25 de abril de 2007

Sin Cinema - «To be continued...»

SOBERBA. «To be continued...»Numa altura em que parecia estar estabilizado o modelo de apresentação do SIN CINEMA, eis que surge um novo facto que baralha as rotinas pessoais do autor deste modesto blogue de cinema. Nada de grave, é até um novo desafio profissional ligado a este sector que me vai preencher parte dos tempos livres, que dedicava a este espaço já com longos meses de história. Por isso mesmo, e até estabilizar o novo projecto entre mãos, o SIN CINEMA conhece aqui o seu primeiro interregno da sua curta história. Não é um fim (até porque conto esporadicamente voltar para reflectir sobre as imagens que for vendo...) é antes um novo começo para algo que não sei bem onde me pode levar. Independentemente disso, este espaço já faz parte da minha história na rede. E por isso não vai acabar. Apenas entrar numa temporalidade diferente.

8 de abril de 2007

DVD: A raíz dos nossos medos

AVAREZA. «Há uma dor que atravessa os tempos. Em busca de vingança...» Quando os jovens realizadores Tiago Guedes e Frederico Serra estavam a iniciar a rodagem de COISA RUIM, não resistiram a ir ver ao cinema a alegoria surreal que M. Night Shyamalan elaborou em A VILA. Ficaram ligeiramente surpreendidos com as similitudes do ambiente bucólico e rico em sustos que esta obra do cineasta de O SEXTO SENTIDO aparentava ter com o que viria a tornar-se o mais forte título português dos últimos tempos no género fantástico. Pura coincidência e analogia excessiva, assume a dupla que dirigiu COISA RUIM no documentário sobre a origem do projecto e que consta dos extras que o filme traz consigo na edição agora lançada em DVD pela Atalanta Filmes. De facto, nesta revisitação do conceito de casa assombrada, a contenção como o medo sobrenatural se dá a ver – sempre envolto numa névoa de dúvida e quase sem derramar uma gota de sangue – lembra o estilo de Shyamalan, mas também o que Alejandro Aménabar construiu em OS OUTROS ou Stanley Kubrick em SHINING. Até porque o argumento que o jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho (e irmão de Tiago) escreveu, não pretende escapulir-se dos códigos do género, antes atribuir-lhe uma dimensão folclórica, conservadoramente portuguesa. A história, que se vai impondo ao de leve, inicia-se com a mudança súbita de uma família lisboeta para o campo, onde Xavier (Adriano Luz) herdou uma velha mansão que parece carregar uma atmosfera de episódios mal resolvidos do passado. A população local não se cansa de deitar olhares desconfiados à família, enquanto reza compulsivamente e espera que «o mundo que aparentemente fala a nossa língua, mas que se exprime numa outra linguagem» não regresse à tona, e se mantenha enclausurado nas entranhas da memória. O sobrenatural pode estar à espreita, mas os estranhos fenómenos que começam a surgir na casa colidem com o cepticismo dos seus actuais residentes. Até que as evidências se tornam factos e nem os esforços do jovem padre Cruz (forte composição de João Pedro Vaz) parecem atenuar o conceito que dá nome a este filme rodado em Torrozelo, pequena localidade do concelho de Seia.


COISA RUIM * * *
Embora se arraste bastante tempo até se definir plenamente quanto às suas ambições dramáticas, COISA RUIM é um objecto cinematograficamente sólido, com uma óptima caracterização do núcleo familiar protagonista. Na verdade, é este grupo de personagens movediças que se impõe na história, mais do que o suposto terror que nunca chega verdadeiramente a assustar. A intenção do argumento e da realização também parece ser essa, preferindo-se a velha sensação de desconforto e interrogação. Neste ponto, o trabalho de escrita de Rodrigo Guedes de Carvalho sobrepõe-se ao defender muito bem uma certa aura lendária, que assenta nas crendices rurais de um Portugal ainda estagnado no tempo e muito apegado à religião – como, aliás, a precoce cena de exorcismo o comprova. A recente edição lançada em DVD faz jus ao impacto que COISA RUIM teve não só por alturas do Fantasporto do ano passado, como a nível de espectadores (perto de 30 mil, sendo o filme português mais visto no primeiro semestre de 2006): apresenta a obra com excelente qualidade visual (de onde se destaca uma iluminação e fotografia ímpares) e fornece um completo documentário de rodagem, entrevistas dos realizadores na rádio e televisão, comentários áudio, além dos habituais trailer e teasers.

