17 de julho de 2009

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (X)











Caros irmãos Lumière,

É estranho o fado do cinema português. Nunca conseguiu recuperar o seu lugar mediático desde que o pequeno ecrã invadiu o quotidiano do povo. Antes, nos tempos áureos da rádio e do convívio de bairro, que é como quem diz no Estado Novo, havia o hábito de ir ao cinema e este nunca teve tanto peso como nesses tempos.

É certo que havia controlo, algum condicionalismo, mas havia graça, sátira e genuíno humor popular. Foi um raro momento (as décadas de 1940 a 60) de compatilidade entre o que se queria filmar e o que se queria ver. Pode dizer-se que era um cinema formatado, pouco criativo e até redutor. Mas a lógica e as barreiras são as que a televisão sofre no dia de hoje: a questão sobre o descontentamento dos produtos é facilmente contornada por quem manda com os níveis de audiência.

Mas será que o cinema deve ser como a televisão é hoje em dia? A meu ver, enquanto arte de apelo global, deve permitir todo o tipo de produtos. Desde os de apelo mais popular, fácil consumo, argumento menos arisco, até ao experimentalismo, produtos de nicho, que testem convenções formais e dramáticas. Só que em Portugal existe um problema: fazer um filme é caro e... não há dinheiro.

Esta constatação transpõe a indefinição do cinema português para o limbo dos critérios de atribuição de subsídios... Pode dar algum orgulho a vontade em apostar em projectos novos, arriscados, mas o cinema não se pode dar ao luxo de ser pensado de costas voltadas para o público.

Sim, neste momento, fazer um filme pode ser uma experiência de tal forma solipsista que até assusta! Há projectos que chegam às salas com 300, 400 bilhetes vendidos, o que é impensável para uma arte que se quer renovar.

E o público precisa de cinema! É por isso que se deve louvar quem consegue um equilíbrio entre arte e devoção pelo espectador.

Lembro-me disso a propósito de «Call Girl» de António-Pedro Vasconcelos. O filme é um novo caso de cinema maduro pela mão do mesmo realizador de «O Lugar do Morto», com uma intriga que tenta reflectir os receios de que o poder pode minar a consciência. Ao articular uma história policial com a corrupção de um autarca, e o jogo de sedução de uma prostituta de luxo, António-Pedro Vasconcelos cria um novelo inteligente, que tenta evitar (sempre que pode...) a mera caricatura, aproveitando ainda óptimos valores de produção, excelente fotografia e bons desempenhos.

Sentem-se por aqui estilhaços de «film noir», uma obsessão por uma mulher que até recorda «O Anjo Azul», de Josef von Sternberg, ecos de «Instinto Fatal». Soraia Chaves é o corpo de quem todos falam, mas é também a musa certa para um filme que encontra rapidamente o seu rumo.

Só é pena que para chegar às massas tenha de condensar no «trailer» todas as cenas de sexo e ousadia que se vislumbram no filme (a maioria bem filmadas, é certo). Mostra que há, por outro lado, uma incapacidade em tornar um filme rentável sem ceder às fórmulas básicas de sempre...

Para onde caminha o cinema português? Sem grande linha definida, lá se vai desenvolvendo à custa de projectos cujo critério de aprovação é dúbio. Mas há honrosas excepções: João Canijo, Marco Martins, Jorge Cramez, Mário Barroso, António da Cunha Teles, Joaquim Leitão e a dupla Tiago Guedes e Frederico Serra são sinais de esperança.

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