21 de maio de 2009

Adeus, Sr. Cinemateca












INVEJA. «João Bénard da Costa viu muitos filmes, todos os filmes, uma vida inteira de filmes, mas também via sempre filmes que mais ninguém via, porque neles descrevia o que lá estava e não estava, isto é, aquilo que não era aparente e óbvio antes de o lermos nos seus textos.» in nota da Cinemateca

Morreu o «sr. Cinemateca».

Um daqueles símbolos sobre como vale a pena defender o cinema. E como ele foi maltratado no nosso país... Se o Museu do Cinema é a jóia que é hoje deve-o à figura que amava «Johnny Guitar» como ninguém e que explicava o que se escondia para lá das imagens nas folhas A4 distribuídas entre sessões.

Graças a ele olho para «O Retrato de Dorian Gray», de Albert Lewin, de uma forma diferente. Ou para «As Duas Feras», de Howard Hawks.

João Bénard da Costa (1935-2009) faz falta. Mesmo que o cinema continue. O ex-director da Cinemateca procurava transpor em palavras o que os olhos vêem e não esquecem. E contextualizou muitos dos filmes da nossa vida.

20 de maio de 2009

QUIZ: Estes elementos lembram que filme?









Um desafio segundo um modelo já testado. É mais fácil do que parece... Pelo menos para quem se lembrou dele. É. Costuma ser sempre mais fácil para quem sabe desde logo a resposta.

Solução do QUIZ anterior: O Pântano, da argentina Lucrécia Martel.

O MAIOR PECADO DE... Walter Salles












PREGUIÇA. «O estimado realizador brasileiro Walter Salles cai de frente na sua primeira saída por Hollywood com um filme de terror que aborrece até às lágrimas» COLESMITHEY.COM

Ninguém entende o que se terá passado pela cabeça de um dos mais inteligentes e criativos realizadores do novo cinema brasileiro. À primeira tentativa para impressionar Hollywood, um espalhanço de todo o tamanho. Houve até quem receasse que os créditos ganhos com obras tocantes como «Central do Brasil» ou «Diários de Motocicleta» pudessem ficar comprometidos.

Mas não: Walter Salles viu-se obrigado a repensar a carreira e regressou ao território seguro do Brasil de contrastes para produzir o valioso «Linha de Passe». O que se passou mal com ÁGUAS PASSADAS? Tudo, ou quase.

É certo que há uma tentativa por criar uma atmosfera de terror e há ainda o peso pesado que é Jennifer Connelly e os seus olhos claros. De resto, apenas uma nova versão de um filme de terror oriental, igual a tantos outros.

A moda de repescar obras negras asiáticas e dar-lhe um tom de Hollywood, raramente corre bem - OK, há uma excepção de peso: «Entre Inimigos» de Scorsese, mas isso só confirma a regra.

Uma mãe tenta refazer a sua vida depois de um divórcio. Mas há estranhos fenómenos a acontecer na nova casa... Pois, a premissa também não ajuda.

Sabe-se inclusivamente que o próprio Walter Salles não apreciou o resultado final e queixou-se que os produtores lhe adulteraram a montagem final. Pode até dar-se o benefício da dúvida. De resto, é apenas um filme que quer meter medo e não consegue.

Tem um bom tratamento de imagem, alguns planos inventivos, um elenco secundário que não compromete (John C. Reilly, Tim Roth, Pete Postlethwaite). Mas tem também uma vontade forçada de chegar ao seu término, que quer ser surpreendente, e muitos pontos fracos. A «retalhada» na montagem deve ter sido mesmo grande, porque não se vislumbra o dedo criativo do realizador brasileiro...

Críticas de fugir:
- JOÃO LOPES:
A estrutura vai-se decompondo em fáceis mecanismos de «suspense», como se se tratasse apenas de «adiar», por qualquer preço, o desenlace.
- MTV: ÁGUAS PASSADAS afunda-se no peso da sua até cómica previsibilidade.
- BBC: É um falhanço enquanto filme de terror.
- VILLAGE VOICE: Falha na tentativa de criar o efeito-surpresa do twist narrativo que a sua base permitia.

17 de maio de 2009

NA SALA ESCURA: Crescer com barreiras









IRA. «Algumas pessoas chamam-nos racistas. Não somos racistas! Somos realistas!» LENNY (Frank Harper) em Isto é Inglaterra

A infância, quando se aproxima da adolescência, é já um período de convulsão. E é também um momento em que a absorção da realidade circundante se opera de uma forma particularmente evidente.

Estreados há umas semanas nas salas nacionais, eis dois excelentes casos que pensam essa etapa da vida no meio de duas realidades sociais distintas - quer geográfica, quer cronologicamente - e, com isso, configura interessantes pontos de vista sobre a formação da identidade.

