25 de novembro de 2008

QUIZ: O que liga estas três imagens?








A pedido de alguns, regresso à velha modalidade do passatempo difícil de resolver, rebuscado e «pica-miolos». Quem descobrir, é porque precisa de companhia: está a perder demasiado tempo com a ficção...

Solução do QUIZ anterior: Um Divã em Nova Iorque (1996), de Chantal Akerman.

23 de novembro de 2008

Um festival grandioso na sua discrição







SOBERBA.
«Só por razões extraordinárias é que não se fará outra edição do Estoril Film Festival.»
PAULO BRANCO

A segunda edição do Estoril Film Festival chegou ao fim e é altura de balanços. A questão é só uma: alguém entendeu a gestão deste evento, que tem a pujança de um grande espaço de reflexão de cinema, nomes sonantes a condizer, e uma oferta variada, feita a pensar em largas faixas de público? Eu não.

É que tal como apareceu do nada, este grandioso evento, que segundo a organização contou com 20 mil pessoas neste ano, parece continuar à margem em matéria de preparação, divulgação, envolvimento com o público.

Sim, este ano ouviu-se falar. Páginas inteiras de imprensa foram dedicadas ao certame mas Paulo Branco, e tendo em conta a pessoa influente que é, continua a parecer que gosta de que o festival surja de forma atabalhoada e desapareça quase sem deixar rasto. Por cá, conseguem-se fazer coisas muito boas, como é o caso do Fantasporto, do IndieLisboa e do DocLisboa.

Há organização, empenho, edições comemorativas e um envolvimento com um espaço urbano.

No caso do Estoril Film Festival, parece que os nomes grandiosos (e preciosos) que por cá passaram - do calibre de Catherine Deneuve, Stephen Frears, Paul Auster ou Bernardo Bertolucci - são subaproveitados.

Há espaços de debate, masteclasses e tudo isso, mas onde está a vontade de abrir tudo isso ao reconhecimento, à ovação, à surpresa? Estaremos assim de costas tão voltadas para o cinema?

Tenho pena que a tendência se tenha duplicado, mas espera-se que o que aí vier venha com uma atitude mais ajustada perante a realidade nacional e uma vontade de criar envolvimento. Não basta trazer vultos do cinema, é preciso também espectadores. E o Estoril Film Festival tem tudo no sítio para ser muito maior e bem recebido.

Até porque ninguém duvida que Paulo Branco é um produtor visionário, o nome mais elevado de uma indústria que praticamente não existe. Mas existe curiosidade. E essa ainda não foi satisfeita.

NA SALA ESCURA: Crime na era digital







IRA.
«O mundo inteiro quer ver-te a morrer e nem sequer te conhece» OWEN REILLEY (Joseph Cross)

Sinal dos novos tempos em que, no centro de tudo, está uma atormentada Diane Lane, actriz que se tem conseguido manter à tona e que agarra a oportunidade de ser o corpo à disposição de uma intriga que quer alertar para o lado perverso da tecnologia.

A sua personagem é sólida, bem dirigida, mas dificilmente se eleva na história.

INDETECTÁVEL, ao contrário da maioria dos restantes trabalhos de Gregory Hoblit, experiente realizador de filmes de suspense (com «A Raiz do Medo» ou «R
uptura» como pontos altos do seu currículo), é demasiado aproximado da lógica televisiva, prefere os lugares seguros à ousadia dramática e nunca se desprende dos filmes que já conhecemos de cor.

A dimensão é típica de séries como «C.S.I.» e, apesar do clima ser frenético, não chega para preencher todas as medidas
.


É certo que há um cuidado plástico latente, reviravoltas suficientes para manter a tensão, personagens que se movem com a dinâmica de um são policial e até bons planos (e mais ágeis do que seria de supor). Mas nem sempre chega. Ou melhor, é insuficiente para erguer esta proposta até um outro plano que não o do entretenimento ligeiro.

