22 de novembro de 2006

Morreu o cineasta dos mosaicos narrativos

Altman filmou até ao fim. O seu último trabalho, A Prairie Home Companion, foi rodado já com o cineasta em estado muito débil e com a supervisão de Paul Thomas Anderson para que, no caso do declínio do mestre, o jovem realizador de Magnólia pudesse assumir as rédeas do projecto. Mesmo assim, Altman concluiu aquele que seria o seu derradeiro projecto (morreu ontem, aos 81 anos) e que respeitou, mesmo assim, a tendência narrativa das suas obras mais famosas: mosaicos intensos, interpretados por um leque de grandes estrelas (sempre desejosas de entrarem num novo projecto de um realizador que tinha a interpretação como um dos valores superlativos do seu cinema), uma atenção especial à música e, no fundo, várias vozes para transmitir uma mensagem. Deixa saudades? Certamente que sim, por ter construído (salvo algumas excepções, como o estranho Popeye com Robin Williams...) muitos dos mais sólidos modelos narrativos e questionando sempre as potencialidades do cinema comercial. Nunca recebeu um Óscar como Melhor Realizador, apesar de diversas nomeações, mas a Academia compensou a negligência com uma estatueta dourada de homenagem na última edição (onde Altman lançou algumas farpas no discurso, mostrando estar já com uma aparência frágil, dilacerada pela doença). Obras inesquecíveis? M*A*S*H*, Short Cuts - Os Americanos ou o mais recente Gosford Park. E, claro, O Jogador, obra de transição para um modelo de reabilitação cinematográfica, depois de uma década de 80 mais vulnerável. Mas o próprio Altman era um jogador da indústria do cinema, sabendo fintá-la nos momentos certos para filmar sempre segundo os seus valores. E a câmara de Altman era inteligente como poucas...


Pecado do Dia: Soberba

Tim Robbins é o rosto perfeito para incarnar a personagem dúplice que protagoniza este passeio obscuro pela "feira de vaidades" de Hollywood. Trata-se de Griffin Mill, um produtor de cinema que começa a ser chantageado por um argumentista cuja história foi negligenciada. É assim que Altman constrói um interessante novelo, com paragens obrigatórias em diferentes pontos de uma indústria a olhar para o seu umbigo. O Jogador é, por isso, um jogo de egos, de frases memoráveis ("A única coisa que quero é ver-me livre dos realizadores e actores para ver se chego a algum lugar neste filmes") e um sinal de vitalidade narrativa. O "cameo" final de Bruce Willis e Julia Roberts é tão estranho quanto essencial para dar forma a este caleidoscópio de vícios onde há lugar para todos e mais alguns. * * * *

1 comentário:

emot disse...

Incrivel como o Magnolia (marcante), do PT Anderson, "bebe" tanto de Altman - exactamente nos mosaicos narrativos que resultam tão bem. Conheço pouco de Robert Altman e só tenho pena que a sua morte (recebeu um Oscar honorário ainda este ano) seja o que me apressa a ver o resto da sua obra, que me falta ver.