De um lado temos os anos 80 num «Reino pouco Unido» em ISTO É INGLATERRA, de Shane Meadows; do outro, mais um exemplo do novo cinema brasileiro que se vinca nas desigualdades urbanas, mas sem miserabilismos comprometedores: o oportuno LINHA DE PASSE, de Walter Salles.

O primeiro é um precioso trabalho, quase documental, sobre uma década de clivagens, quer políticas, quer artísticas. No meio de uma Inglaterra dilacerada pela Guerra das Malvinas, uma criança (verdadeira revelação que é Thomas Turgoose) aproxima-se de um grupo de amigos mais velhos que lhe alteram o visual e as convicções.

Daí, entra-se numa perigosa jornada ideológica, com a entrada de um grupo de personagens nacionalistas extremas - sim, skinheads! - que lhe deformam o pensamento e o levam a pensar que o país não se compadece com estrangeitos «inaptos».

Ao aliar o despertar da adolescência com reflexões sobre o racismo, Shane Meadows consegue mostrar personagens à procura de um rumo sem ceder a facilitismos sentimentais.

Além disso, ISTO É INGLATERRA olha para os anos 80 já com um adequado distanciamento, quase documental, e traz consigo uma pulsão interna que acabará por «rebentar» no momento-chave do filme, caso de terror psicológico muito bem elaborado.

O cinema é aqui maduro, inteligente e ávido por pensar as pessoas. Coisa que LINHA DE PASSE também faz, mas numa lógica totalmente diferente.

Passado num dos múltiplos bairros pobres de São Paulo, este filme quer colocar o olhar do espectador dentro de uma casa sem meios, mas digna. Digna no seu esforço de sobrevivência quando nada ou muito pouco se tem.

Cleuza (Sandra Corveloni, Palma d'Ouro de Melhor Actriz no Festival de Cannes) é a mãe esforçada de quatro jovens, que vivem todos numa apertada casa de paredes escuras. O mais velho distribui encomendas, o segundo vive entre o trabalho num posto de combustível e a fé numa das igrejas que testam o fanatismo, o terceiro sonha ser jogador de futebol e o mais pequeno, preto, vive entre a escola e a vontade em conduzir um autocarro.

As aspirações convivem diariamente com a contrariedade, o vício e a violência. Mas o realizador Walter Salles (a meias com Daniela Thomas), que já nos deu algo de muito bom como «Diários de Motocicleta» ou «Central do Brasil» e algo de mau como «Águas Passadas», está interessado em evidenciar este punhado de personagens segundo a lógica do dia-a-dia, numa vida feita de bons e maus momentos.

Se Cleuza sucumbe muitas vezes ao cansaço e à incapacidade de gerir uma casa onde não existe um pai (na verdade, percebe-se que haverão vários...), por outro há ainda vontade em manter a união e empatia familiar.

LINHA DE PASSE termina em aberto, num instante em que as vidas dos quatro filhos se encontram em momentos-chave. Será que vai dar certo? Ou é a entrada no abismo? No fundo, um teste ao optimismo do espectador, embrenhado numa realidade brasileira que é anti-telenovela.

O que ISTO É INGLATERRA e LINHA DE PASSE têm em comum é mostrarem a dificuldade que é o crescimento. Que engrandece quando se ultrapassam os obstáculos.

Outra crítica de ISTO É INGLATERRA aqui

ISTO É INGLATERRA
De Shane Meadows (2006)
* * * * *

Chegou atrasado este importante filme independente, que pensa a adolescência, mas também a realidade política do Reino Unido dos anos 80. Além disso, expõe as personagens ao estilo e à cultura de uma década que muitos vêem como «maldita». Muito bem dirigido, é um manual sobre a formação da identidade ou a difícil arte em perceber em que lugar se deve estar neste mundo. Seja fisica, seja ideologicamente.



LINHA DE PASSE
De Walter Salles (2008)
* * * *
De repente, nota-se uma enchente do novo cinema brasileiro nas salas nacionais. E ainda bem. Apesar de tematicamente poder ter semelhanças com Cidade de Deus, este retrato familiar vai mais longe. Não há aqui tantas pretensões a nível de moldura social, mas apenas uma forma de conceber a rotina familiar na favela. Com alma verdadeiramente brasileira, o filme é belo plasticamente e filma o futebol de um modo apaixonado. O Brasil é isto!

11 de maio de 2009

O QUE AÍ VEM... Los Abrazos Rotos







AVAREZA.
«O cinema pode preencher os espaços vazios da tua vida e da tua solidão.» PEDRO ALMODÓVAR

Quem não tem saudades de mais uma história de cordel contada pela câmara sensível de Almodóvar que levante o braço.

Ausente desde «Voltar», o cineasta espanhol voltou a convocar a sua nova musa, Penélope Cruz, que deve aparecer novamente esplendorosa, até de cabeleira loura para ser a alma de LOS ABRAZOS ROTOS.

Depois de perder a visão e o amor da sua vida num acidente de carro, um homem vive na obscuridade. É assim que começa mais um conto desencantado, com o realizador espanhol novamente atento aos meandros da sensibilidade.

Ao que parece, são quatro histórias que se imbricam, daquelas de pais e filhos quase à maneira de uma telenovela, que Almodóvar eleva pela sua extraordinária veia dramática e câmara hábil.

É já um dos favoritos para a edição do Festival de Cannes que está aí a estalar. Já às salas nacionais só chega no fim do Verão.

10 de maio de 2009

NA SALA ESCURA: A arte precisa de vida











SOBERBA. «O que faria eu com algo de valor?» Éloïse (Isabelle Sadoyan)

Já se fizeram livros e mais livros cujo único propósito é tentar explicar o que é, afinal, uma obra de arte. O que a define? Qual é a fronteira entre o valioso e o puro lixo? Arte implica vida, assombro, emoção, teste aos sentidos. Mais do que ser belo tem de se ser autêntico e, de preferência, único.

Mas a subjectividade inerente à estética faz com que uma obra de arte seja tanto alvo de adoração como de ódios.

O bom trabalho que é TEMPOS DE VERÃO, filme francês com passagem muito discreta pelas salas nacionais, pensa mais do que o conceito de obra de arte, a sua utilidad
e.

A conclusão, embrenhada num drama familiar que também reflecte sobre a morte, é poderosa: a obra de arte tem de ter humanidade e esse toque perde-se quando a mesma se encontra exposta num museu.

Para sermos mais claros: uma peça num museu está como um ser humano em cima de um palco. Há uma elevação, um lado contextual que cria também uma certa aura artificial, capaz de enaltecer as qualidades e ocultar os defeitos. Há uma contextualização e, num certo sentido, um vazio. Porquê? Porque não está envolvida no contacto humano, está como que desprovida do seu sentido, ainda que enaltecida.

A desfazer as dúvidas, este precioso filme, encomendado pelo Museu d'Orsay, explica as preocupações de uma matriarca em querer que os seus objectos de valor não desapareçam após a sua morte. Os três filhos querem que a mãe não pense nisso, mas quando a morte chega, imprevisível mas com a sua marca incontornável (paradoxo sumarento...), começam também as clivagens entre eles. A partilha obriga à cisão.

E é aí que a obra de arte passa para o outro lado, o acertado para não se perder, ou seja o do museu, mas também desaparece a autenticidade que a define.

No meio, há um melodrama ténue que conquista pela reflexão em torno da perda.

TEMPOS DE VERÃO
De Olivier Assayas (2008)
* * *
Uma enorme família é obrigada a repensar-se após uma morte. Assuntos mal resolvidos emergem na mesa das negociações sobre o passado e os afectos. Três irmãos têm de viver na pele as partilhas do património familiar. Os actores são excelentes, o drama é sentido. É certo que a acção não se consegue desprender totalmente, que há uma linearidade demasiado contida. Mas há também um belo retrato humano que se joga com a noção de obra de arte. Momento alto? O instante em que a empregada da mansão leva consigo uma peça valiosa, pensando que escolheu a mais superficial e tosca de um imenso conjunto. É nestas pequenas subtilezas que encontramos a verve de Olivier Assayas, aqui num dos seus mais singelos exercícios.

7 de maio de 2009

CINEFILIA: As cinco promessas de Maio









SOBERBA. Não se pode dizer que seja um mês rico em estreias mais comerciais. Sim, é o mês do regresso de «Star Trek» e de «Anjos e Demónios», filme que previsivelmente vai arrasar a concorrência. Mas há bons sinais quanto a filmes de cariz mais independente e cinema do mundo.

- A CIDADE DOS HOMENS: É uma tendência interessante de analisar. No espaço de um mês chegaram às salas três títulos fortes do novo cinema brasileiro. É de aplaudir o esforço... Este título vem com dois anos de atraso, já esteve para estrear-se antes, mas agora é que é. No fundo, é a passagem de uma célebre série da Rede Globo para o grande ecrã e mais uma análise sobre a difícil vida nas zonas mais pobres das grandes cidades.

- STAR TREK: É outro dos títulos fortes deste Verão cinematográfico. Vai ser curioso analisar até que ponto a saga resistiu ao tempo e está pronta para nova vida. A ficção científica está mais avançada. Será que o futuro de Star Trek é passado? O realizador J.J Abrams costuma ser competente e os valores de produção envolvidos são de assinalar. Vale pelo saudosismo.

