24 de abril de 2008

O Indie está a ganhar espessura








INVEJA.
«Vamos buscar inspiração artística aos festivais de cinema mais pequenos e, em matéria de organização, aprendemos mais com os grandes.» RUI PEREIRA, director do IndieLisboa
Há cerca de um ano, por motivos profissionais, tive a oportunidade de visitar a sede do IndieLisboa (edifício discreto, perto do Saldanha) e falar com os fundadores de um festival cuja ousadia já lhe permite chegar à quinta edição, que hoje começa e se estende até 4 de Maio, com a segurança dos eventos maduros.

O IndieLisboa é, acima de tudo, uma boa ideia, bem gerida e virada para a «grande minoria» que gosta de ver cinema para lá das fórmulas que
invadem a grande massa das salas nacionais.

Na altura, falou-se da estrutura do certame: «O nosso festival começa a ser muito considerado por outros internacionalmente, junto de jornalistas e programadores», disse o organizador Rui Pereira, em entrevista para o suplemento cultural «6ª», do «Diário de Notícias».

«Somos o segundo com mais público do País [o primeiro é o Fantasporto] e o que apresenta mais filmes», acrescentou Nuno Sena. Para as observações de que a programação é sempre muito extensa, Miguel Valverde tem resposta rápida: «É tudo uma questão de escolha, de descoberta.» E é mesmo: este ano as honras de abertura cabem ao muito esperado «My Blueberry Nights», com Wong Kar-Wai a pôr a cantora Norah Jones aos beijos sinceros com Jude Law, mas há ainda uma interessante retrospectiva em torno da obra de Johnnie To.

O cineasta que deu novo fôlego à indústria de Hong Kong marca o seu estilo em «A Hero Never Dies», «Help!!!» ou «The Heroic Trio», mas convém não desdenhar o trabalho de José Luís Guerín ou a mostra em torno do novo cinema romeno.

Mais? A obra de encerramento é «It's a Free World», de Ken Loach, a competição internacional conta com a estreia em longas-metragens do português Sandro Aguilar, com «A Zona», há documentários para todos os gostos, muitas curtas, sessões especiais para os mais novos e o espaço «Indiemusic».

O que é certo é que, nesta quinta edição, o IndieLisboa parece continuar a assimilar as lições das edições passadas e não hesita em querer deixar marcas e apontar coordenadas sobre as potencialidades do novo cinema. Algo que uma câmara digital ao alcance de qualquer um pode banalizar. Mas o pendor artístico não nasce com todos. E nunca se respirou tanta diversidade como agora.

Conclusão: a banalização tecnológica e imagética não aniquila a arte. Apenas a aperfeiçoa e a força a ter em conta a heterogeneidade.

19 de abril de 2008

NA SALA ESCURA: A solidão é reconfortante







AVAREZA.
«Nunca quis fazer filmes difíceis de propósito. Fazem-se os filmes que se conseguem fazer.» ALAIN RESNAIS

Há quem veja um filme por ter o actor preferido, há quem escolha a próxima obra a justificar uma ida ao cinema pelo género narrativo, há quem não pense nisso de todo e deixe-se seduzir por um trailer, uma crítica de jornal ou até seguir as opiniões do grupo de amigos com quem se vai para a sala escura. Gosto de escolher os filmes em função do realizador.

Não é, certamente, um critério permanente de escolha, mas ajuda a efectuar a selecção e são, sem dúvida, as vezes em que mais sinto prazer ao ver um filme: reconhecer as marcas do estilo, perceber as influências, testemunhar a evolução, criticar más opções.

Do veterano Alain Resnais conheço pouco, mas admiro a longevidade e o facto de ser um dos poucos cineastas clássicos que resistem. Não chega à idade do nosso Manoel de Oliveira, mas anda lá perto: com 85 anos, começou a filmar ainda na década de 30!

Pois bem, com CORAÇÕES, Alain Resnais prova que ainda está vivo e que o seu olhar ainda é de mestre, daqueles que estuda cada plano na cabeça, tem cuidados nos raccords e não cede a facilitismos
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É tudo pensado ao milímetro em nome de uma singularidade, de um estilo que já não se vê. Sim, é verdade que a solidão deste naipe de simpáticas personagens tem algo de já passado, são motivadas por sentimentos quase telenovelescos e, por vezes, revelam uma inocência de carácter (mesmo quando pisam o risco) que já não se padece com as colisões de valores de hoje. Sim, Alain Resnais é um realizador "à antiga" mas que resiste na forma como expõe a sua forma de filmar.

