, com a extrema função de desactivarem bombas instaladas pelos rebeldes da Al-Qaeda, são um misto caloroso de vigor e emoção em estado puro, com as belas sequências ritmadas devidamente contrabalançadas com um retrato denso dos seus protagonistas. Foram Óscares merecidos.

De resto, 'Avatar' de James Cameron ficou pelo caminho: venceu apenas três estatuetas douradas de relevo técnico, com particular ênfase para os Melhores Efeitos Especiais. Além disso, o realizador de 'Titanic' teve de se contentar em ser o alvo da chacota da noite: Ben Stiller meteu-se com ele, assim como o realizador do Melhor Filme Estrangeiro (o argentino 'El Secreto de Sus Ojos'), Juan José Campanella: “Quero agradecer à Academia por não entender Na'vi como uma língua estrangeira”, disse no seu discurso.

Outros premiados? Sandra Bullock foi a Melhor Actriz (por 'The Blind Side') e Jeff Bridges (por 'Crazy Heart', que recebeu ainda mais um prémio pela canção). 'Precious' ganhou dois Óscares (Melhor Actriz Secundária, Mo'Nique, e Argumento Adaptado) e 'Up-Altamente!' também (Melhor Banda Sonora e Filme de Animação). Já Christoph Waltz salvou 'Sacanas Sem Lei' de sair da gala com um prémio: o de Melhor Actor Secundário. Para o ano há mais. Espera-se que com uma cerimónia com mais sal...

2 de março de 2010

OS MEUS POSTERS: O Vigilante








































AVAREZA. Numa altura em que tanto se fala de escutas e nos seus efeitos perversos, lembrei-me de um filme maior de Coppola - e talvez um dos mais subavaliados. O VIGILANTE é não só um grande trabalho sobre a arte de ouvir e ser ouvido, como também é um inteligente retrato sobre o homem que está do lado de lá, a ouvir. Gene Hackman raramente foi tão longe como neste brilhante exercício sobre até onde se pode confiar naquilo que aparentemente é irrefutável. Será que a vigilância é o melhor caminho?

27 de fevereiro de 2010

OS SETE PECADOS DE... Fevereiro 2010

IRA. Neste mês de regresso a SIN CINEMA houve um pecado maior de todos: ver ANTICRISTO, o último abismo visual de Lars von Trier. Já nos habituámos ao estilo violento, cru e misógino, mas sempre se retira alguma mensagem das suas histórias. Neste último caso, há dificuldade em dizer se se gostou do filme. Plasticamente belo, tem boas interpretações mas a vontade da transgressão vai longe de mais. A tortura esvazia por completo o casal protagonista e gera a dúvida sobre as motivações de von Trier, que diz ter feito este filme para curar uma depressão. O que é certo é que se von Trier não fosse realizador de cinema, seria certamente um psicopata!

SOBERBA. Na minha vontade de (re)descobrir westerns eis que me confronto com 'O Ouro de McKenna', grande aventura de um naipe de personagens atrás de um mítico desfiladeiro de ouro. Há emoção, grandes reviravoltas e uma dinâmica que não quer nada com a monotonia. O xerife de Gregory Peck e o vilão Colorado de Omar Shariff são outros pratos fortes. Depois, há belas imagens do deserto, mas este projecto ousa demasiado nos efeitos especiais: a montagem de algumas cenas a cavalo é trapalhona e o tremor de terra final feito com muito pouco jeito. A esta distância já se consegue perceber como se evoluiu na vontade de ser verosímil.

GULA. Já cheira a Óscares e ainda bem. Este ano a colheita é variada e mais sumarenta do que a norma. Se 'Avatar' se arrisca a dar cabo da concorrência, por outro lado seria bom a ex-mulher de James Cameron, Kathryn Bigelow, conseguir levar a melhor com 'Estado de Guerra'. O que ainda falta ver dos principais nomeados: 'Nas Nuvens', 'Precious', 'Uma Educação' ou 'District 9'. O tempo não dá para tudo...

INVEJA.
É discreto e muito bem localizado e inclui um cartaz que foge à lógica do blockbuster tradicional e lembra até a selecção de um estimável Quarteto. Descobri na semana passada o Cinema City Alvalade. Parece mais próximo da vontade de recuperar o cinema de bairro e tem bastante bom gosto na decoração. Com salas mais pequenas, parece querer assumir-se como uma boa alternativa ao King.

