12 de julho de 2006

Distorcer o cinema: um pecado nem sempre errado

Para concluir este pequeno ciclo sobre filmes que fazem alusão ao título deste novo espaço de imagens, a escolha é óbvia. Apesar de outras opções como o "naïf" clássico de O Pecado Mora ao Lado ou o medíocre encontro imediato de António Banderas e Angelina Jolie em Pecado Original, centro-me em Sin City - A Cidade do Pecado. Porquê? Porque me permite mostrar que as novas tendências do cinema abrem horizontes, rasgam convenções e criam possibilidades inéditas para uma arte que, qualquer dia, será de difícil caracterização. Mas será mesmo assim? Na forma como combina o universo visual da banda desenhada "dark" com as técnicas dramáticas de um filme, Sin City distorceu mais uma vez a noção clássica de cinema, dividindo opiniões. A questão não é nova: basta recordar o momento em que o artista Andy Warhol dirigiu Empire, ou seja a experiência de filmar, sempre com o mesmo ângulo e sem qualquer corte, o edifício mais carismático de Nova Iorque desde as três da manhã de um dia até à madrugada do seguinte; ou quando a Disney decidiu dar novos contornos à ficção-científica juvenil com Tron; ou quando Lars von Trier introduziu a sua filmagem desconexa e de câmara ao ombro (o movimento "Dogma") em Ondas de Paixão; ou quando Gaspar Noé inverteu a linearidade narrativa e explorou os limites da violência (e, consequentemente, aquilo que moralmente deve ser ou não visto) em Irreversível. Terá valido a pena distorcer o cinema? Até que ponto é aceitável o acto de o manipular? Há casos e casos, embora aqueles que permaneçam sejam os que ajudam a traçar fronteiras e perceber que, logicamente, nem tudo é permitido num filme até porque, a dado momento, deixa-se de fazer cinema e passa-se para o campo dos objectos alienígenas. Quem decide o que é aceitável ou não? Obviamente o público e... o tempo! Pecar com as convenções e fazer algo de novo não deixa de ser salutar. Só assim se avança para novos territórios. Querem um exemplo? O que seria da animação de hoje em termos de potencial gráfico e narrativo se a Pixar não arriscasse em lançar, em 1995, uma longa-metragem de animação inteiramente gravada com técnicas digitais? O resto é Toy Story...

Pecado do Dia: Avareza.

Não existe uma pontinha de modéstia neste neoculto de Robert Rodríguez (até aqui
habituado ao frenesi de filmes com algumas boas ideias, mas que derrapam num excesso de movimento para poucas motivações relevantes). E ainda bem. Com Sin City - Cidade do Pecado, eleva a banda-desenhada a um outro nível e, com o desejo de estilizar ao máximo as suas imagens, o cinema vai por arrasto para um campo que, visualmente, é muito aliciante. A forma como as três histórias, que seguem à risca a estrutura delineada pelos livros de Frank Miller, se encadeiam é também de realçar pelo engenho, assim como o regresso de Mickey Rourke à grande forma, na pele do herói "pecador" Marv. Neste conto sem verdadeiros heróis mas com um punhado de personagens à deriva no "pântano da corrupção", há ainda um "bombom": a cena rodada por Quentin Tarantino (amigo de longa data de Rodríguez) no carro em que circulam as personagens de Cliven Owen e Benicio "Morto-vivo" Del Toro. É preciso mais para se tornar um clássico deste novo século? Hollywood costuma responder facilmente a esta questão: sim, como uma sequela que chega já em 2007. * * * * *

1 comentário:

Mia disse...

Pessoalmente não me parece que a difilculdade em catalogar géneros e estilos seja motivo suficiente para que não se arrisque novas experiências. Vemo-lo na música, na pintura, na escrita e até na moda! Importa sim a verdade que vejo. Não me incomoda chamar cinema a Ondas de Paixão ou Sin City, e se queres que te diga, até mesmo ao Irreversível - por mais doente que me tenha deixado -, filmes que romperam com o estabelecido. No entanto, custa-me chamar cinema a filmes como DR9 do Matthew Barney, apetece-me chamá-los de experiências, cenas, trabalhos de oficina, ou até mesmo....tédios!! :p