Ao adaptar a peça do dramaturgo inglês Alan Ayckbourne, o cineasta procura reflectir sobre a solidão, mas numa perspectiva de intimismo cosy. Para tal, recorre aos actores com quem gosta de trabalhar - casos de Pierre Arditi e Sabine Azéma - e cria um jogo de laços afectivos simples, escorreito e muito sensível. O

destaque vai para a personagem de Azéma, a ambígua Charlotte, que é uma mulher dúplice, tão capaz de se afirmar pela fé religiosa como de emprestar cassetes de vídeo contendo gravações caseiras demasiado arrojadas para o seu colega de trabalho testemunhar. As seis pessoas que vivem rodeadas de si mesmas são também um contrabalanço perante a ideia de que Paris é a «Cidade do Amor». Na verdade, todos procuram-no neste filme. Mas a verdadeira relação duradoura é com a solidão!


CORAÇÕES
De Alain Resnais (2006)
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A neve está omnipresente: além de servir como elemento de corte entre as cenas é também uma armadilha porque este não é um filme romântico. É antes sobre vidas "geladas" pela solidão e da qual não vão conseguir desprender-se. Alain Resnais cria um importante melodrama-mosaico, com histórias que se interligam na emoção, de uma autenticidade desarmante. Além de muito bem filmado, este filme é antes de mais um retrato humanista. É de pessoas que fala e das suas resistências, das suas duplicidades. Pelo retrato sensível, a obra é irrepreensível. E isso elimina mesmo as pequenas resistências na forma algo conservadora de filmar. Apesar do clima frio, a obra aquece-nos com os seus afectos. Mas isso não quer dizer com finais felizes...

18 de abril de 2008

Alguém deu por uma nova revista de cinema?







AVAREZA.
«Realizar um filme é ter uma série de problemas que precisam de ser resolvidos.» EWAN MCGREGOR
Recebi o «link» para a página oficial da dita revista como se fosse o caminho para um local de culto proibido, demasiado marginal, talvez (http://www.take.com.pt/). «É uma nova revista de cinema, portuguesa», disseram-me na altura. Como assim? Por que é que nunca ouvi falar dela? «Porque ninguém ouviu», foi a resposta. E não é que existe mesmo?!

Chama-se TAKE, já vai no número dois, tem um visual aceitável e algumas boas ideias.

Pelo menos, o mérito de ser o primeiro esforço de reabilitar o género depois do fim atabalhoado da portuguesa «Premiere». Sem a ver em banca - sim, porque não está a venda nos quiosques, pelo menos -, decidi descarregar a edição em PDF disponível no site e o que descobri? Bom cuidado gráfico, mas textos convencionais, sem chama.

Têm a boa ideia de recuperarem clássicos, chamar pessoas do calibre de Lauro António para dar alguma densidade à coisa e tentam chamar a atenção para eventos do calibre do Fantasporto.

Muito bem... e que tal apostarem na divulgação? Se uma revista com a estrutura minimamente organizada da «Premiere» sucumbiu às pressões do mercado, quem opta por ficar na sombra só sobreviverá se tiver custos ínfimos e a ambição de se manter à margem. Pois até me parece que as características deste produto têm um público bem mais heterogéneo à espera.

13 de abril de 2008

QUIZ: Estes elementos lembram que filme?







