6 de julho de 2009

NA SALA ESCURA: A nova era do jornalismo












AVAREZA. «Violámos a lei? - Não, a isto chama-se fazer grande reportagem.» Cal McAffrey (Russell Crowe)

Os tempos são outros e já há muito não se via uma tão interessante reflexão sobre o jornalismo e as suas causas. Quando a informação se encontra disseminada em blogues e as notícias disparam ao minuto, que espaço há para a grande reportagem?

No mundo real, este género jornalístico corre perigo de extinção, mas no cinema ainda dá azo a boas peripécias e preenche o propósito de mudar a ordem das coisas. Lembro-me disso ao ver LIGAÇÕES PERIGOSAS, boa adaptação de uma série televisiva britânica pela mão do mesmo realizador de «Touching the Void».

O que Kevin MacDonald alcança neste trabalho é a capacidade de construir um novelo narrativo sem ceder a lugares fáceis ou a mudanças de argumento que comprometam tudo o que foi construído antes. É certo que a fórmula já é conhecida: um crime misterioso, que envolve altas patentes, coloca um grande repórter no terreno. A verdade lá virá ao de cima, mas não se pense que tudo é previsível.

Neste ponto, há que olhar para o esforço de Russell Crowe em ser genuíno. O seu jornalista da velha guarda, Cal McAffrey, tem o faro apurado mas a incapacidade para ver com bons olhos jovens dinâmicos que dão resposta às necessidades da profissão de uma maneira que ele não consegue (nem quer conseguir por sentir que se está a desvirtuar a essência do jornalismo!). É uma personagem imperfeita, realista e com um «à vontade» desarmante.

O modo como Cal se envolve com as suas fontes também coloca em cima da mesa a necessidade de impor limites, mesmo que estes sejam flexíveis e, a espaços, ténues.

Além disso, LIGAÇÕES PERIGOSAS apresenta um cuidadoso punhado de personagens verosímeis e bem interpretadas. Seja a jovem jornalista de Rachel McAdams, a directora que pensa nas tiragens mais do que na isenção, vivida pela excelente Helen Mirren, o congressista dúbio de Ben Affleck ou o «todo-poderoso» de Jeff Daniels.

As cartas são lançadas com uma permanente noção de espectáculo e o filme nunca cede à monotonia. Mesmo quando a história dá uma viragem numa outra direcção, o espectador compreende à primeira a opção e deixa-se levar por uma narrativa que se quer tudo menos estática.

No final, e para lá de uma ou outra ponta mais mal cosida (e até de algum desapontamento face ao desenlace...), LIGAÇÕES PERIGOSAS cumpre os seus objectivos e faz pensar sobre o lugar do jornalismo nestes tempos de omnipresente ruído informativo.

Apesar disso, há uma estética retro neste trabalho que quer fazer crer que o protagonista vive em desadequação com o seu tempo.

Seja no velho carro que conduz ou no computador pesado em que trabalha, a figura do grande repórter de Russell Crowe é espessa e credível. O que torna ainda mais interessante a constatação de que o actor foi a segunda escolha. Tudo porque a ideia do filme era voltar a reunir a dupla Brad Pitt-Edward Norton depois de «Clube de Combate». Os dois nomes abandonaram a produção, mas, em troca, Crowe e Affleck dão bem conta do recado.

LIGAÇÕES PERIGOSAS
De Kevin MacDonald (2009)
* * *
Os que consideram que Russell Crowe é um canastrão sobrevalorizado vão ter de engolir em seco ao verem este interessante filme de suspense. Sim, ele está em grande e, em última instância, o que este trabalho nos quer mostrar é uma história dinâmica, um caso bicudo para resolver, um assassínio misterioso que mexe com altas esferas do poder. E consegue concretizar essa vontade com o fulgor que se pedia, óptimas personagens, diálogos secos e a destilarem ironia. Pode não ser revolucionário e muito inventivo, mas sabe as «linhas com que se cose». E nunca perde o seu tom de policial coeso por um momento. Mesmo que seja centrado no jornalismo, este trabalho pode não ser uma grande «cacha», mas é uma reportagem bem esgalhada.

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