Outra crítica AQUI

INDETECTÁVEL
De Gregory Hoblit (2008)
* *
Eficaz, mas pouco surpreendente.
A obra estreou-se há largos meses nos Estados Unidos e portou-se de forma modesta. A sua premissa e a forma de olhar para o fenómeno da Internet merecem atenção. O resto dificilmente será para mais tarde recordar. Até porque o que não falta, na televisão, são episódios em tudo semelhantes a este filme. Mesmo que sem o empenho e a frescura de Diane Lane.

19 de novembro de 2008

OS MEUS POSTERS... Ponyo on the Cliff























GULA.
Quem é fã do onirismo de Hayao Miyazaki pode começar a salivar. O criador de «A Viagem de Chihiro» tem pronto um novo trabalho que em tudo replica o estilo: animação de traço simples e fantasia. PONYO ON THE CLIFF mete uma criança de cinco anos a relacionar-se com uma princesa presa a um aquário... Aqui, faz tudo sentido.

16 de novembro de 2008

NA SALA ESCURA: Retrato a meio caminho







PREGUIÇA.
«Quem é que tu pensas que és... um Kennedy? És um Bush. Age como tal.»
GEORGE BUSH (James Cromwell)

A crítica vem no rescaldo do aparato mediático que foi, mais uma vez, a eleição presidencial dos Estados Unidos. Algo que ganhou outra dimensão devido à crise financeira mundial, que força o mundo a olhar para a ainda maior economia com um misto de expectativa e incredulidade, tanto culpando-a do desaire financeiro como exigindo uma resolução rápida para algo que começa a sentir-se na economia real.

Ao construir W, Oliver Stone não previu este desaire final para o mandato de George W. Bush, que será, certamente, um dos pontos fulcrais a ficarem na História, desde a sua eleição. E no fundo mais um reflexo, ou de acordo com os seus detractores, um culminar de uma política impulsiva, pensada em função de objectivos estratégicos pouco condescendentes com segundas opiniões.

Bush errou. E errou em pontos que não podia errar. Já para Oliver Stone, e de acordo com a sua última obra, o texano errou de facto, tem muitos defeitos, é um bronco, mas... é assim, pronto!
O que se há-de fazer?

É nesta indecisão e desculpabilização forçada que o trabalho peca.

É certeiro na encenação de algumas medidas, no tropeção de Bush em muitos pontos da sua agenda política, mas falta-lhe ambição em assumir um ponto de vista. Seja em que direcção for. A indiferença em querer tomar uma posição compromete W, torna-o um objecto caricaturalmente interessante, mas despojado de vigor, de linha de orientação.

Oliver Stone, que tem um passado bem sucedido em matéria de análise dos pontos fracos do seu país, parece ter amolecido no seu engenho.

Neste filme volta a ter alguns rasgos na realização (há um cuidado na conjugação de cenas a ter em conta e pormenores deliciosos como a introdução do tema musical «Robin Hood» a meio da acção), mas fica-se a meio caminho.

E a opção só pode ser entendida como preguiça de chegar mais longe, do que vontade em não querer ceder a maniqueísmos. Se foi este o desígnio, foi mal escolhido.

Outra crítica AQUI


W
De Oliver Stone (2008)

* *

Depois de ir à ferida do 11 de Setembro, Oliver Stone decidiu lançar-se no retrato político de uma das mais controversas figuras presidenciais. E constrói essa imagem desde a origem, na tentativa de nos fazer perceber muitas das atitudes do ainda presidente dos Estados Unidos. Apesar de alguma força na sátira, Stone poupa a figura que convoca e isso gera uma fraqueza que quase se torna insustentável no filme. O seu olhar é desprovido de intenção, o que não funciona dado o protagonista em questão ser o Presidente dos EUA. Salva-se a entrega de Josh Brolin e muitos pormenores técnicos.