Se o QUIZ anterior era rebuscado, este não é menos: estes três elementos, quando associados, fazem lembrar um filme. Bem, pelo menos, o objectivo é esse... Quanto ao passatempo anterior, houve quem tenha acertado, mas uma falha não permitiu que pudessem ser adicionados comentários. Entretanto, o problema está já solucionado. Só falta encontrar resposta para este desafio.
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Solução do QUIZ anterior: Coelhos, era a resposta.
1) Wallace & Gromit - A Maldição do Coelhomem
2) Alice no País das Maravilhas
3) INLAND EMPIRE

12 de abril de 2008

CINEFILIA: As cinco promessas de Abril







INVEJA.
Esta nota de intenções sobre o que me parece que vale a pena ir ver ao cinema está cada vez mais distante sobre o que consigo de facto concretizar na sala escura. O tempo e outras variáveis (um dos quais, a minha televisão de dimensões anormais...) estão a contribuir para que me sinta cada vez mais confortável no sofá. Pois bem, há que inverter a tendência, até porque há boas experiências a despontar no grande ecrã. Aqui vão:
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- A SEGUNDA JUVENTUDE: Só pelo regresso de Francis Ford Coppola ao activo, depois de tantos anos de interregno, a experiência deverá valer a pena. Ainda que o filme tenha dividido a crítica e assente numa premissa sobrenatural aparentemente tonta... Qual? A de um professor de linguística que, aos 70 anos, é fulminado por um relâmpago que o faz rejuvenescer. Tim Roth protagoniza.
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- CORAÇÕES: O muito badalado regresso do realizador Alain Resnais parece ser um sólido encontro entre personagens com dilemas de coração para resolver. A possibilidade de encontrar ou ser encontrado ganha complexidade na teia bem urdida pelo cineasta francês.
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- DIÁRIO DOS MORTOS: Quem é fã do terror de George A. Romero, levante o braço (estou a fazê-lo...). É altura de insistir no bom velho estilo gore com uma premissa curiosa: um grupo de jovens começa a sentir na pele as mutações para zombie quando decidem rodar um filme de meios amadores. Tema sugestivo para as mãos do mestre.
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- SOB O SIGNO DA MORTE: Cinema apocalíptico pela mão da indústria francesa só pode espoletar interesse. Dirigido por Régis Wargnier, o trabalho conta como um homem obcecado se vê a braços com um enigma portador de maldição que assola Paris. Há estranhos sinais nas portas dos edifícios das capitais, um corpo escurecido, misteriosas palavras gritadas em praça pública... e uma suposta expressão do terror.
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- TUDO O QUE PERDEMOS: É certo que desde que ganhou o Óscar Halle Berry não acertou uma, mas também é verdade que Benicio Del Toro é raro falhar... Este é o melodrama do mês, com uma mulher a afeiçoar-se ao melhor amigo do marido, quando este morre subitamente. O motivo do interesse para lá da aparente máscara de «caso da vida»? Ser produzido por Sam Mendes.

11 de abril de 2008

NA SALA ESCURA: Prós e contras de ver a 3D







SOBERBA.
«O palco não é mais do que uma plataforma para sapatos» BONO VOX
À entrada são distribuídos uns óculos de aspecto cómico, que são também uma evolução face aos de cartão sempre que um novo eclipse se torna alvo de atenção mediática. Já sabemos ao que vimos: ver um concerto dos U2 sob vários pontos e com a particularidade de sentir uma emoção redobrada pelo facto do espectáculo ter sido filmado a três dimensões.

O efeito de U23D é surpreendente... mas a espectacularidade de imagens com um ângulo profundo impressionante esgota-se em pouco mais de 15 minutos
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Porquê? Pelo facto deste ser um concerto com um alinhamento que já conhecemos de cor - alguém não sabe já de trás para a frente os temas «Beautiful Day», «One» ou «With or Without You»? Pois é, cada gesto, cada ímpeto de Bono Vox é repetido como todas as outras vezes, apenas desta vez os movimentos transcendem os limites tradicionais do enquadramento.

É óbvio que há momentos que impressionam, até porque U23D também não facilita em matéria de potência sonora... mas um concerto é um concerto, uma experiência que é irrepetível quando se está no meio da multidão.

Visto no conforto de uma cadeira de cinema perde-se a espontaneidade, até porque os ângulos de visão não são escolhidos por nós... Ver um concerto implica autonomia, percebi isso também.

É esse o defeito de ter um DVD de um concerto: está tudo facilitado, programado. Não há a emoção do instante, o desconhecimento do alinhamento, a voz que falha, o «encore» esperado. É já tudo entregue numa bandeja. E nem a força de uma filmagem a três dimensões consegue tornar a experiência revigorante!