O MAIOR PECADO DE... Rowan Atkinson

PREGUIÇA. «Esta adaptação de 'SCOOBY DOO' para o grande ecrã tornam os tontos desenhos animados originais parecerem interessantes quando comparados.» BOXOFFICE MAGAZINE Nome ímpar da britcom televisiva -antes de Mr. Bean deu nas vistas no satírico retrato de Blackadder-, Rowan Atkinson tem tido melhores resultados artísticos no pequeno ecrã do que nas suas investidas no cinema. Embora com participações modestas em comédias maiores como QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL, o actor inglês não foi muito feliz na primeira adaptação de Mr. Bean para o cinema, mas nunca deu um tiro no pé maior do que a adaptação da série de desenhos animados SCOOBY DOO para o grande ecrã. As personagens são caricaturas ainda mais básicas do que as figuras animadas, o cão é recriado digitalmente, os actores são medíocres e o humor nunca chega a bom porto. Como pseudo-vilão de serviço, Rowan Atkinson é apenas um esboço para uma hipótese de humor que nem as crianças acham graça pelos traços exagerados da sua personagem que se pretende dúplice, mas que se percebe de ginjeira desde o início as suas motivações... A série original até que cumpre os seus objectivos de lazer para menores de 12 anos, mas este filme (que, pior, teve direito já a uma sequela) não tem graça nenhuma e apenas serviu para Atkinson, aqui na pele de Emile Mondavarious, ganhar uns trocos enquanto fez uma pausas no seu Mr. Bean. O que vale é que já ninguém se lembra dele nesta fita de 2002. E o próprio Atkinson deve querer esquecer o projecto antes que se faça tarde...

Críticas de fugir...
-MOVIE EMPORIUM: Às vezes, as memórias do passado devem ficar por lá. Este filme é uma boa prova disso.
- EFILMCRITIC.COM: Deveria chamar-se «Jar-Jar Binks - o Filme». Sim, é mesmo assim tão mau.
- THE NEWYORK POST: Esta adaptação da inócua série animada dos anos 70 torna a versão cinematográfica de «Josie and the Pussycats» parecer sofisticada.

4 de abril de 2007

NA SALA ESCURA: Bean parece-se mais com Tati

AVAREZA. «França. Uma terra de cultura, beleza e paz. Sempre foi o lugar perfeito para tirar umas férias. Até agora...» No momento em que o narrador do trailer desta segunda aventura cinematográfica da célebre personagem Mr. Bean termina a frase, o curioso esgar desta figura que se confunde já com a pele de Rowan Atkinson vê-se ao longe, com «o homem que toda a gente queria ter como vizinho do lado» a sair de um comboio com aquele ar que combina ingenuidade e queda natural (mesmo que, por vezes, algo forçada) para o disparate. Sabe bem este regresso ao melhor humor físico, mas Atkinson, que deve não querer esgotar por exaustão os trejeitos desta personagem, já veio a público anunciar que MR. BEAN EM FÉRIAS deverá ser o seu último título em cinema. Se assim for, o delicioso londrino despede-se em grande, depois de uma desastrada obra de estreia no cinema há coisa de oito anos que tentava «americanizar» em demasia um género que se confunde com a melhor tradição cómica britânica. Desta vez, contudo, é em França que a acção se gera o que aproxima ainda mais Bean das memoráveis composições de Jacques Tati como Sr. Hulot (o próprio Atkinson assumiu a sua inspiração em Tati, na forma como este experimentou a representação gestual muito depois do cinema se ter aproximado do som...). E as longas piadas que decorrem no comboio, na estrada atrás do bilhete preso a uma pata de galinha ou na rodagem de um misterioso anúncio são uma hipótese viável de ligação entre o humor inglês e francês. É precisamente nesta opção pela contenção (só explodindo nas circunstâncias certas), pelo abraço que Bean faz ao cinema europeu (chegando a criticar comicamente os extremos do «cinema de autor» com uma longa sequência rodada numa edição do Festival de Cannes) que o filme convence e, embora ainda não chegue à excelência do modelo televisivo, consegue engrandecer o naipe de caretas, movimentos e tiques de um Bean que ainda tem algo para mostrar na sua descoberta naïve do mundo.