O MAIOR PECADO DE... Oliver Stone







SOBERBA.
«'Alexandre' é tão ridículo, que se torna difícil de saber por onde começar a listar as suas infelicidades.» MTV

A propósito da estreia recente de «W», é bom recordar os méritos de Oliver Stone como realizador. É provavelmente um dos cineastas vivos mais interessantes e talentosos, não só pela temática densa dos seus filmes, como também pela argúcia que manifesta na construção de planos, no seu agenciamento, e no olhar magnético que detém em função do poder da imagem.

Mas, também na sua carreira memorável (não esquecer os excelentes e já clássicos «Platoon - Os Bravos do Pelotão», «Salvador», «Nascido a 4 de Julho», «JFK» e até, à sua maneira, «World Trade Center») há um ou outro passo em falso.

O maior de todos? ALEXANDRE, um épico desmesurado, em que Oliver Stone não conseguiu desprender-se da sua escala e estampou-se numa má escolha de elenco, cenas penosamente longas, adereços que ridicularizam as personagens (a cabeleira de Colin Farrell foi comparada à de Doris Day...), diálogos minimalistas e ridículos e, acima de tudo, uma estrondosa falta de visão.

Ainda hoje, Oliver Stone tenta levantar-se deste desaire, até porque o investimento foi grande. E quanto mais se sobe, maior é a queda. Um realizador principiante teria ficado comprometido para sempre, mas como se trata de um dos grandes cineastas norte-americanos, a coisa até tende a ser esquecida.

A história? Relatar os feitos épicos de Alexandre, o Grande, que dominou grande parte do mundo conhecido, conquistando milhares de quilómetros e dominando territórios em menos de um década.

Tudo começa a lembrar Orson Welles em «Citizen Kane», por termos uma morte que nos leva a querer saber como foi a vida que ficou para trás. Mas os vícios da homenagem épica estão cá todos. Depois, temos uma Angelina Jolie e um Val Kilmer «à nora» nas suas caricaturas, um penoso Anthony Hopkins e até a suposta homossexualidade do herói é tratada sem querer comprometimento e à luz de uma troca de olhares bacoca.

É certo que há vigor nas cenas de luta, que se denota um esforço na reconstituição de época e que até Colin Farrell faz de tudo para ser convincente. Mas não resulta! De todo.

O que é certo é que, a partir deste enorme flop, os grandes estúdios começaram a relativizar a força de obras como «Gladiador» e «Tróia», dois êxitos de massas, enquanto Oliver Stone procurou voltar a olhar para as fragilidades do seu país, sempre numa escala que não obnubile a sua visão de cineasta.

Críticas de Fugir:

- NEW YORK OBSERVER: Com um custo de 155 milhões de dólares, «Alexandre» qualifica-se como um super-espectáculo em todos os pontos menos em um: no seu neurótico e confuso herói.
- CINEMA EM CENA: Oliver Stone revela uma decepcionante tendência para o melodrama.
- FILM EXPERIENCE: Apesar de alguns rasgos de imaginário vivio e carisma, «Alexandre» não está nem perto de ser «grande».
- BANGOR DAILY NEWS: Grande e desarranjado. Se gosta de uma enorme fatia de falta de controlo em Hollywood, pode ser que aprecie o filme.

15 de novembro de 2008

ILUSÕES DE ÓPTICA: A razão de ser Tim Burton

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (IV)











Caros irmãos Lumière,

Há experiências que nos marcam sem darmos quase por elas, como um filme que, ao sair da sala parece esquecido, mas que mais tarde as reminiscências nos levam a perceber que a experiência sentida na sala escura foi mais viva do que se poderia supor.

Senti isso quando fui destacado para assistir a uma aula que o cineasta britânico Stephen Frears veio dar a Lisboa em Julho de 2005, aos alunos de um curso de cinema na Fundação Calouste Gulbenkian.

Conhecia o realizador pelo seu prestígio, a sua forma confessional de fazer filmes, a vontade de trilhar géneros com a maturidade de quem domina a arte das imagens com a fluidez necessária para o puro desfrute de um visionamento.