AVAREZA. O Fantasporto já começou mas quase ninguém deu por ele... De quem é a culpa? Mário Dorminsky queixa-se da falta de apoios e ameaça retirar o festival da cidade que o viu nascer. Será que ainda vamos ter um Fantaslisboa? Espera-se que não e, por outro lado, que a prometida colecção de DVD com os melhores filmes do historial do festival sempre se concretize.

PREGUIÇA. Não tenho nenhuma vontade em ir ver 'A Bela e o Paparazzo', de António-Pedro Vasconcelos. Admiro o realizador, a sua carreira, mas confesso que nada do seu novo projecto me atrai ao ponto de me fazer ir à sala escura. Vi o trailer, o Nuno Markl, a sátira aos famosos, a Soraia Chaves a querer parecer diferente da sua personagem do interessante 'Call Girl' e... esperarei pelo DVD.

LUXÚRIA. O caso da traição do mês vai para a bela e talentosa Evan Rachel Wood, que decide trair a personagem de Larry David em 'Tudo Pode Dar Certo'. Woody Allen não só nos desvia a atenção da dupla protagonista de modo inteligente como ainda vai mais longe: repete a ideia de um 'menage a trois' com a personagem vivida por Patricia Clarkson, depois de ter gostado da fórmula com 'Vicky Cristina Barcelona'.

25 de fevereiro de 2010

NA SALA ESCURA: Os tormentos de Scorsese

AVAREZA. "Prefiro viver a vida como um homem do que morrer como um monstro." TEDDY DANIELS (Leonardo DiCaprio)

Tem-se discutido muito que papel assume SHUTTER ISLAND na carreira milagrosa de Martin Scorsese - a par com Clint Eastwood talvez o maior cineasta norte-americano vivo!.Há quem defenda que pouco, mas mostra que o rasgo do realizador de 'Taxi Driver' se mantém, polvilhado de referências cinéfilas e capaz de articular emoção com uma estrutura narrativa madura.

Neste caso é o cinema de sombras que se impõe, estilo que Scorsese já abordou seja no remake de 'O Cabo do Medo' ou no já referido 'Taxi Driver'. Se méritos faltassem a SHUTTER ISLAND, o que se passa é que coloca a estética do film noir na obra de um realizador que ainda consegue surpreender.

Já se sabe que a história decorre numa ilha isolada do Massachussets, em plena Guerra Fria, num penhasco que esconde uma fortaleza onde está instalado um hospital psiquiátrico. Quem o frequenta vive aprisionado fisica e psicologicamente. É aí que chegam dois agentes da polícia para investigarem o desaparecimento de uma doente perigosa. Contar muito mais é estragar este jogo denso de enganos, com constantes reviravoltas. Uma certeza: nada é o que parece e rapidamente o policial dá lugar a um filme de pesadas conotações psíquicas.

No entanto, a forma como tudo é gerido, a descrição do tormento do protagonista, o clima cerrado, os diálogos cortantes, as personagens dúbias, tudo é gerido com uma extraordinária contenção. O cinema de Scorsese mergulha fundo nos mistérios insondáveis da mente e o espectador é que ganha com isso. Porque se deixa envolver numa espiral dramática sem possibilidade de volta.

Além de excelente técnico, Scorsese dirige os seus actores como ninguém e a aposta em Leonardo DiCaprio volta a ser certeira. O actor empresta ao seu Teddy Daniels toda a impetuosidade que lhe é característica, mas também rapidamente se percebe que o protagonista tem coisas mal resolvidas no seu íntimo.

Mesmo nos momentos de abstracção, Scorsese revela a subtileza dos mestres.

Ainda no campo da composição, SHUTTER ISLAND comporta um dos mais sólidos elencos que temos visto nos últimos anos. Ben Kingsley, Patricia Clarkson, Max Von Sidow e Mark Ruffalo deixaram-se embrenhar nesta história de bela fotografia e óptima caracterização.

O efeito de clausura está lá, assim como lá está a vontade em gerir o suspense sem recorrer a fórmulas gastas. Por tudo isso, SHUTTER ISLAND já é o filme mais importante deste ano cinematográfico. Absolutamente imperdível.