MR. BEAN EM FÉRIAS * * *
Com uma mala na mão e uma câmara digital na outra, Mr. Bean segue viagem com destino a Cannes e a mais um punhado de aventuras com muitos efeitos secundários... Atkinson continua a vestir muito bem a pele da personagem que o ajudou a tornar famoso e sabe onde pode ir nas caretas e trejeitos, levando esta viagem por terras francesas a uma simpática homenagem ao humor europeu e ao cinema em geral... Cenas memoráveis? A do restaurante do comboio da estação logo no início ou os esforços de Bean para não adormecer ao volante. O filme não é cinematograficamente de génio mas é dos produtos mais bem feitos dos últimos tempos para toda a família e estende (na medida do possível) a dinâmica humorística do programa televisivo (que a RTP tem repetido sempre que pode...ou se lembra) por cerca de hora e meia. Querem mais? Parece que Rowan Atkinson não. Missão cumprida: Mr. Bean já faz parte do bom imaginário cómico de todos nós.

3 de abril de 2007

BOCAS: A imagem de um génio que reinventou o som

GULA. Já aqui, há algumas semanas, desloquei o âmbito cinéfilo deste modesto espaço, para dar conta de um grande disco que tinha o pretexto de vir acompanhado de um filme que ainda não chegou até nós... IDLEWILD dos Outkast, e não podia ser outra coisa... Ou melhor, podia com a revigorante surpresa do último disco de Timbaland, SHOCK VALUE. Comprei-o há pouco e ainda não consigo desligar-me dele por um instante, graças às batidas vigorosas, ao som áspero que transcende o hip-hop convencional e o transporta para uma sonoridade plástica envolvente, feita de sintetizadores poderosos, inventividade nas palavras e uma imagética noção de ritmo. E não é por acaso que Timbaland tem dado mais do que falar nos últimos tempos ao resgatar as carreiras de artistas como Nelly Furtado e Justin Timberlake (que acedem a participar neste viciante disco) e transformando-as em êxitos de revigorante «dance» estilizada e e cosmopolita. Este produtor norte-americano sabe todos os ingredientes do ritmo e consegue colocar-se no seu lugar, ou seja, apesar do disco ser em nome próprio são muitos os convidados de excepção que fazem de SHOCK VALUE uma das mais interessantes mesclas sonoroas dos últimos tempos - além de Timberlake e Furtado, passam por lá 50 Cent, Missy Elliott e... Elton John (!). Agora resta esperar pelo trabalho que Timbaland está a construir para Björk, talvez o ponto mais alto entre dois «inventores» de uma hipótese de música «alternativa-pop» (se é que tal categoria existe, neste universo de subversão rítmica) para o século XXI. Apesar de ser músico, Timbaland é um criador de imagens sonoras e o seu lugar neste espaço de pecado será sempre de eleição. Keep going Mr. Timbaland!

