19 de março de 2007

DVD: A vida é um acto de violência

IRA. «Quanto mais nos aproximamos da esperança, menos ela nos parece bela.»A última frase que o protagonista Frankie confessa ao espectador entre dentes, na descrição da história da sua vida, não é aquela que os ouvidos mais gostavam de escutar, mas a que melhor ilustra as peripécias motivadas pela violência e pelo álcool. Nesta primeira obra do surpreendente Richard Jobson, que também escreveu o romance original (de travo semi-autobiográfico), o que conta é o realismo atmosférico, as voltas que o protagonista faz para regressar “à casa partida” – isto é, a uma existência ingénua e impoluta –, tendo uma Escócia cristalizada no tempo como cenário difuso. É bom descobrir o novo cinema europeu, nem que seja numa prateleira discreta de uma loja de DVD. Em 16 ANOS DE ÁLCOOL, há um olhar para o umbigo e um sentido existencialista que se concretiza grandemente pelas motivações e ideias cinematográficas do seu jovem realizador. Jobson filmou a história totalmente em Edimburgo e procura retratar três períodos distintos da vida de Frankie (Kevin McKidd): ele tanto é uma criança que começa a embebedar-se na pré-adolescência por não suportar a infidelidade do pai; como também o jovem adulto que gosta de responder à realidade com a violência física e a inconstância emocional; e, por fim, o ser cansado do vício, à procura da redenção, mas nem sempre capaz de evitar os malabarismos do destino. Será que o temperamento de Frankie justifica uma obra totalmente criada em seu torno? O mais possível, dado que a intenção de 16 ANOS DE ÁLCOOL é a de pegar nos dilemas da personagem principal para reflectir sobre as várias máscaras e jogos mentais que cada pessoa usa e usará ao longo da sua vida. E é nessa constatação (e, simultaneamente, na manipulação de estilos de filmagem, que conseguem reflectir estados de espírito como a interrogação ou a ira extrema), que o jovem cineasta Richard Jobson cria um ponto de vista com quase duas horas de duração e descreve as muitas mais lições de vida – e morte… – que tem para dar.

16 ANOS DE ÁLCOOL * * * *
Com planos de conjunto inventivos e muito arrojo na construção de enquadramentos emocionais, este filme é uma delícia visual. Pela forma verosímil e despojada de artifícios como a obra está construída, rapidamente se tornou fenómeno de culto. De projecto marginal, passou a coqueluche dos mais variados festivais europeus: venceu os principais prémios de interpretação dos British Independent Awards e passou pelos Festival de Locarno ou de Dinard, num sinal de reconhecimento importante. O filme não deixa de ser um reflexo da forma como poucos meios não são sinónimo de mediocridade e também sinal de que existem ideias cinéfilas no Reino Unido para lá da Inglaterra. A espaços, 16 ANOS DE ÁLCOOL quase se poderia definir como um novo Trainspotting, pelo olhar amargo de homens sem coordenadas. Apesar deste filme, que chega ao DVD numa edição sem extras além do trailer, ser mais pessoal e menos anárquico do que a obra alucinante que revelou Ewan McGregor.

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