SHUTTER ISLAND
De Martin Scorsese (2010)
* * * * *
Sem dar passos em falso e já com o há muito desejado Óscar de Melhor Realizador no bolso, Martin Scorsese tinha avisado que se ia dedicar a projectos mais pessoais. Isso não quer dizer que descurasse o grande público. Para este tumultuoso conto negro, 'Marty' voltou a chamar DiCaprio numa quarta colaboração de peso e já tão sólida quanto a de De Niro entre os anos 70 e 90. Está tudo no lugar certo, não há pontas soltas. O que se retém é o gosto pelo cinema rico, cheio de falsos sentidos, alçapões secretos e uma vontade imensa em questionar a consciência. Esse elo que nos dá certezas mas também muitas dúvidas. Uma obra-prima.

24 de fevereiro de 2010

Dar umas luzes aos Irmãos Lumière (XI)

Caros irmãos Lumière,

Já tudo se disse, viu e escreveu sobre 'Avatar', actualmente o filme mais rentável de todos os tempos (o que não quer dizer que tenha sido o mais visto). Agora que a poeira começa a assentar, vale a pena pensar um pouco no impacto desta obra megalómana - mais uma! - de James Cameron, o mago experimental do cinema de massas.

É certo que o filme sobre mundos paralelos com mensagem pró-ambientalista tem um lugar primordial na história do cinema, criando já um marco do século XXI, que é a capacidade de abolir as escassas margens de realismo ou constrangimento visual que ainda poderiam resistir. Já tudo se pode fazer, o ser humano está morto no grande ecrã, os píxeis são cada vez mais um instrumento de relevo no momento de pensar a fantasia.

Depois, 'Avatar' permitiu que o cinema 3D se implantasse definitivamente como arma comercial, capaz de devolver à sétima arte o lado de profundidade gráfica que já se havia tentado antes sem sucesso, além de permitir aos estúdios encontrarem uma forma de manter ou fazer crescer as margens de lucro e retomar como experiência única a ida à sala escura. Até porque por mais desenvolvida que esteja a pirataria ainda não consegue reproduzir a experiência de se ver em três dimensões, hoje já num nível muito aceitável.

O mérito de tudo isto é inteiramente de James Cameron, um verdadeiro visionário, que volta a dar um passo de gigante na componente espectacular do cinema. Ao contrário de George Lucas, que ficou enredado nos virtuosismos de uma só saga (sim, 'A Guerra das Estrelas)', o realizador de 'Exterminador Implacável', 'O Abismo', 'Aliens - O Recontro Final' e 'Titanic' tem conseguido acompanhar as tendências do grande consumo sem abdicar de uma história à prova de bala, com a enorme capacidade de surpreender.

O cinema comercial quer-se surpreendente e Cameron é mesmo o mago cinéfilo do século XXI. As fronteiras esbateram-se e um novo filão está aí à porta: o 3D é a nova mina de ouro que será replicado até à exaustão nos próximos tempos. O espectador renovou o encantamento perante o cinema e, por isso, os projectos que se avizinham serão de altíssimas expectativas para quem acredita no 'blockbuster'.

O efeito mais imediato veio no campo da animação, mas a imagem real também já está a estudar novas potencialidades graças à técnica explorada com eficácia por Cameron, que criou novas câmaras para cumprir o seu sonho antigo que era 'Avatar'. Gente respeitável como Tim Burton ou Steven Spielberg seguem-lhe as pisadas.

Será uma nova era do cinema? Talvez. Mas há também aqui uma ameaça: a tentação de colocar a técnica à frente da inventividade. Neste ponto, o cinema independente tem um papel preponderante e será interessante ver como se adapta a esta nova realidade. Quer-se, de facto, o fascínio visual. Mas, acima de tudo, o cinema é a arte de mostrar histórias. Boas histórias para mais tarde recordar.

23 de fevereiro de 2010

NA SALA ESCURA: Cansado de fantasias

PREGUIÇA. «Primeira regra da estratégia de um combate: nunca deixes o teu rival distrair-te.» ANNABETH (Alexandra Dadario)

Pode ter havido épocas em que se desejou que o cinema se desvinculasse do realismo e apostasse na sua componente mais forte de escapismo. Nos períodos do film noir ou da nouvelle vague francesa pode ter-se sentido falta da fantasia. Porém, quando Hollywood descobre uma fórmula usa-a até à exaustão, com a dificuldade acrescida de ter vontade em replicá-la em desnecessárias sequelas.

