8 de maio de 2007

DVD: Diário de um «serial killer» laboral

IRA. «Quando a expressão "destruir a concorrência" é levada muito a sério...» Nos grandes centros urbanos, onde a competitividade é palavra de ordem e a tecnologia de hoje já não é a mesma de amanhã, o mercado do trabalho não está fácil. Que o diga Bruno Davert (José Garcia), quadro superior de uma empresa de papel, que, após anos de dedicação, é vítima de um despedimento na sequência de medidas de deslocalização e redução de pessoal da sua empresa. Depois de tanto tempo de vida activa, que fazer quando o tapete é puxado abruptamente de debaixo dos pés, e toda a experiência e prestígio acumulados ao longo de anos a fio são colocados no caixote do lixo? É assim que o realizador Costa-Gravas (ainda hoje associado aos clássicos de culto Z - A ORGIA DO PODER ou O DESAPARECIDO, mas que tem dado pouco nas vistas nos últimos anos) em poucos minutos nos explica por que razão se observa Bruno, um homem culto, de meia-idade, com família estável e roupa aprumada, de pistola em punho disposto a disparar sem hesitar sobre homens com as mesmas habilitações e igualmente à procura de uma nova oportunidade. E é assim que o protagonista pretende voltar ao activo: aniquilando a concorrência, no sentido literal da expressão, para depois apagar as pistas que o possam incriminar e voltar à vidinha pacata de casa-trabalho. Mas haverá crimes perfeitos? Para concluir este plano diabólico, que se impõe ao espectador por subverter quaisquer regras de convivência numa sociedade cosmopolita, Bruno “só tem” de assassinar (!) cinco pessoas. Um projecto quase impensável de concluir, com direito a muitos percalços dignos de um thriller de Hitchcock, mas sem o perfeccionismo cénico do mestre do suspense.Com uma temática semelhante a outro êxito recente do cinema francês, O EMPREGO DO TEMPO de Laurent Cantet, esta obra polémica foi o filme de abertura da última Festa do Cinema Francês. Presente no evento, Costa-Gravas admitiu que GOLPE A GOLPE é uma obra extrema que procura lançar algumas luzes sobre os paradoxos dos dias de hoje. Onde se apunhala o outro pelas costas (e nem sempre em sentido meramente simbólico…).

GOLPE A GOLPE * * * *
O filme está construído com uma dose de cinismo típica das histórias de Patricia Highsmith – em várias sequências da história, Bruno é uma espécie de Mr. Ripley mas, apesar de tudo, mais lacónico e visceral. E a habilidade dramática de Costa-Gravas é tão grande que leva o espectador a esquecer por momentos o binómio Bem-Mal e a torcer para que Bruno, numa soberba composição de José Garcia, nunca venha a ser apanhado pelos seus crimes – feito que Woody Allen conseguiu há bem pouco tempo com o seu MATCH POINT. A perversão dos argumentos utilizados sobre o rumo das democracias ocidentais e das grandes empresas – que parecem privilegiar todos os caminhos para chegar ao lucro imediato – torna GOLPE A GOLPE num filme incómodo, mas é impossível não se deixar envolver pelo jogo emocional de um herói-vilão à beira de um ataque de nervos. A edição nacional em DVD possui apenas o «trailer» como extra.

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