Pois bem, o cineasta de «Ligações Perigosas», «Anatomia do Golpe» ou «Alta Fidelidade» revelou não só a grandeza dos grandes criadores como a humildade de conseguir falar sobre o seu engenho perante uma plateia de aspirantes.

E o que nos disse ele? Que «em Hollywood se fazem filmes como se fazem carros», que é sempre o primeiro membro do público a testar uma história e que, ao fazer um filme, é preciso estar ligado e distante ao mesmo tempo. «Essa separação que, por exemplo, Woody Allen não consegue fazer.»

Stephen Frears pareceu, a espaços, um daqueles grandes artistas a quem se tenta retirar mil e uma ilações sobre o seu trabalho, mas que ao tentar explicá-lo se reduz a respostas «porque sim».

Mas há mais pérolas: com um passado feito na televisão, o realizador desmistificou os preconceitos do pequeno ecrã como um meio menor, dizendo que a especificidade está no facto do cinema obrigar as pessoas a saírem de casa, enquanto o televisor não implica esse esforço.

A sua simplicidade, e provavelmente o segredo do seu sucesso, levaram-no a reconhecer que ainda não tem muito talento para a escrita de argumentos e, por essa razão, respeita o guionista, da mesma forma que «deixa os actores fazerem o seu trabalho».

O segredo é reunir-se das pessoas mais talentosas e não fingir saber mais do que lhe compete. Ao fim das primeiras palavras, uma plateia rendida.

Stephen Frears, entretanto ovacionado com «A Rainha» (pelo qual chegou a ser nomeado para o Óscar de Melhor Realizador), volta a Lisboa, no âmbito do European Film Festival, no Estoril, para mais um encontro para partilhar experiências. É bom encontrarmo-nos com o cinema. E Stephen Frears permite isso.

Recordo-me ainda que, quando questionado nesse mesmo encontro, sobre o segredo para um bom filme, o cineasta sublinhou que tudo passa por clarificar as coisas desde o começo, concretizando-as de modo nem sempre convencional.

E lembrou um célebre plano-sequência. Aquele que inicia a obra «A Sede do Mal», de Orson Welles, em que por breves segundos se observa um homem a colocar algo num contentor que se revela, minutos depois, uma bomba. O bom cinema é isso: um engenho explosivo para o olhar!

12 de novembro de 2008

NA SALA ESCURA: Caminhos vão dar a Paris







SOBERBA.
«Vejo as outras pessoas a viver. Questiono-me sobre quem serão, para onde vão? Tornam-se heróis nas minhas pequenas histórias.» Pierre (Romain Duris)

Acusam-no de ter um estilo manipulatório e caricatural, mas ele continua a sair-se bem na construção de mosaicos. Até parece que Cédric Klapisch não se consegue desprender deles, precisando de várias figuras para dizer ao que vem.

PARIS volta a insistir na fórmula, já explorada (de forma mais impulsiva) em «A Residência Espanhola» e respectiva sequela.

Os tempos são outros, de melancolia, e aquilo que este novo trabalho ambicioso consegue mostrar é uma forma cautelosa de pensar a morte.

O tom é até adocicado perante tão violenta premissa, mas Klapisch é engenhoso na forma como expõe a doença do protagonista (novamente o excelente Romain Duris, em registo particularmente frágil) mas mais ainda no modo como cruza as restantes personagens no seu caminho.

Cruza e descruza porque a beleza neste retrato urbano está na força também do desencontro, fazendo-nos lembrar que um fim gera novos começos.

Mais do que homenagear uma cidade, palco quase secundário perante as vidas que se expõem sem pedirem licença, o que se faz aqui é homenagear valores, sensações, enganos. A força de estar vivo.

Além da boa encenação, o filme tem uma forte mensagem que vale pela sua simplicidade. Depois, ao trazer desempenhos sentidos como o de Juliette Binoche, até se esquece o abuso pontual no tom folhetinesco da obra ou alguma superficialidade na gestão de emoções. Faz falta mais cinema-sensível. PARIS faz bem à auto-estima.