O grande responsável pela proliferação de histórias fantasiosas vazias de sumo narrativo não é Harry Potter ou o clássico de Tolkien, mas sim o poder dos efeitos visuais. Hoje já tudo é possível de ser recriado sem os constrangimentos de se poder gerar um efeito de falsidade. O digital dispensa o elo humano, os seres mascarados presos por arames ou as doses excessivas de maquilhagem.

O caso mais recente de uma saga que se quer impor entre o público juvenil (aqueles que ditam aos pais o que ver na sala escura...) é PERCY JACKSON E OS LADRÕES DO OLIMPO, já em exibição. Para que tudo na oleada máquina do cinema comercial bata certo nada como recrutar um punhado de actores secundários de relevo - a que custa ver mais por estas andanças é a sempre excelente Catherine Keener! -, uma saga literária de fácil consumo com intermináveis capítulos subsequentes e até um realizador habituado a este tipo de espectáculo, Chris Columbus, que já deu o ponto de partida na saga de J.K. Rowling ao dirigir os dois primeiros capítulos de Harry Potter.

Desenhado ao milímetro para ter sucesso, o filme de Columbus é uma imensa manta de retalhos, fútil, desordenada e carente de ideias novas. Sabemos que temos um herói que não sabe que o é, que tem de partir numa missão absurda que o vai levar ao contacto com os deuses do Olimpo. Ele é, inclusivamente, meio humano, meio Deus, filho de Neptuno. A premissa pode ser simples, mas tem tantas ideias inacabadas que fica desde logo comprometido o efeito de identificação.
O modo atabalhoado como o herói descobre os seus poderes é de um efeito primário indiscritível e isto é só o começo... Pode-se elogiar a dinâmica da acção, a ausência de tempos mortos, mas não se perdoa a ineficácia das personagens, com a espessura de um fio de cabelo.

Por fim, o maior constrangimento vai - como já se disse... - para o elenco de secundários notáveis que aceitaram ganhar uns trocos extra para serem caricaturas andantes. Se, por um lado, Sean Bean ou Rosario Dawson quase passam incólumes, já Pierce Brosnan cai no ridículo e Uma Thurman parece querer repetir o desaire de «Os Vingadores» ou «Batman & Robin». Enfim, o entretenimento pode ser garantido para os fãs da saga literária. De resto, todos os outros ficam à porta.

PERCY JACKSON E OS LADRÕES DO OLIMPO
De Chris Columbus (2009)
*
Entretenimento juvenil não deveria querer dizer entretenimento vazio de conteúdo. Mas neste caso é o que acontece, ainda que mascarado de heroísmo interessado na Grécia Antiga, nos Deuses do Olimpo e em criaturas místicas que remetem para um inteligente imaginário. Neste caso tudo está feito para ser um sucesso de consumo rápido. Não há nenhum rasgo, só acção desenfreada e mistérios básicos para resolver. O cinema fantástico tem rapidamente de crescer, sob pena de ficar enredado nas mesmas fórmulas. Aprendam com Tim Burton, se faz favor.

QUIZ: A que filme pertence esta imagem?

Já vai tempo desde o último desafio, mas é sempre saudável recordar memórias cinéfilas. Para (re)começar, desta vez, um desafio acessível, até por ter em primeiro plano uma cara imediatamente reconhecível. Quem é o primeiro a acertar?

Solução do QUIZ anterior: Sombras, de John Cassavetes, grande produção independente de 1959.

22 de fevereiro de 2010

NA SALA ESCURA: Regresso ao niilismo de Allen

IRA. "Vêem? Sou o único que vê o filme todo. É o que eles chamam de génio." Boris (Larry David)

Os detractores continuam a insistir na ideia de que Woody Allen faz sempre variações do mesmo filme, mas o que é certo é que quando se vê TUDO PODE DAR CERTO fica-se com a sensação que o cineasta nova-iorquino regressou a território seguro, ao humor polido, às relações humanas desfragmentadas, à inventividade aparentemente ingénua, às neuroses irresistíveis. Sim, já conhecemos este tipo de cinema, mas há muito que ele não nos deliciava tanto.

