15 de novembro de 2008

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (IV)











Caros irmãos Lumière,

Há experiências que nos marcam sem darmos quase por elas, como um filme que, ao sair da sala parece esquecido, mas que mais tarde as reminiscências nos levam a perceber que a experiência sentida na sala escura foi mais viva do que se poderia supor.

Senti isso quando fui destacado para assistir a uma aula que o cineasta britânico Stephen Frears veio dar a Lisboa em Julho de 2005, aos alunos de um curso de cinema na Fundação Calouste Gulbenkian.

Conhecia o realizador pelo seu prestígio, a sua forma confessional de fazer filmes, a vontade de trilhar géneros com a maturidade de quem domina a arte das imagens com a fluidez necessária para o puro desfrute de um visionamento.

Pois bem, o cineasta de «Ligações Perigosas», «Anatomia do Golpe» ou «Alta Fidelidade» revelou não só a grandeza dos grandes criadores como a humildade de conseguir falar sobre o seu engenho perante uma plateia de aspirantes.

E o que nos disse ele? Que «em Hollywood se fazem filmes como se fazem carros», que é sempre o primeiro membro do público a testar uma história e que, ao fazer um filme, é preciso estar ligado e distante ao mesmo tempo. «Essa separação que, por exemplo, Woody Allen não consegue fazer.»

Stephen Frears pareceu, a espaços, um daqueles grandes artistas a quem se tenta retirar mil e uma ilações sobre o seu trabalho, mas que ao tentar explicá-lo se reduz a respostas «porque sim».

Mas há mais pérolas: com um passado feito na televisão, o realizador desmistificou os preconceitos do pequeno ecrã como um meio menor, dizendo que a especificidade está no facto do cinema obrigar as pessoas a saírem de casa, enquanto o televisor não implica esse esforço.

A sua simplicidade, e provavelmente o segredo do seu sucesso, levaram-no a reconhecer que ainda não tem muito talento para a escrita de argumentos e, por essa razão, respeita o guionista, da mesma forma que «deixa os actores fazerem o seu trabalho».

O segredo é reunir-se das pessoas mais talentosas e não fingir saber mais do que lhe compete. Ao fim das primeiras palavras, uma plateia rendida.

Stephen Frears, entretanto ovacionado com «A Rainha» (pelo qual chegou a ser nomeado para o Óscar de Melhor Realizador), volta a Lisboa, no âmbito do European Film Festival, no Estoril, para mais um encontro para partilhar experiências. É bom encontrarmo-nos com o cinema. E Stephen Frears permite isso.

Recordo-me ainda que, quando questionado nesse mesmo encontro, sobre o segredo para um bom filme, o cineasta sublinhou que tudo passa por clarificar as coisas desde o começo, concretizando-as de modo nem sempre convencional.

E lembrou um célebre plano-sequência. Aquele que inicia a obra «A Sede do Mal», de Orson Welles, em que por breves segundos se observa um homem a colocar algo num contentor que se revela, minutos depois, uma bomba. O bom cinema é isso: um engenho explosivo para o olhar!

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