23 de fevereiro de 2010

NA SALA ESCURA: Cansado de fantasias

PREGUIÇA. «Primeira regra da estratégia de um combate: nunca deixes o teu rival distrair-te.» ANNABETH (Alexandra Dadario)

Pode ter havido épocas em que se desejou que o cinema se desvinculasse do realismo e apostasse na sua componente mais forte de escapismo. Nos períodos do film noir ou da nouvelle vague francesa pode ter-se sentido falta da fantasia. Porém, quando Hollywood descobre uma fórmula usa-a até à exaustão, com a dificuldade acrescida de ter vontade em replicá-la em desnecessárias sequelas.

O grande responsável pela proliferação de histórias fantasiosas vazias de sumo narrativo não é Harry Potter ou o clássico de Tolkien, mas sim o poder dos efeitos visuais. Hoje já tudo é possível de ser recriado sem os constrangimentos de se poder gerar um efeito de falsidade. O digital dispensa o elo humano, os seres mascarados presos por arames ou as doses excessivas de maquilhagem.

O caso mais recente de uma saga que se quer impor entre o público juvenil (aqueles que ditam aos pais o que ver na sala escura...) é PERCY JACKSON E OS LADRÕES DO OLIMPO, já em exibição. Para que tudo na oleada máquina do cinema comercial bata certo nada como recrutar um punhado de actores secundários de relevo - a que custa ver mais por estas andanças é a sempre excelente Catherine Keener! -, uma saga literária de fácil consumo com intermináveis capítulos subsequentes e até um realizador habituado a este tipo de espectáculo, Chris Columbus, que já deu o ponto de partida na saga de J.K. Rowling ao dirigir os dois primeiros capítulos de Harry Potter.

Desenhado ao milímetro para ter sucesso, o filme de Columbus é uma imensa manta de retalhos, fútil, desordenada e carente de ideias novas. Sabemos que temos um herói que não sabe que o é, que tem de partir numa missão absurda que o vai levar ao contacto com os deuses do Olimpo. Ele é, inclusivamente, meio humano, meio Deus, filho de Neptuno. A premissa pode ser simples, mas tem tantas ideias inacabadas que fica desde logo comprometido o efeito de identificação.
O modo atabalhoado como o herói descobre os seus poderes é de um efeito primário indiscritível e isto é só o começo... Pode-se elogiar a dinâmica da acção, a ausência de tempos mortos, mas não se perdoa a ineficácia das personagens, com a espessura de um fio de cabelo.

Por fim, o maior constrangimento vai - como já se disse... - para o elenco de secundários notáveis que aceitaram ganhar uns trocos extra para serem caricaturas andantes. Se, por um lado, Sean Bean ou Rosario Dawson quase passam incólumes, já Pierce Brosnan cai no ridículo e Uma Thurman parece querer repetir o desaire de «Os Vingadores» ou «Batman & Robin». Enfim, o entretenimento pode ser garantido para os fãs da saga literária. De resto, todos os outros ficam à porta.

PERCY JACKSON E OS LADRÕES DO OLIMPO
De Chris Columbus (2009)
*
Entretenimento juvenil não deveria querer dizer entretenimento vazio de conteúdo. Mas neste caso é o que acontece, ainda que mascarado de heroísmo interessado na Grécia Antiga, nos Deuses do Olimpo e em criaturas místicas que remetem para um inteligente imaginário. Neste caso tudo está feito para ser um sucesso de consumo rápido. Não há nenhum rasgo, só acção desenfreada e mistérios básicos para resolver. O cinema fantástico tem rapidamente de crescer, sob pena de ficar enredado nas mesmas fórmulas. Aprendam com Tim Burton, se faz favor.

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