1 de abril de 2007

CINEFILIA: Itália como nos filmes

SOBERBA. «Fazer um filme é uma operação matemática. É como enviar um míssil para a Lua.» FEDERICO FELLINI
A propósito ainda de O CAIMÃO, de Nanni Moretti, em exibição nas salas escuras nacionais, lanço a outra novidade temática do SIN CINEMA: o roteiro semanal, que irá sempre que me aprouver com ciclos escolhidos a dedo. As obras apontadas têm sempre um denominador comum e estão disponíveis em DVD ou nas salas de cinema. Por isso, a primeira sugestão vai para o cinema italiano, com sete obras incontornáveis que atravessam a história recente cinematográfica do país, desde o realismo expressivo da década de 50, até à sumptuosidade de Visconti, à sátira intimista de Fellini ou à homenagem a Pablo Neruda. O cinema italiano é fecundo em mensagens, em cenas antológicas e é, a par da indústria francesa, a que melhor soube actualizar-se, acompanhando as exigências dramáticas do espectador. À italiana, os filmes que marcam são símbolos expressivos de um tempo, sinais para uma possibilidade madura de cinema, profundamente popular mas com os traços do mais denso filme de autor. Eis a homenagem em sete capítulos definitivos...

AMARCORD * * * * *
Já foi reposto na sala escura há pouco mais de dois anos e voltou a chamar a atenção: esta ode ao provincianismo italiano no período de Mussolini contém todas as marcas de Fellini, principalmente o seu dom para a comédia genuína, brincando com os valores familiares e o despertar da inocência. Um imenso monumento ao cinema popular - termo que aqui é explorado no seu melhor sentido.

O LEOPARDO * * * * *
Visconti criou a obra mais poderosa dos anos 60, onde se descreve com mestria a decadência de um poder. «Algo tem de mudar para ficar tudo na mesma...» ouve-se a certa altura e foi isso que Visconti fez, construindo brilhantes sequências e destilando ironia palaciana com a subtileza dos grandes mestres. Alguém alguma vez esqueceu aquele serão de baile?

LA DOLCE VITA * * * * *
Entre os seus múltiplos méritos, este clássico de Fellini introduziu o termo «paparazzi» na gíria jornalística, descontruiu as rotinas nocturnas de Roma e imortalizou a Fontana di Trevi onde uma bela Anita Ekberg se banha com a classe das divas ancestrais. Outro toque imortalizante é o desempenho de Mastroianni nesta metáfora sobre as pequenas belezas da vida (e os seus paradoxos...).


UMBERTO D * * * * *
Na sua viagem à Itália em DVD, o realizador Martin Scorsese pára longo tempo em torno do cinema de Vittorio De Sica, o mais emblemático realista italiano. Neste caso, o cineasta mostra-nos a decadência material do protagonista Carlo Battisti e a sua longa jornada para manter a dignidade que lhe resta numa Itália no limiar da pobreza. O final é de antologia, assim como a personagem canina que nos desfaz em sensibilidade.


O CARTEIRO DE PABLO NERUDA * * * *
Filme construído em jeito de poema que chegou a ser nomeado para os Óscares principais em 1995. O seu protagonista, Massimo Troisi, morreu poucos dias depois da estreia em cinema de um imenso êxito popular pela forma afectuosa como descreve a envolvência de um homem simples pela poesia. Esta produção partilhada com a Bélgica e Espanha contém outro vulto insuperável do cinema italiano, e falecido no ano passado, Philippe Noiret.


A VIDA É BELA * * * * *
O mais belo filme de Roberto Benigni tem todos os ingredientes do filme de guerra que nos cola à retina: humor, tragédia e uma metáfora para a II Guerra Mundial que é também uma original lição de vida... A relação da personagem de Benigni com o seu filho é das coisas mais intensas que o cinema já nos deu. Talvez por isso a Academia se tenha rendido e atribuído a estatueta dourada para Melhor Actor e Melhor Filme Estrangeiro.


O CAIMÃO * * * *
Nanni Moretti quis fazer um filme político, de crítica à demagogia de Sílvio Berlusconi, mas o resultado não é o que se estava à espera: um melodrama em torno de um produtor de filmes série B, que se encontra no limbo do esquecimento e que vê o regresso possível com um argumento ambicioso de uma jovem realizadora... Uma crítica dissimulada à política, mas também um belo retrato do divórcio é o que Moretti nos tem para oferecer.