Não é a primeira vez que Woody Allen se preocupa com o sentido da vida, mas neste caso o seu niilismo desordenado e assente no princípio clássico do "Carpe Diem" parece ter uma aura negra. Ou seja, como se a idade avançada tirasse qualquer réstia de optimismo perante uma ordem das coisas sem ordem alguma ou um desencantamento face ao caos que nos rege. Perante o peso da realidade, resta viver fechado sobre nós próprios e aproveitar. Porque nada mais se pode fazer.

É mais ou menos isto que move Boris, um homem amargurado, que se sente mais consciente do vazio do que a maioria das pessoas e que não tem nada a prendê-lo à vida - sim, há até umas tentativas de suicídio comicamente montadas... Mas aqui Woody Allen resolve converter a grande e rabugenta personagem de Larry David - como peixe na água a fazer de Woody Allen... à sua maneira peculiarmente rezinza - em nome do amor.

É essa inversão que não aconteceu em outros casos como 'Crimes e Escapadelas' - talvez o melhor e mais dramático tratado do cineasta sobre as difusas fronteiras do bem e do mal. TUDO PODE DAR CERTO é por isso uma comédia sensível e esperançosa de que a sorte, apesar de ser o que mais pesa numa existência, possa mudar de um momento para o outro.

Além de excelentes desempenhos, Woody Allen dá com este filme um novo fôlego para quem o criticava de ter superficializado o seu estilo. E aproveita para satirizar as relações humanas, os telhados de vidro, a situação de uma América cosmopolita mas enredada nas aparências. Neste ponto, os pais de Melody (irresistível Evan Rachel Wood) e a sua conversão a uma liberdade até sexual são mais uma tirada de génio de Allen.

TUDO PODE DAR CERTO pode não ser a obra-prima que todos ambicionam, mas é o mais inteligente filme de Woody Allen desde 'Match Point'. Nem sequer falta aquela vontade em testar a relação espectador-filme, colocando o protagonista a interpelar directamente quem está sentado na cadeira de uma sala escura. Já tínhamos saudades de ser assim surpreendidos.

TUDO PODE DAR CERTO
De Woody Allen (2009)

* * * *
Nada como regressar à Nova Iorque natal para voltar a filmá-la em tempos agitados e desencantados. Há piadas sobre a recessão, a morte e a modernidade, o que revela que Woody Allen é, além de um cineasta, um excelente observador de comportamentos. O modo como as personagens de Larry David e Evan Rachel Wood (ambos excelentes) evoluem é um caso de coerência narrativa e muito bom gosto. A singeleza da acção que se dá a conhecer a passos lagos é suficiente para continuarmos todos os anos a ansiar por mais um filme de Woody Allen. Esta é a primeira grande surpresa cinéfila do ano. A tradição ainda é o que era...

15 de fevereiro de 2010

As voltas que isto dá

GULA. «O gosto é o resultado de mil desgostos.» FRANÇOIS TRUFFAUT

Seis meses depois, de volta. E o que mudou nestes seis meses? Casei-me, mudei de emprego, andei algo desorientado, reencontrei-me, arranjei um cão.

E no cinema? "Avatar" revolucionou e arrecadou milhões, o cinema 3D está na moda, estrearam-se novos títulos de Coppola, Allen ou Haneke, morreu Eric Rohmer e a arisca Brittany Murphy, nasceu uma estrondosa versão em DVD de 'O Feiticeiro de Oz' e 'E Tudo o Vento Levou'. Houve mais nomeações para os Óscares, os videoclubes estão a fechar, os pedidos de vídeos em casa a subir. Fala-se de novos ecrãs, de novas potencialidades, espera-se a morte dos media convencionais... Apareceu o iPad, quase desapareceu o VHS.

O que fica disto tudo? Uma saudade por não ter acompanhado de perto, aqui e perante a pequena legião de fiéis, estes e outros momentos, mas com a certeza de que as ondas andam agitadas e que o prazer do cinema se mantém. Rejuvenescido, disperso e ansioso por ser traduzido em palavras.

Volto com a vontade de antes e com a certeza de que vêm aí mais instantes para serem partilhados. O SIN CINEMA, apesar da recente ausência, mantém a estrutura e a filosofia de antes: pensar o cinema pelo olhar de quem se deixa submergir por ele. É bom estar de volta!