30 de outubro de 2008

NA SALA ESCURA: A dor como passo seguinte







AVAREZA.
«Depois do êxito de 'A Esposa Turca', bloqueei, pensando que não faria outro filme igual» FATIH AKIN

É caso para dizer que não fez outro filme igual, fez um ainda melhor.

Na sua singularidade, DO OUTRO LADO coloca Fatih Akin como um dos mais interessantes cineastas novos, capaz de criar um poderoso imaginário visual, a partir de histórias sólidas, que trazem pessoas lá dentro.

Novamente entre a Turquia e a Alemanha - os dois países que moldam a identidade do próprio realizador -, o filme revela maturidade e um olhar mais denso e calculado do que a pulsão avassaladora que era o excelente «A Esposa Turca».

Desta vez, o que importa é a dor e a forma como um grupo de personagens diverso lida com ela. Neste ponto, Fatih Akin revela engenho na gestão dos diversos retalhos dramáticos que, rapidamente, fazem sentido, gerando uma reflexão poderosa sobre a morte e os seus efeitos em quem sobrevive a ela.

Ao pensar a melancolia e, acima de tudo, a tristeza, o cineasta não cai no sentimentalismo bacoco, optando por criar quadros visuais lacónicos que, por essa natureza, se revelam ainda mais intensos.

Depois, DO OUTRO LADO tem aquele mérito de começar de uma forma para acabar em outra completamente distinta, apesar dos primeiros planos anteciparem o final e favorecerem o reconhecimento do belíssimo plano derradeiro (aliás, exposto no cartaz promocional da obra).

Neste ziguezague entre Alemanha e Turquia, o prazer é redobrado para quem esteve em Istambul e sente a intensidade de uma cidade gigantesca dividida entre Ocidente e Oriente, entre o mundo árabe e o europeu. Até aqui, Fatih Akin é genuíno na capacidade de expor os ambientes mesclados da cidade.

Depois, há ainda a reter as boas interpretações, com o natural destaque para Hanna Schygulla que, num quarto de hotel, protagoniza uma sequência assombrosa. Não é por acaso que o protagonista, vivido por Baki Davrak, lhe diz que foi fácil saber quem ela era num restaurante, por «ser a pessoa mais triste desta cidade». É já um dos filmes do ano.

DO OUTRO LADO
De Fatih Akin (2007)
* * * * *
Um velho operário turco faz um contrato com uma prostituta, que não corre bem e termina com a morte acidental desta. Impressiondo pela tragédia, o filho dele decide encontrar a filha desaparecida dela, que pertence agora a movimentos revolucionários dentro de uma Turquia multicultural e indecisa entre a génese árabe e os novos apelos da vida europeia. Este é só o ponto de partida para um novelo algo folhetinesco, mas que se transcende pela excelente realização de Fatih Akin, que faz da sua dupla identidade geográfica uma mais-valia cinematográfica. O seu cinema é agora calculado, sincero e... melancólico. Uma homenagem à morte e às suas múltiplas consequências. No fundo, o que este sublime filme nos diz é que um fim traz com ele muitos novos começos.

Sem comentários: