18 de outubro de 2007

NA SALA ESCURA: A morte tem graça








INVEJA.
«O chá pode fazer muitas coisas, Jane, mas não pode ressuscitar os mortos.» Sandra (Jane Archer)


Que segredo têm os britânicos para fazerem rir? Um cinismo fora do comum. Uma imaginação politicamente incorrecta. Dizerem as maiores barbaridades com o ar de quem está a expressar a coisa mais inocente do mundo. E depois há ainda a argúcia, o sotaque, a postura superior e a vontade constante de se distanciarem da cultura mainstream norte-americana.

Basta pensar que criaram um género televisivo e onde, na verdade, são imbatíveis. A britcom é talvez o mais generoso formato de série criado e recriado pela BBC, canal de serviço público. A RTP devia ficar envergonhada e só perde se quisermos traçar a mais distante comparação.

Se já há décadas os britânicos não tinham concorrência em matéria de entretenimento humorístico para o pequeno ecrã, o cenário cinematográfico também se alterou a partir de 1994, ano em que Hugh Grant e Andie MacDowell viveram um estranho (e irresistível...) romance em «Quatro Casamentos e um Funeral». De um momento para o outro, e com muitas receitas de bilheteira para o comprovar, a comédia romântica britânica tornou-se uma indústria bem sucedida e criou um estúdio - a Working Title - que não tem abrandado na produção: «O Diário de Bridget Jones», «Notting Hill» ou «O Amor Acontece» são talvez os exemplos mais óbvios.

Mas qualquer um deles fica muito acima da mediania de Hollywood, especialista em produzir sucedâneos. É como disse Stephen Frears - cineasta inglês, não é por acaso - quando passou por Lisboa: «Em Hollywood fazem-se filmes como se fazem carros.» Há alguns topos de gama, mas há também muitos iguais uns aos outros.

MORTE NUM FUNERAL herda a grande maioria dos seus genes dramáticos desta herança inglesa de saber fazer rir. Embora seja uma co-produção anglo-americana, a sua génese é
very british.

E essa é a sua força motriz, auxiliada pela direcção de Frank Oz, nem por acaso o britânico experiente na matéria que, pelo caminho, dobrou também a voz de Yoda para a saga de George Lucas. E em que é que resulta esta nova comédia? Num olhar desempoeirado sobre a morte, que em vez de um ponto de chegada é apenas a premissa para reunir um naipe caricato de personagens e deixar desfilar um sem número de enganos narrativos, comédia física do melhor (Jim Carrey: a ver se aprendes alguma coisa), trocadilhos à inglesa e rir.

Rir da morte. Talvez o mais difícil, mas também o mais eficaz. MORTE NUM FUNERAL disperça-se a meio, hesita sobre como juntar os (poucos) fios do novelo, mas não precisa de mais. A sua mais-valia está nas peripécias dignas de sitcom e na ironia que destila no elenco. De resto, é de morrer a rir. Lugar comum que aqui encaixa como um luva. Ou um caixão.



MORTE NUM FUNERAL
De Frank Oz (2007)
* * * *

O genérico é prometedor: uma carrinha funerária segue por vários caminhos entrecruzados e perde-se num mapa urbano onde aparecem os nomes da equipa. E que equipa: Matthew MacFayden, Jane Archer, Andy Nyman, Ewen Bremmer e até Peter Dinklage revelam um timing cómico imbatível que faz o contraponto perfeito para o funeral de um intocável e prestigiado pai de família. Depois o que há? Um anão misterioso, um idoso com prisão de ventre, um homem dopado com droga alucinogénica, um hipocondríaco, uma viúva frígida. Gente normal é que não se vê nas redondezas. E ainda bem, porque assim a comédia funciona melhor. Exemplo da britcom certeira em registo de longa-metragem, o filme funciona em todas as frentes. E até as suas debilidades passam para trás das costas. Este é o funeral mais vivo de que há memória.

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