- SUJIDADE & SABEDORIA: Diz-se que é uma desilusão, mas o projecto desperta a curiosidade. Trata-se da estreia de Madonna na realização e na escrita de um argumento e logo numa comédia dramática, centrada em Londres.

- HISTÓRIAS DE CAÇADEIRA: Caso exemplar do novo cinema independente norte-americano, cheio de boas intenções. Com os campos de algodão e as estradas pequenas do Sudeste do Arkansas como pano de fundo, dois meios-irmãos defrontam-se após a morte do pai. Retrato violento de laços de sangue divididos.

- CADA UM O SEU CINEMA: Tardou mais foi... A propósito dos 60 anos do Festival de Cannes, 33 cineastas de 25 países pensam o cinema. Obra importantíssima, porque aglutina muitas das mais sensíveis formas de filmar. Quem passa por aqui? Desde os irmãos Coen a David Cronenberg, passando por Takeshi Kitano, David Lynch, Nanni Moretti, Gus Van Sant, Wim Wenders, Alejandro González Iñarritú, Lars von Trier, Bille August, Atom Egoyan ou Roman Polanski. Sim, Manoel de Oliveira também cá está.

6 de maio de 2009

OS MEUS POSTERS: Inglorious Basterds








































IRA. Espera-se muito do novo filme de Quentin Tarantino, que vai reunir-se a Brad Pitt e a Eli Roth. Seguirá o mesmo estilo inconformado de sempre ou irá desprender-se dele? INGLORIOUS BASTERDS é um filme de guerra que promete ser áspero e rude, ou não seguisse os passos de um grupo de soldados americanos judeus que dizima tropas alemãs na Segunda Grande Guerra. Nem que seja com tacos de basebol... Sabe-se que Samuel L. Jackson será o narrador de tudo e que a polémica não deve tardar.

5 de maio de 2009

Os Sete Pecados de... Abril 2009












LUXÚRIA. O DVD continua a permitir descobrir filmes que, de outro modo, seria muito difícil encontrar para lá de algum ciclo discreto da Cinemateca ou de uma ou outra exibição mais arrojada da RTP 2. Foi assim que me deparei com O MEDO, filme de tensão psicológica de Roberto Rossellini, aqui a dirigir uma angustiada Ingrid Bergman. Depois de trair o marido, uma mulher abastada começa a ser chantageada pela ex-companheira do seu amante. Interessante jogo de tensão, com Bergman à beira da loucura. Apesar de não ser o filme mais citado da carreira de Rossellini, ajuda a perceber o seu estilo e a sua vontade em aproximar-se dos rostos dos protagonistas.

AVAREZA. Retratar os contrastes de um Brasil suburbano, sem cair em moralismos fáceis, é o que consegue Walter Salles no seu interessante «Linha de Passe». A história de uma mãe solteira que luta para criar os seus quatro filhos é tocante e rodada com particular engenho também em matéria de enquadramentos e boa fotografia. Algum defeito a apontar? A discreta passagem pelas salas.

INVEJA. O IndieLisboa foi, mais uma vez, um êxito. Indiferente a qualquer crise, mostrou capacidade em levar a cabo nova edição, com um tom cada vez mais profissional e uma oferta inabalável. O Grande Prémio de Longa-metragem foi para o norte-americano «Ballast». Terá exibição comercial?

PREGUIÇA.
Numa ida recente ao Monumental passei pela loja da Medeia Filmes no piso de cima. Há posters, DVD da Atalanta Filmes, camisolas e revistas. A oferta agrada, mas a apresentação nem por isso. O espaço continua com um ar quase amador. Bem, mas sempre vim com uma camisola de «Eraserhead», de David Lynch, debaixo do braço. A veia cinéfila fala sempre mais alto...

GULA. Como paródia à ficção científica e apetite para os olhos dado o aprumo da técnica 3D, «Monsters vs. Aliens» é o rebuçado animado do mês.

SOBERBA. A época dos blockbusters está a chegar. O primeiro passo foi dado por «Wolverine» e as bilheteiras lá se encheram outra vez. O filme é que parece ter desagradado aos críticos... Quanto aos restantes meses, esperam-se as sequelas do costume!

IRA. Belo retrato humano, o de «Isto é Inglaterra», dirigido por Shane Meadows. Ambientado na década de 80, aborda o movimento skinhead, mas pelo lado realista da coisa, centrando-se no olhar de uma criança. O cinema independente britânico está vivo e as memórias dos anos 80 também. O trabalho é óptimo, cru e arrebatador, e só demorou foi a chegar. Quem o viu, não esquece.