8 de abril de 2007

DVD: A raíz dos nossos medos

AVAREZA. «Há uma dor que atravessa os tempos. Em busca de vingança...» Quando os jovens realizadores Tiago Guedes e Frederico Serra estavam a iniciar a rodagem de COISA RUIM, não resistiram a ir ver ao cinema a alegoria surreal que M. Night Shyamalan elaborou em A VILA. Ficaram ligeiramente surpreendidos com as similitudes do ambiente bucólico e rico em sustos que esta obra do cineasta de O SEXTO SENTIDO aparentava ter com o que viria a tornar-se o mais forte título português dos últimos tempos no género fantástico. Pura coincidência e analogia excessiva, assume a dupla que dirigiu COISA RUIM no documentário sobre a origem do projecto e que consta dos extras que o filme traz consigo na edição agora lançada em DVD pela Atalanta Filmes. De facto, nesta revisitação do conceito de casa assombrada, a contenção como o medo sobrenatural se dá a ver – sempre envolto numa névoa de dúvida e quase sem derramar uma gota de sangue – lembra o estilo de Shyamalan, mas também o que Alejandro Aménabar construiu em OS OUTROS ou Stanley Kubrick em SHINING. Até porque o argumento que o jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho (e irmão de Tiago) escreveu, não pretende escapulir-se dos códigos do género, antes atribuir-lhe uma dimensão folclórica, conservadoramente portuguesa. A história, que se vai impondo ao de leve, inicia-se com a mudança súbita de uma família lisboeta para o campo, onde Xavier (Adriano Luz) herdou uma velha mansão que parece carregar uma atmosfera de episódios mal resolvidos do passado. A população local não se cansa de deitar olhares desconfiados à família, enquanto reza compulsivamente e espera que «o mundo que aparentemente fala a nossa língua, mas que se exprime numa outra linguagem» não regresse à tona, e se mantenha enclausurado nas entranhas da memória. O sobrenatural pode estar à espreita, mas os estranhos fenómenos que começam a surgir na casa colidem com o cepticismo dos seus actuais residentes. Até que as evidências se tornam factos e nem os esforços do jovem padre Cruz (forte composição de João Pedro Vaz) parecem atenuar o conceito que dá nome a este filme rodado em Torrozelo, pequena localidade do concelho de Seia.


COISA RUIM * * *
Embora se arraste bastante tempo até se definir plenamente quanto às suas ambições dramáticas, COISA RUIM é um objecto cinematograficamente sólido, com uma óptima caracterização do núcleo familiar protagonista. Na verdade, é este grupo de personagens movediças que se impõe na história, mais do que o suposto terror que nunca chega verdadeiramente a assustar. A intenção do argumento e da realização também parece ser essa, preferindo-se a velha sensação de desconforto e interrogação. Neste ponto, o trabalho de escrita de Rodrigo Guedes de Carvalho sobrepõe-se ao defender muito bem uma certa aura lendária, que assenta nas crendices rurais de um Portugal ainda estagnado no tempo e muito apegado à religião – como, aliás, a precoce cena de exorcismo o comprova. A recente edição lançada em DVD faz jus ao impacto que COISA RUIM teve não só por alturas do Fantasporto do ano passado, como a nível de espectadores (perto de 30 mil, sendo o filme português mais visto no primeiro semestre de 2006): apresenta a obra com excelente qualidade visual (de onde se destaca uma iluminação e fotografia ímpares) e fornece um completo documentário de rodagem, entrevistas dos realizadores na rádio e televisão, comentários áudio, além dos habituais trailer e teasers.

1 comentário:

Mia disse...

Voltei aos blogs! :)