22 de setembro de 2007

O QUE AÍ VEM... Cidade dos Homens







IRA.
«A expressão 'cosmética da fome' sugere que fazemos uma estética publicitária, mas isso é vazio de sentido.»
PAULO MORELLI, Realizador

Quando estive há pouco no Brasil, o filme tinha acabado de chegar às salas. A polémica instalou-se sob críticas de que a adaptação para cinema da série televisiva era uma forma de recuperar o imaginário estilístico e narrativo de «Cidade de Deus».

Na verdade, A CIDADE DOS HOMENS procura apresentar um desenvolvimento emocional das personagens Acerola (Darlan Cunha) e Laranjinha (Douglas Silva), previamente apresentada na bem sucedida série homónima que a Rede Globo exibiu com relativo sucesso.

Agora há que enfrentar a idade adulta: o primeiro tenta encontrar o pai desconhecido, enquanto o segundo tenta melhorar a vida para sustentar o filho pequeno. Para completar e dificultar a história que insiste no realismo despedaçado dos subúrbios brasileiros, há ainda nesta história de Paulo Morelli uma guerra entre duas facções do tráfico de droga que coloca a dupla de amigos em campos opostos.

À parte dos méritos dramáticos do filme, CIDADE DOS HOMENS relançou uma discussão no Brasil: aceitar o impacto de «Cidade de Deus» no contexto contemporâneo da dramaturgia brasileira.

É inegável que a obra de Fernando Meirelles (a rodar nos Estados Unidos a adaptação de «Ensaio Sobre a Cegueira» de José Saramago) mudou alguma coisa não só no cinema brasileiro como mundial ao expor com habilidosa paleta visual o universo decadente e contraditório das favelas. Mas o filme não é bem aceite por ter minado a visão exterior do cinema brasileiro. Daí a expressão «cosmética da fome», insistentemente referida para descrever a obra de Meirelles e à qual o próprio Morelli não consegue escapar.

De costas voltadas perante o fenómeno «favela pop», os críticos brasileiros não cedem nos seus egos perante a exposição (exagerada, certamente) crua de um Brasil diferente dos postais turísticos.

Pois bem: para lá dessa recusa, «Cidade de Deus» é um belíssimo mosaico social, marcado por um novelo dramático rico, que expõe com clareza vidas estilhaçadas. Além disso, é uma produção esteticamente poderosa que, de facto, marcou o novo cinema urbano, graças à sua montagem agressiva e à sua fotografia de cores quentes - atente-se, por exemplo, no sul-africano «Tsotsi» para se perceber a sua influência.

Houve quem o copiasse descaradamente, mas não parece ser o caso deste novo CIDADE DOS HOMENS. Afinal, podem haver abordagens distintas do mesmo universo...

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