U23D
De Catherine Owens e Mark Pallington (2007)
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Enquanto experiência inovadora, prefiro a de BEOWULF, por exemplo, em que o pendor fantástico da história ganhava fôlego com a profundidade que os óculos a três dimensões permitem. Na faculdade, o professor da disciplina de Filmologia, o também cineasta José Mário Grilo não se cansava de repetir que o espectador quando vai ao cinema coloca uns «óculos» e deixa-se submergir por uma acção pensada e escrita por alguém. Anula-se por duas horas que seja... Ora neste filme-concerto o acto de colocar óculos é literal, mas ainda algo desconfortável. É certo que a profundidade, o lado vivo do que se passa em palco surgem refrescados, mas não chega. Até porque, em última instância, este é apenas mais um concerto dos U2. Que não arrisca um milímetro que seja.

7 de abril de 2008

OS MEUS POSTERS: Ben-Hur




























IRA.
Conservador «até à quinta casa», o lendário Charlton Heston foi tudo menos consensual. Mas apenas enquanto figura pública (desde sempre um defensor do uso de armas), dado que nos ecrãs protagonizou um punhado de heróis dignos de registo. Dos maiores que o cinema já teve! É o caso de BEN-HUR, mas também de «O Homem Que Veio do Futuro» ou «Os 10 Mandamentos». Morreu com 84 anos.

3 de abril de 2008

OS SETE PECADOS DE... Março 2008







SOBERBA.
Já se sabia que o cinema de Douglas Sirk era uma referência em matéria de sensibilidade, emoção quase telenovelesca. Mas a forma como o realizador joga com o dramatismo de personagens imersas em modelos comunitários opressores, testa luzes, planos, sombras e assume um certo classicismo na forma de filmar foram uma boa surpresa do mês. O QUE O CÉU PERMITE é um belo exercício dramático, um filme que pode parecer presunçoso pela perfeição tanto técnica quanto narrativa. Que fazer? Dos modestos também não reza a história...


GULA. A visita a Londres permitiu descobrir também o British Film Institute, a «Cinemateca lá do sítio» que é muito bem organizado, tem um espaço junto ao Tamisa digno de registo, uma loja com livros e DVD de tirar o fôlego e uma programação muito activa. Num mesmo mês ia receber Daniel Craig ou Tony Curtis para darem palestras de cinema... Vim de lá com um «pack» de filmes de Akira Kurosawa debaixo do braço.

AVAREZA. Apesar da diferença de níveis de vida, Londres parece tratar bem a cultura. Os filme existem para todos os preços, mas a maioria dos filmes estão de 8 a 12 euros. Depois, as promoções sucedem-se com um nível de ousadia que por cá não se vê... Exemplos? Ver obras de Spike Lee, Tim Burton, Spielberg ou Hitchcock a 3 libras (cerca de 4,5 euros). Foi por esse preço que trouxe uma edição de coleccionador de «Dois Homens e um Destino».

IRA. Num espaço de menos de 30 dias, o luto do cinema estendeu-se a Anthony Minghella, ao britânico Paul Scofield (de «Um Homem Para a Eternidade») e, mais recentemente, ao cineasta Jules Dassin. Chega?

PREGUIÇA. O tempo para ir ao cinema - aquele mesmo na sala escura... - continua a escassear. Apesar disso, as duas últimas vezes renderam cada cêntimo do preço do bilhete. Tanto «Este País Não É Para Velhos» como «O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford» são trabalhos exemplares.

LUXÚRIA. O Canal Hollywood tem insistido em transmitir o já clássico «Instinto Fatal». Apesar de se conhecer o filme de cor, o cruzar de pernas de Sharon Stone, bem como a teia em que Michael Douglas se vai embrenhando, continua a cumprir os seus propósitos. Mas ficou por aí, porque a sequela era apenas um simulacro esbatido da pulsão sexual do capítulo original.

INVEJA. A Pixar lançou um DVD onde compila todas as suas curtas-metragens, aquelas que iniciam sempre a sessão de uma nova longa-metragem. São sempre apetitosas produções, tão perfeitas que também irritam, até porque o estúdio insiste em não falhar. Mesmo quando não acerta, é sempre muito melhor que a concorrência... Recomenda-se!