30 de julho de 2009

NA SALA ESCURA: Duas formas de rir










SOBERBA. «Posso dar-vos um conselho? Cortem as barbas porque esse ar de Rei Osama parece o de um feiticeiro sujo... ou de um Pai Natal sem abrigo.» Brüno (Sasha Baron Cohen)

Uma vem do outro lado do Atlântico, com paragens no Médio Oriente, em África e génese na pacífica Áustria. A outra quer-se tipicamente britânica, mesmo tendo entre o seu elenco o nome de Philip Seymour Hoffman. Para lá disso, são duas propostas interessantes do cinema comercial em matéria de bom humor. E não é que fazem mesmo rir?

Se, por um lado, BRÜNO representa a mais recente bizarria cinematográfica de Sasha Baron Cohen - cada vez mais interessado em chocar, ainda que em nome da sátira deliciosamente vistosa e nada, nada politicamente correcta -, por outro O BARCO DO ROCK é o mais recente título da Working Title, desejoso de bisar o êxito de outros trabalhos cómicos como «O Diário de Bridget Jones», «Notting Hill» ou «O Amor Acontece».

No primeiro caso, o que temos? Uma visão muito pouco convencional sobre os meandros do mundo da moda e direito a mais uma «personagem-obsessão» de um dos mais interessantes e arrojados fenómenos do cinema comercial.

Sasha Baron Cohen é inclassificável, inteligente e muito convencido das suas potencialidades artísticas. É o actor a fazer-se passar por actor, o artista que se confunde com a personagem, numa perversão sem limites, como que a satirizar o método mais compulsivo de algumas estrelas.

Tal como em «Borat», aqui pouco se percebe onde acaba a ficção e começa a realidade em registo imprudente de apanhados. Sasha Baron Cohen está muito pouco interessado em desfazer as dúvidas. O que se sabe é que há uma persona para alimentar em nome de uma boa ideia.

E quem é este Brüno? Um homem da moda austríaco que decide ser estrela famosa em Hollywood. Para tal, começa por pensar que ser gay estridente lhe pode valer uns pontos na subida ao sucesso, filma-se nas suas tentativas para produzir um programa de celebridades e tenta copiar hábitos de figuras famosas, como adoptar uma criança africana. Mas esta descrição é redutora: a comédia, que foi êxito nos Estados Unidos, é muito mais diabólica e pouco condescendente com moralismos.

Brüno quer ser ousado e consegue-o, enquanto se diverte a desmistificar as incongruências de uma certa mentalidade norte-americana. Sasha Baron Cohen vai, por vezes, longe de mais, expõe-se e expõe o espectador ao embaraço. Quase sempre consegue fazer soltar uma gargalhada, noutras vezes limita-se a repetir números que já divertiam em «Borat».

Ou seja: a figura entra facilmente no registo da galeria de personagens marcantes de Baron Cohen, mas também representa um ponto-limite... Se continuar por este registo, rapidamente se desgastará e o efeito-surpresa pode estar comprometido. BRÜNO diverte, choca, embaraça, satiriza. Mas isso «Borat» também já fazia. Cabe a Sasha Baron Cohen reinventar-se outra vez no próximo projecto.

Num registo mais polido e preparado para agradar ao grande público, O BARCO DO ROCK quer ser uma homenagem à música e ao esforço meritório das rádios-pirata numa época em que os bons costumes gostavam de boicotar movimentos artísticos que rompessem com o estabelecido.

Esse recuar no tempo tem alguma graça e Richard Curtis é hábil na introdução de figuras.

O realizador de «O Amor Acontece» repete, contudo, o mesmo problema da sua obra anterior: tem dificuldade em construir uma história suficientemente sólida para se manter do princípio ao fim. Opta por relatos episódicos, gosta de dispersar-se pelas personagens, como que a evitar maior profundidade narrativa. Algo que eleva o humor, mas que penaliza o efeito global da história.

Ainda assim, o tom ligeiro e descomprometido torna O BARCO DO ROCK numa proposta agradável, das mais consensuais dos últimos meses. A vontade em expor hábitos de outros tempos e de brincar com personalidades mais libertinas também encontra eco no elenco mais cool da temporada: por aqui passam Bill Nighy, Philip Seymour Hoffman (a respirar de alívio dos seus desempenhos mais densos que viveu recentemente), Nick Frost ou Rhys Ifans. Até Emma Thompson faz uma perninha...

Do lado dos vilões, está um caricatural Kenneth Branagh, membro do Governo britânico que sonha em acabar com as rádios-pirata. Se o actor, por um lado, é exímio em ser ridículo com gosto, por outro este lado da autoridade é cansativo e mal explicado em todo o filme.

No entanto, O BARCO DO ROCK quer homenagear a música. E essa vontade em recordar temas de sempre, passando por nomes que vão de Otis Redding, The Beach Boys, Cat Stevens ou David Bowie, é meritória. Uma certeza: dá vontade de ir logo a correr comprar a banda sonora!

BRÜNO
De Larry Charles (2009)
* * *
O registo politicamente incorrecto continua e aqui Sasha Baron Cohen sente-se como peixe na água. A brincar à sexualidade, ao mundo da moda, aos falsos moralismos, à fama, tudo entra nesta bizarra jornada por uma América confusa com o seu glamour. Mas há ainda hilariantes jornadas pelo Médio Oriente e por África. Brüno pode ser demasiado estridente e cansativo, mas é também icónico e ousado. O tom do filme diverte, mas é também um sinal de que Baron Cohen precisa de inovar sob pena de cair em mais do mesmo.

O BARCO DO ROCK
De Richard Curtis (2009)
* * *
O espírito transgressor de quem se dedica à música moderna num tempo de conservadorismos é uma boa ideia. As memórias da rádio pirata são bem resgatadas e o feel good spirit é um bem necessário para o cinema de massas. Aqui, nada a dizer. A história diverte, as personagens também. Falta é alguma solidez em tudo isto... mesmo que a homenagem aos grandes nomes do pop-rock seja bem oleada.

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