Outra crítica AQUI

PARIS
De Cédric Klapisch (2008)
* * * *
O tom singelo e humanista deste filme é a sua mais-valia. A história que nos transporta para outras histórias é a do jovem Pierre que descobre ter um coração fraco e pode ter poucas semanas de vida. Consequência? Passa a dar valor aos pequenos nadas, aproxima-se da sua irmã amargurada e guia-nos por uma Paris que se faz de gente sensível e desesperadamente a lutar contra a solidão. Com dinâmica e muito estofo na criação de figuras, Cédric Klapisch acerta no tom e embeleza esta homenagem antropológica da Cidade das Luzes. Para desfrutar, apenas. Sem complexos e falsas ideias de que um filme-mosaico tem de ser absolutamente denso e profundo para encher as medidas.

QUIZ: A que filme pertence esta imagem?










A comédia romântica tem estado na mó de baixo lá por Hollywood. Que tal recordarmos um bom exemplo?

Solução do QUIZ anterior: «Orquídea Selvagem» (1990), de Zalman King.

8 de novembro de 2008

CINEFILIA: As cinco promessas de Novembro








GULA.
Novembro é um mês já forte de estreias, uma tendência que vai crescer até ao fim do ano (não esqueçamos que o Natal está aí à porta). E nem só de 007 se faz este mês. Há ainda o reencontro entre DeNiro e Al Pacino ou o regresso de Ridley Scott com DiCaprio e Russell Crowe. Enfim, há que escolher. Esta é a minha selecção.

- A TURMA: As expectativas estão muito altas para este filme que venceu a Palma d'Ouro de Cannes e que, segundo consta, faz repensar o modelo de ensino e a sua importância. É uma obra quase documental, apesar dos alunos interpretarem à sua maneira a sua vivência enquanto jovens com aspirações. É bom voltar à sala de aula.

- 007: QUANTUM OF SOLACE: James Bond volta a ser cada vez mais músculo e nervo do que elegância e falso pudor. É certo que Daniel Craig já nos convenceu que é o agente certo para o espírito agitado deste novo século, mas a curiosidade aumenta para ver como se dá a personagem com a vingança. Cada filme continua a ser um acontecimento.

- ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: É o acontecimento do ano, dado representar a adaptação do «nosso» Saramago pelo realizador de «A Cidade de Deus». Há quem diga que o filme desilude, mas é esperar para ver como é resolvida esta bela alegoria sobre a lucidez. O elenco é sólido e liderado pela excelente Julianne Moore. É obrigatório!

- A CIDADE DOS HOMENS: O novo cinema brasileiro continua muito preso à sua realidade de favela. No entanto, este ultra-realismo merece ser descodificado e percebido para lá do fenómeno «A Cidade de Deus». A obra resulta de uma bem sucedida série da TV Globo.

- A FRONTEIRA DO AMANHECER: O filme de travo europeu do mês é de Philippe Garrel, aqui a experimentar um drama rodado a preto e branco. O motivo de interesse é perceber como prossegue o estilo do realizador de «Os Amantes Regulares» (2005).

OS MEUS POSTERS: Coma

























IRA.
Quando as referências desaparecem, custa. Percebe-se que o tempo reina e é por isso que aqui fica a homenagem a Michael Crichton (1942-2008), autor de «Parque Jurássico» ou «A Esfera», mais famoso pela escrita de ficção científica do que pelos méritos de realizador. Ainda assim, o seu ponto alto será este COMA, obra de alta tensão. Que revelou Michael Douglas.

