5 de agosto de 2006

NA SALA ESCURA: O tempo é quando um homem quiser...

Um dos grandes fascínios do cinema é a capacidade de envolver o espectador numa sequência de imagens que distorce por completo a linearidade do tempo real. Temos anos de vida explicados em meia dúzia de minutos, meses de acção que se sucedem em meia hora, temos "flashbacks" decisivos até à infância de um protagonista e os habituais cortes com a mensagem "alguns anos depois..." À partida, enquanto espectadores, aceitamos estas rupturas, precisamos delas para acompanharmos uma história que, em tempo real, nos é apresentada geralmente em menos de duas horas. Mas a versatilidade da sétima arte gosta de ir mais longe e brincar com as próprias coordenadas temporais. Na verdade, algumas das maiores revelações cinéfilas dos últimos anos partiram do acordo temporal entre espectador-obra, para o questionarem, deturparem e, ainda assim, conseguir-se extrair um sentido relevante. Exemplos mais imediatos? Que dizer de Bill Murray a viver sempre o mesmo dia em O Feitiço do Tempo - talvez das comédias mais geniais de sempre? Ou do realizador Christopher Nolan que colocou o espectador a viver da mesma amnésia que o protagonista do seu filme, Guy Pearce, em Memento, por inverter a acção de trás para a frente. Depois, há ainda o clássico dos clássicos em matéria de brincar com os ponteiros do relógio: a trilogia de Regresso ao Futuro, com direito a Martin McFly (Michael J. Fox) de conhecer como será o seu futuro ou tentar alterar o seu passado. Nas salas nacionais, estreou-se discretamente um melodrama romântico com toquezinhos de magia cronológica. A Casa da Lagoa despertou-me curiosidade por isso e, apesar da premissa engenhosa (que, às tantas, nem sempre parece muito verosímil), prefere usar a distorção temporal como subtexto para as histórias de amor do costume. Que costumam resolver as complexidades de uma relação afectiva em poucos minutos. O tempo do cinema é mesmo assim...

Pecado
do Dia: Preguiça

O reencontro há muito que estava prometido: depois de fazerem faísca dentro de um
autocarro desregulado em Speed - Perigo a Alta Velocidade, e depois dele se ter baldado a nova aventura alucinante na sequela desnecessária do êxito que os ajudou a revelar aos dois, Keanu Reeves e Sandra Bullock voltam a fazer par romântico no grande ecrã. Mas, desta vez, em vez de bombistas e perseguições, temos uma história de amor leve e soalheira, que possui um motivo de interesse suplementar: o facto de brincar com as coordenadas temporais, dado que ela se encontra em 2006 e ele em 2004. O que confunde tudo é o momento em que ambos encontram uma caixa do correio que funciona como portal, permitindo-lhes a correspondência entre duas realidades temporais diferentes. Às tantas, ele definiu-lhe o passado, porque no presente ela contactou com ele, apesar de já o ter conhecido antes devido ao facto de agora o estar a conhecer. O problema é o futuro... ela pode mudar-lhe a vida e virem a conhecer-se no futuro dele, apesar dele a já ter visto. Para isso, ele precisa de esperar dois anos (a disparidade temporal que os separa...) e ela apenas um dia. Confusos? Em A Casa da Lagoa tudo parece mais simples e bem alinhavado, mas sai-se com a sensação de que algo escapa. O realizador Alejandro Agresti prefere alimentar uma história serena de amor por correspondência e consegue-o com engenho, apesar de serem as brincadeiras com o desfasamento temporal que melhor resultam. Depois, há uma Sandra Bullock a levar o filme às costas porque Keanu Reeves dá-se melhor nas cenas de acção do que num envolvimento amoroso (continua tão medíocre actor como antes). Bullock acerta no tom do filme e dá-lhe veracidade. De resto, A Casa da Lagoa parece que quis ser um grande filme romântico que não teve coragem (nem tempo...) para o ser. * *

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