6 de novembro de 2006

NA SALA ESCURA: Um fresco histórico de perder a cabeça

Recebeu elogios e apupos na estreia em Cannes e percebe-se porquê: a visão que Sofia Coppola realizou sobre a vida de Marie Antoinette não é a da mais convencional abordagem histórica porque se centra nos pequenos "nadas" de que era feita a vida num palácio em vésperas de Revolução Francesa. O estilo já o conhecemos de Lost in Translation: difuso, interrogador e algo niilista. Porém, com Marie Antoinette a realizadora deixa-se dominar pela opulência, os rituais historicamente datados e dá uma perspectiva moderna do universo controlado da realeza. Kirsten Dunst veste a pele na perfeição porque possui o rosto de menina obrigada a virar rainha, sem contudo perder o ímpeto de quem se vê subitamente espartilhada perante um meio feito de múltiplas linguagens e muitas ironias (principalmente observadas perante os padrões sociais de hoje). E é precisamente esse estilo de filmar, entre o fascínio pelo requinte monárquico e a ironia pura, que a obra convence. Mais do que profundidade histórica, Coppola preferiu o falso deslumbramento.O que não é de todo negativo. É apenas uma forma de filmar diferente para a maioria das obras que se estreiam no circuito comercial de cinema. Mas que começa a ser norma num estilo de uma jovem realizadora a querer (com aparente desinteresse) o prestígio cinéfilo.

Pecado do Dia: Soberba

Como contar a história de Maria Antonieta sem cair na tentação de mostrar o desenlace mais
mediático da sua história? Sofia Coppola não precisa dele... Em vez da guilhotina, a realizadora mostra o destino da jovem rainha de uma forma simbólica numa belíssima cena passada numa das varandas do Palácio de Versalhes. Este é só um detalhe narrativo de uma cineasta que continua a dar cartas num "cinema comercial alternativo" (se é que tal categoria existe). E já se começam a denotar marcas no seu estilo, corroboradas poe este opulento Marie Antoinette: o recurso a banda sonora "rock" nostálgica (para criar um assumido efeito de desenquadramento com o ritmo de vida na segunda metade do século XVIII), uma forma despojada de enquadrar a acção, a aposta nos silêncios e diálogos lacónicos e o olhar para as distâncias e particularismos entre seres humanos – como se comprova na relação mais protocolar do que afectiva entre Antoinette (Dunst) e Luís XVI (Jason Schwartzmann, num registo bem conseguido de sexualidade subtilmente ambígua). Na verdade, o filme é um fresco excessivo sobre a ostentação da realeza e parece ter "pouco sumo" quanto às implicações históricas das figuras em causa. Isso pouco importa aqui... Pode soar a desperdício (as críticas negativas aproveitam muito este argumento), mas é bom observar a ousadia de retratar a figura de uma rainha mais humana, frágil e desenquadrada do que com os facilitismos heróicos. Muita opulência, para pouco, dirão alguns. O suficiente para transmitir as emoções invisíveis mas genuínas que Coppola tão bem caracteriza. Destaque ainda para as presenças de Judy Davis e Marianne Faithful que, no meio de tanto luxo, pouco mais são do que figurantes... O que resulta numoutro sinal de ousadia artística ou, para os detractores, mais uma deixa para o desperdício artístico desta obra. * * *

Sem comentários: