3 de novembro de 2006

"Hip hop"... hurra!

É um facto: as músicas "hip hop" e "R&B" transformaram-se em música pop por excelência (e símbolo da nova geração MTV), lançando o rock para circuitos menos mediáticos, aspecto que lhe deu novo fôlego em matéria de reconhecimento. Basta olhar para as tabelas de "singles" mais vendidos, as vastas listagens da Billboard ou, à portuguesa, perder um minuto a ver o formato estafado do programa "Top+". Pessoalmente, aprecio as batidas, o ritmo de um ou outro compositor da área – acho que Timbaland, Neptunes, Will.I.Am têm feito excelentes trabalhos na transformação de artistas desinteressantes em intérpretes de música sofisticada, plástica e ritmicamente elaborada. Exemplos? O último disco de Nelly Furtado é uma boa surpresa, a estreia a solo de Pharrell Williams também, sem contar com o novo peso de artistas, já no campo da "neosoul", como Jill Scott, Maxwell, Amp Fiddler, John Legend, Erykah Badu ou Anthony Hamilton. Isto para dizer o quê? Que a música negra norte-americana, inicialmente de "ghetto", ganhou fama, estilizou-se e o cinema obviamente que se interessa pelo fenómeno. Mediaticamente, a visão de Curtis Hanson do fenómeno Eminem (felizmente, descolando-se dele...), em 8 Mile, foi o primeiro passo sério na análise deste género musical, centrando-se nos duelos de improviso de rimas cortantes entre dois ou mais intérpretes que sentem o peso da marginalidade no corpo e depois o traduzem por palavras. 50 Cent tentou também transpôr a sua ascensão no grande ecrã mas deu um tiro no pé, mesmo convocando um dos mais sólidos cineastas contemporâneos, Jim Sheridan, que, com Get Rich Or Die Tryin', conseguiu a proeza de realizar o seu filme menor. O último caso que chamou a atenção da Academia (venceu o Óscar de Melhor Canção no ano passado) é Hustle & Flow, retrato amargurado de um proxeneta que sonha ser artista respeitado de "hip hop". Um sonho que pode ser conseguido pela ordem inversa das coisas. Mais um conto desencantado, já disponível em DVD, que merece ser visto com atenção. Embora musicalmente pouco entusiasmante, é mais uma pista para se compreender a cultura musical que partiu da rua. Com todos os seus preciosismos e desigualdades.

Pecado do Dia: Ira

Djay (soberbo Terrence Howard, justamente nomeado para a estatueta dourada de Melhor Actor graças a uma complexa composição que oscila entre a marginalidade e a busca da redenção pelas rimas) é um homem desenquadrado, misógino, que usa o corpo das mulheres que vivem consigo para ganhar dinheiro. O seu modo de vida promíscuo e rude é, desde logo, descrito no início de Hustle & Flow, num aparente monólogo... A mensagem que passa (e passará ao longo de todo o filme) é performativa: "A vida de um chulo não é fácil!" O realizador Craig Brewer tira partido da amargura do protagonista, para construir uma espécie de "taxi driver" do "hip hop" (perdoe-se a heresia...) que quase vê a luz quando encontra um colega de infância, agora produtor, e a quem convence ajudá-lo a construir um disco. Os meios são escassos e a imaginação também, mas é a verborreia de Djay e a sua noção de ritmo que vão predominar. Mas o "sonho americano" não chega da forma esperada e a vida dura será mesmo assim até ao fim... Hustle & Flow é um murro no estômago e nas convicções do drama social. Musicalmente é estereotipado, mas vive mais pela aspereza dos diálogos, até ao clímax final, embricado na história sem exageros. Um olhar interessante para as novas tonalidades do "hip hop", que demora a desprender-se da retina... * * *

1 comentário:

emot disse...

Já começa a cansar a moda do hip hop. Começou por ser out e passou a ser in. Como vende ficou uma arte pop e demasiado estética para o meu gosto, apesar de apreciar várias bandas do estilo. Em Portugal o fenómeno atinge o seu expoente máximo agora, veja-se os nomeados para os prémios MTV!!
Abraço