8 de dezembro de 2006

Mudar de máscara como Welles

... "É preciso mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma." A máxima ficou famosa no clássico O LEOPARDO de Visconti e é aqui apropriada para introduzir um ligeiro "refresh" no SIN CINEMA - o primeiro desde a sua fundação. O conceito, embora não estanque, mantém-se inalterado e o que se pretende, essencialmente, é que estes breves apontamentos sobre obras de todos os tempos (e disponíveis seja em cinema, DVD ou televisão) tenham uma leitura mais atraente. No fundo, seguir sugestões que, a pouco e pouco, começam a chegar dos primeiros leitores assíduos deste modesto "blogue". Ideias há muitas, tempo para as concretizar é que nem por isso... Assim, sem grandes compromissos, além de continuar a encarar a Sétima Arte como 8.º Pecado Capital (como é que eu me lembrei disto?!), tentarei identificá-las melhor. E quem sabe produzir alguns ciclos... Para já, deixo uma recomendação para este feriado de Dezembro: o quase desconhecido RELATÓRIO CONFIDENCIAL, ou a outra realização de Orson Welles em que se percebe que O MUNDO A SEUS PÉS não foi fruto do acaso, dado os pontos de contacto entre os dois filmes.

Pecado do Dia: Soberba
RELATÓRIO CONFIDENCIAL
DVD Prisvídeo * * * *
Com o título original de MR. ARKADIN, este outro retrato megalómano de Orson Welles sobre um aristocrata que não se consegue desprender do vício do poder transmite bem a ideia de que Welles conseguiu, de facto, criar um estilo, elevando sempre o seu cinema para um nível técnico de profundidade e, respirando, já nesta etapa algo densa da sua carreira, as influências que Espanha teve no seu percurso (atente-se nas belíssimas sequências criadas durante as procissões religiosas). Porém, em RELATÓRIO CONFIDENCIAL, o magnata do título é assumidamente um vilão que consome a energia de quem o circunda e acaba por se render ao poder de forma mais perversa do que o célebre Citizen Kane. O que se pretende é o jogo de manipulação psicológica (bem construído sob a premissa de um pedido de Arkadin para que se investigue a sua vida, enquanto vai eliminando as "peças" pelo caminho), com a elipse narrativa habitual e uma composição exageradamente esculpida por Welles (aqui, já com dificuldades para levar os seus projectos de cariz imagético-literário a bom porto). No final, percebe-se que "o monstro tem pés de barro" e, em vez de "Rosebud" Mr. Arkadin possui um vínculo familiar que o pode fazer cair por terra. Mais um ponto alto numa carreira em que o cinema era força, fusão de cena com subtexto. E RELATÓRIO CONFIDENCIAL é um manancial de duplos sentidos, uma história que coloca a moral em cheque em nome de mais uma poderosa "persona". Ou máscara, se se preferir.

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