OS SETE PECADOS DE... Outubro 2008







IRA.
Continuo a deliciar-me com o western, o género por excelência norte-americano, que coloca as suas personagens em missões espinhosas enquanto exibe as dores de um país ainda à procura de uma identidade. Recentemente revi a relação agitada entre John Wayne e a glamourosa Marlene Dietrich em «Oiro», mas fiquei mais suspreendido com JUBAL, obra em que Glenn Ford representa um homem do qual sabemos pouco que, ao chegar a uma pequena comunidade, rapidamente ganha a atenção do futuro patrão e da mulher deste. O desempenho de Valerie French é ousado para a época, mas mostra que as missões no Velho Oeste são também dominadas por mulheres. Femininas, submissas e símbolo da família. Neste caso particular, há uma ousadia a reter, elevando esta obra de Delmer Daves a um outro patamar da tradição dos sexos. Só é estranho ninguém ter dado por este filme... Clássicos esquecidos só dão prazer redobrado quando são descobertos.

GULA. Acabo de vir da Fnac onde voltei a sucumbir à loucura do consumismo. Alerta: fãs de Woody Allen fujam das lojas de DVD. Motivo? O lançamento de dois packs cujas obras ainda não estavam editadas em português. São os casos de «Bananas», «Alice», «Setembro», os hilariantes «O Herói do Ano 2000», «O Agente da Broadway» e «Nem Guerra Nem Paz», «Sombras e Nevoeiro» e «Crimes e Escapadelas». O que fica a faltar ver nas lojas? A dupla «As Faces de Harry» e «Celebridades» e os mais atrasados - mas obrigatórios - «A Rosa Púrpura do Cairo», «Zelig», «Os Dias da Rádio» e o felliniano «Recordações». O que é certo é que já faltou mais ter a obra integral do mestre... que é tão amigo do cinema quanto inimigo da carteira!

AVAREZA. A surpresa cinematográfica do mês vai para uma obra sublime, que revela maturidade no modo como imbrica personagens e situações, explorando ainda a morte num contexto multicultural. «Do Outro Lado» é um dos mais sensíveis melodramas que conseguimos encontrar nas salas e a prova que faltava do talento único de Fatih Akin.

LUXÚRIA. O casal de amantes interpretado por George Clonney e Frances McDormand em «Destruir Depois de Ler» é a surpresa extra-conjugal do mês, graças ao lado caricatural de dois perdedores. Ele é um homem inconstante cujo hobby é correr (como que a fugir de si próprio...), ela uma mulher solitária que sonha ter dinheiro para ganhar literalmente uma cara nova. Juntos formam um delicioso par, dos mais hilariantes do novo cinema. Ainda por cima com o selo dos irmãos Coen.

INVEJA. Susan Sarandon passou por cá, no âmbito do Lisbon Film Festival. Foi uma visita há muito esperada, com a mais-valia de representar uma escolha que não se esgota na referência do cinema, mas também nas suas convicções políticas. Frases sonantes? Dizer que não votaria em Hillary Clinton só «porque ela é uma vagina». Ui! Sarandon nunca foi de meias-palavras. Talvez seja por isso que todos a adoramos.

PREGUIÇA. Ainda em matéria de política, esperava-se muito de Oliver Stone e da sua visão de George W. Bush, agora que o presidente dos Estados Unidos está de saída, deixando para trás um país à beira da ruptura financeira. «W» é um retrato a espaços irónico e mordaz, mas fica a meio caminho de conseguir criar um ponto de vista. É certo que rejeitar maniqueísmos pode parecer boa opção, mas nem tudo é defensável nesta figura bem interpretada por Josh Brolin. O que passa no final é que a experiência tem pouco para oferecer além de algumas boas ideias e se deixa levar por um certo oportunismo político.

SOBERBA. A renovada «Premiere» chegou finalmente às bancas e rapidamente ocupou um lugar que esteve demasiado tempo por preencher. Com um excelente papel e capa, só fica a faltar novidades nos seus conteúdos, uma escrita mais apurada e de melhor sentido crítico. Outro ponto fraco no novo número? Escolherem uma imagem desfocada. Algo que já foi ultrapassado na bela homenagem ao 007 que domina o segundo número. Longa vida para a revista é o que se deseja. E que continue a querer sempre ser melhor.