23 de abril de 2010

NA SALA ESCURA: Os extremos da vingança

IRA. «A parte mais difícil não é tomar uma decisão. É viver com ela.» Jonas (Bruce McGill)

Os sentimentos inerentes à vingança são um manancial de ideias para um filme. Traduzir a dor e a angústia por imagens é sempre tão apelativo quanto a perversidade e o prazer de estar finalmente a ajustar contas.

Hollywood sabe disso e é por essa razão que a arte de fazer justiça é o cerne de um punhado de filmes todos os anos, assim como de séries televisivas em catadupa.

A proposta mais arrojada das últimas semanas neste campo chama-se UM CIDADÃO EXEMPLAR e é um trabalho bem executado que respira essencialmente dessa vontade acutilante de alguém se vingar. Só neste conceito está o confronto com a moralidade, o medo e um calculismo que alimenta o thriller, elevando-o para o território da quase demência.

Viver em função de um ajuste de contas pode ser difícil de sustentar por mais de hora e meia e este trabalho de F. Gary Gray ressente-se disso. Cai demasiadas vezes nas fórmulas do policial que se quer inteligente, mesmo quando esse esforço é em vão. Ninguém acredita na dose de maquiavelismo que sustenta a personagem de Gerard Butler, homem forçado a agir pelas próprias mãos, quando a Justiça não pune como deve os assassinos da sua mulher e filha pequena.

No fundo, o espectador está do lado do protagonista ao início, mas rapidamente se desprende quando percebe que as convicções do mesmo são apenas meras ilustrações artificiais de uma vingança que vai perdendo o sentido à medida que a acção avança e os planos do homem amargurado são tão imponderáveis quanto o caso Freeport ficar cabalmente esclarecido nos próximos seis meses.

Entre o filme de tribunal e o thriller de cortar a respiração, UM CIDADÃO EXEMPLAR consegue impor-se, ainda que à força e com a subtileza de um elefante numa loja de porcelanas. Elogia-se a entrega de Butler à sua personagem atormentada, o modo como a obra se desprende dos conceitos viciados de herói e vilão, além de que se tem de dar a mão à palmatória na conjugação de elementos que permitem pensar que um homem pode arruinar tudo à sua volta, mesmo encontrando-se preso numa apertada cela.

Pelo caminho, fica um contido Jamie Foxx como o promotor que tenta transmitir racionalidade neste jogo impróprio para cardíacos, ainda que seja um erro de casting. Afinal, de boas intenções está o inferno cheio e Butler engole Foxx desde os primeiros minutos. O filme é dele. E é ele que concentra os maiores méritos e defeitos deste trabalho musculado, que se deu muito bem nas bilheteira norte-americanas. A vingança pode ser uma obra de arte. Ainda que esta só se concretize no cinema.

UM CIDADÃO EXEMPLAR
De F. Gary Gray (2009)
* *
Depois da morte violenta da mulher e da filha, e quando os assassinos são indevidamente punidos, um homem amargurado demora dez anos a conceber um plano que prevê o fim de todos aqueles que estiveram de algum modo envolvidos na injustiça que lhe desfez o sentido da vida... É esta a premissa de mais um policial inventivo e forçado que o cinema norte-americano tanto gosta de explorar. É certo que testar os extremos da vingança impõe espectacularidade e assegura dramatismo em alguns papéis - Gerard Butler agarra muito bem a sua personagem -, mas também retira credibilidade e força o filme a entrar por caminhos hiperbólicos, que retiram coesão ao produto final. Um filme competente e dinâmico, mas apenas isso.

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