22 de março de 2010

NA SALA ESCURA: Jogo de máscaras de Burton

GULA. "Existe um lugar. Como nenhum outro na Terra. Um lugar cheio de beleza, mistério e perigo! Alguns dizem que sobrevivem a ele..." Chapeleiro Louco (Johnny Depp)

Diz-se que era o projecto mais aguardado do ano, mesmo que só se esteja em Março, e percebe-se porquê: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS é o regresso a um clássico literário na memória colectiva, mas na apropriação única operada por um dos grandes génios da imagem: Tim Burton.

O que o filme consegue fazer com o património dúplice de Lewis Carroll é reactualizar os conceitos gráficos, renovar o sentido de aventura onírica e brincar com as coordenadas da imaginação. Mais do que um filme denso de conteúdo, ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS é mais um soberbo jogo de máscaras que o realizador de "Eduardo Mãos de Tesoura" esculpe com o dom que só ele tem.

A caracterização é de tal forma brilhante, que rapidamente o espectador esquece o virtuosismo do 3D e se deixa levar pelas peripécias de Alice, aqui uma jovem mais crescida do que o costume, numa espécie de sequela perante a fábula que figura na nossa mente.

Se a primeira parte da história tem um singelo tom vitoriano, assim que a protagonista segue o coelho apressado e cai no buraco que dá para "Under Land" e não "Wonderland" o assombro é imediato. Nada foi deixado ao acaso: cada sequência é recheada de cor, cada personagem é trabalhada ao detalhe, cada efeito especial é usado a favor de uma história singular e quase hermética.

Se não fosse Tim Burton a dirigir esta versão, só David Lynch lhe poderia fazer frente. Neste caso, se há algo que pode deixar um amargo de boca é mesmo a incapacidade por ir no lado mais profundo da história ou numa certa condescendência de Burton nas exigências da Disney para travar o tom gótico que o cineasta tanto aprecia.

Ainda assim o que fica? Um sincero filme para toda a família e uma experiência visual para mais tarde recordar.

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
De Tim Burton (2010)
* * * *
A cumplicidade com Johnny Depp está lá, pela sétima vez, intacta; o tom onírico trabalhado também; as caricaturas fortes permanecem; e o sentido de fantasia visual também. Tim Burton volta a acertar naquele que é já o maior sucesso da sua carreira. É merecido. Apesar de algo superficial na composição de uma história fluída, o filme é um doce. Uma jornada por um espaço que parece uma gigantesca tela, um testemunho fiel à escrita de Lewis Carroll. O cinema de massas só sai a ganhar.