21 de março de 2009

NA SALA ESCURA: Filmar a alegria









AVAREZA. «Não podes fazer toda a gente feliz.» ZOE (Alexis Zegerman)

Há quem diga que o segredo da perfeição está na simplicidade. E uma coisa simples, nas doses certas, é tão difícil de alcançar como ver golfinhos no rio Sado. No cinema, é raro encontrarmos casos de genuína contenção, que representem um equilíbrio entre densidade dramática e aprumo técnico.

Houve recentemente nas salas nacionais uma «pérola dessas», sintoma de que a sétima arte pode ser um bálsamo para a auto-estima sem precisar de recorrer a fórmulas demasiado cruas ou sobre-exploradas.

Simplicidade não quer dizer simplismo. Quer dizer, no caso de «Um Dia de Cada Vez», muito bom gosto e genuíno espaço aos pequenos prazeres que moldam uma personalidade.

O realizador Mike Leigh, habituado a dramas humanos com um peso emocional sempre no limite, abranda nos efeitos do sofrimento e opta por igualmente se estender nos afectos, aqui meramente positivos. Viver não custa, custa é saber viver, parece-nos gritar o cineasta de «Vera Drake». Ou melhor, explica-nos ao ouvido: o segredo está nas pequenas coisas.

Ao construir um filme em torno do dia-a-dia de Poppy, a mais simpática e doce das professoras primárias de Londres, Leigh quer pensar o lugar da felicidade nas sociedades contemporâneas e mostrar que ser bem disposto é possível. Difícil mas possível.

Em jeito de lufada de ar fresco, «Um Dia de Cada Vez» impõe-se levemente ao espectador que se deixa derreter pela vivacidade extraordinária de Sally Hawkins, uma revelação. A mensagem sobre o poder da felicidade passa, sem se precisar de insistir no moralismo. Até porque ser feliz pode causar dissabores, como Poppy também percebe, nomeadamente na relação que ela estabelece com o seu instrutor de condução (aplausos para o desempenho de (Eddie Marsan).

Outra crítica AQUI

UM DIA DE CADA VEZ
De Mike Leigh (2008)
* * * *
É o bálsamo do ano de 2008 e merecia ter sido muito mais promovido entre nós. Não só porque esta produção britânica privilegia as suas personagens sem as reduzir a meras caricaturas de uma qualquer sitcom, como o modo como Mike Leigh nos conduz para a vida genuinamente bem disposta de Poppy é altamente criativo e muito bem filmado. Depois há uma extraordinária Sally Hawkins, a mostrar que um bom desempenho alegre pode ser tão ou mais difícil do que os tétricos. A mensagem de carpe diem não enjoa e o realizador de Segredos e Mentiras comprova que é exímio nas análises ao comportamento humano. A felicidade está logo ali ao virar da esquina...

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