26 de julho de 2006

O maior êxito português é um imenso "trailer"

Antes de mais o filme teve um mérito inédito: levar às salas nacionais mais de cem mil pessoas. Um feito único para o precário cinema português, que ainda precisa de um "abanão" de forma a tornar-se algo mais do que o nicho artístico que parece de costas voltadas para o grande público. Agora que chega ao DVD, O Crime do Padre Amaro representa a estreia do cinema português no SIN CINEMA. Apesar disso, não é a mais feliz: se é o maior filme nacional em matéria de receptividade, não deixa de ser também um dos mais trôpegos, caricaturais e com pior gestão dramática de sempre, assemelhando-se a um imenso "trailer", com cenas de apenas dez ou quinze segundos sobrepostas umas às outras que não possibilitam envolvimento e coerência em mais uma adaptação do romance polémico de Eça de Queiroz. Nos últimos tempos, o cinema português parece adormecido - este ano, além do recente Os Diários da Bósnia ou Lisboetas, que curiosamente são dois documentários, nada de relevante chegou às salas -, e são raras as excepções que nos fazem pensar num possível equilíbrio entre motivações artísticas e boas bilheteiras: casos singulares de Alice, O Delfim, Os Imortais ou Noite Escura. O que falta? Muita coisa... investimento, argumentos e capacidade para responder aos apelos do público. Faltam filmes mediáticos, que revelem pujança sem cair no novelo telenovelesco - neste ponto, sim, já conseguimos dar o salto... Por isso, O Crime do Padre Amaro, apesar das imensas fragilidades, merece aplauso. Um breve e curto aplauso. Enquanto nós, espectadores atentos, ficamos à espera de melhores dias...

Pecado do Dia: Luxúria

Se há aspecto que O Crime do Padre Amaro parece representar uma evolução é na forma como
são filmadas as cenas de sexo entre um Amaro Vieira (Jorge Currula) pouco verosímil e uma Amélia (Soraia Chaves) lasciva e lacónica. Pode-se especular sobre um primeiro passo para um cinema erótico nacional, mas este filme de Carlos Coelho da Silva não é mais do que um imenso "trailer" moderno e cosmopolita que manipula de forma grosseira o património literário de Eça de Queiroz e pretende não mais do que limar a sua história à imagem de Zona J, de Lionel Vieira. O principal "pecado" deste filme é ter sido concebido como uma mini-série para a SIC, pelo que a versão de 100 minutos é uma imensa salada de ideias, com momentos cénicos de curtíssima duração, maus "raccords" e espessura dramática quase nula. Apesar de apostar num vasto número de actores portugueses - todos parecem querer "fazer uma perninha", desde Rogério Samora a João Lagarto, Ruy de Carvalho, Ana Bustorff ou Maria Emília Correia -, todos os papéis são caricaturas assustadoramente básicas e nem um colossal Nicolau Breyner consegue escapar do desaire. O Crime do Padre Amaro é televisão passada para o grande ecrã, o que pode não ser totalmente negativo se recordarmos o pioneiro Adão e Eva. Neste caso, além de distorcer qualquer ponto de vista mais sério sobre fé, o filme quer ser levado a sério, mas ao fim de cinco minutos já perdeu o rumo. Para nunca mais se encontrar... *

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