1 de julho de 2007

Recordar um último mergulho

AVAREZA. «Uma vida sem liberdade não é uma vida.» Ramón Sampedro (Javier Bardem)
Num dos extras da edição dupla de MAR ADENTRO, o realizador Alejandro Amenábar explica que a única reincidência dramática nas suas três longas-metragens mais mediáticas – além deste melodrama, dirigiu ainda o conto de fantasmas OS OUTROS e DE OLHOS BEM ABERTOS – é a morte. Não por ser um crente fervoroso na metafísica da alma, mas por se sentir incomodado com a ideia de fim. A seu ver, quando um corpo morre volta tudo a ser como era antes de se nascer e restam as memórias para fazer permanecer a identidade. MAR ADENTRO é, por isso mesmo, um conto nostálgico e expressionista sobre um homem que, preso a uma cama há cerca de 30 anos, deseja ter o direito de pôr termo à vida, aquela que um mergulho descuidado o tornou num simulacro desconfortável. Para evitar cair na claustrofobia de um caso verídico que levou a Espanha a ter de lidar com a problemática da eutanásia, Amenábar desdenha o ambiente negro que havia optado nas deambulações de Nicole Kidman pela casa cheia de portas fechadas em OS OUTROS e ilustra toda a acção deste filme com uma intensa luminosidade que entra pela janela do quarto onde Ramón Sampedro (Javier Bardem) passou os anos mais longos da sua vida. É por esse rectângulo de luz que a personagem sonha com a liberdade, contempla o horizonte e perde-se em fantasias aladas. E é por este elemento metafórico que o realizador espanhol consegue mostrar ao espectador que Sampedro, apesar de ser obcecado pela morte, era uma pessoa cheia de vida. Exercício de hiper-realismo e contenção, MAR ADENTRO foi um dos maiores êxitos de bilheteira em Espanha no final de 2004 e viria a conquistar o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Com ele, reavivou-se o caso amargo de Sampedro, um homem acarinhado por uma família modesta, mas que lutou judicialmente para morrer. Em seu torno giram ainda duas mulheres: Júlia (Belén Rueda), uma frágil advogada que está disposta a apoiar a decisão do ex-marinheiro, e Rosa (Lola Dueñas), uma vizinha que se vai aproximando do protagonista e se deixa envolver pela sua estranha capacidade de sedução – Sampedro era bem humorado porque dizia que, estando imóvel durante tanto tempo, tinha aprendido «a chorar, rindo». Na edição cuidada de dois discos de MAR ADENTRO, além do «trailer» e da apresentação de cenas cortadas, a produção apresenta um detalhado documentário que acompanha todas as fases de rodagem, desde a escrita do argumento à montagem. E é neste documento visual que se aprofunda a relação obsessiva do actor Javier Bardem com a personagem de Ramón Sampedro: trata-se de um caso único de «incorporação», reflexo de um dos maiores talentos do momento que não se deixa dominar pelo poder da maquilhagem e deixa passar as emoções, muitas vezes, apenas com um olhar. Em busca do «último mergulho».

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