9 de maio de 2008

Crime, dizem elas








SOBERBA.
«Não existe amor feliz.» MAMY (Danielle Darieux)

No outro dia revi este filme, que é um importante tratado cinematográfico, não só em matéria de estrutura, mas também na homenagem que faz ao cinema francês e às suas actrizes.

Oito mulheres, oito «egos» que se confrontam num jogo de mentiras e de verdades dúbias. Cada uma com o seu telhado de vidro, mas também com o seu charme, o seu perfume.


A acção, em jeito de opereta, desenrola-se em plena década de 50, numa casa de campo isolada, num dia de neve natalícia, onde oito mulheres elegantes se questionam sobre a autoria da punhalada que matou o patriarca e único macho da casa. Todas elas tinham contas a ajustar com o chefe de família e, deste modo, todas são suspeitas. Como qualquer bom filme policial, o argumento deste é armadilhado. Há sempre revelações estrondosas e um desfecho singular.

Na verdade, enquanto obra de suspense, OITO MULHERES é até bastante linear, com uma estrutura idêntica às boas histórias de Agatha Christie. François Ozon parece usar a história como motivo secundário para fazer brilhar oito das mais carismáticas actrizes francesas: Catherine Deneuve (a esposa do falecido), Fanny Ardant (a irmã misteriosa), Isabelle Huppert (a cunhada), Virginie Ledoyen (a filha mais velha), Emmanuelle Béart (a empregada), Danielle Darrieux (a sogra), Firmine Richard (a governanta) e Ludivigne Sagnier (a filha mais nova).

Aqui há uma lógica entre causas e efeitos: cada uma das personagens transporta em si as consequências dos seus actos passados, o que vai estar na base dos conflitos que vão crescendo entre elas até ao clímax e ao posterior desenlace.

Depois das premissas iniciais, o clima adensa-se. Há novos factos que confundem o espectador e que constituem pistas ou obstáculos para se chegar a uma verdade, ou melhor, à verdade do filme: quem matou o chefe da casa? Descobre-se que afinal a empregada tinha um romance com o patrão, a sogra devia-lhe dinheiro de acções, a esposa contava sair de casa por não suportar mais a relação, a filha mais velha afinal não é filha dele e a governanta tem um caso com a misteriosa irmã da vítima. Tudo é revelado de rajada num exercício de comprometimentos irrevogáveis.

No fim, todas acabam por ser responsáveis e a emoção e a surpresa acabam por regressar quando algo, que é preferível não contar, acontece.

Pode dizer-se que é a pedra de toque para uma história feminina, em que cada mulher se exibe como se figurassem em quadros. Sobretudo, quando interpretam, à vez, números musicais que adocicam o filme e o tornam mais sensível e leve.

No fundo, 8 MULHERES é um exercício de estilo, de puro prazer, que assume uma teatralidade que joga a seu favor, gerando uma ligeira sensação de que se está a assistir a uma peça de teatro e não tanto a um filme.

Porém, se essa teatralidade justifica a explosão cromática e o cenário limitado de uma casa (para salientar o efeito de clausura), já os números musicais, as maquilhagens e os vestidos esvaziam um pouco a história da sua profundidade e inserem todo o ambiente no campo da caricatura e dos exageros de personalidade.

Na verdade, cada actriz representa uma «personagem-tipo», mas não deixa de ser interessante observar o confronto lascivo entre elas.

Na sessão de apresentação desta sua quinta longa-metragem, o realizador François Ozon admitiu: «Pensei em fazer este filme para o meu próprio prazer. É verdade que tive o casting ideal. Tive todas as actrizes que quis.»

Definitivamente, neste mundo, os homens não têm espaço. Elas armam a tenda: falam, cantam, dançam, discutem, choram, riem, vivem. Chegou-se a dizer que este filme tratava de pegar nas maiores actrizes de cada geração (faltam cá só Jeanne Moreau, Juliette Binoche, Sophie Marceau ou Julie Delpy) e de confrontá-las como animais ferozes de circo.

É um pouco isso. Mas é também muito mais: trata-se de regressar ao imaginário feminino de Vincente Minelli, George Cukor ou mesmo Woody Allen e recriar uma atmosfera esteticamente bela e preenchida por um glamour irresistível.

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