27 de julho de 2009

O meu amigo escritor

INVEJA. «Toda a gente tem uma ideia para escrever um livro, a dificuldade está precisamente em passar da ideia para o livro. É preciso ganhar coragem para passar da inspiração para a fase da transpiração.» MIGUEL CARDOSO PEREIRA in A Bola

Na capa vem escrito Miguel Cardoso Pereira, mas para mim o autor de AMOR DOS BABUÍNOS será sempre o meu amigo Zé .

Ou melhor, o Zé é Miguel Cardoso Pereira quando se agarra às palavras, as articula numa preciosa mistura discursiva e as molda para dar forma a um confessional romance que não é mais do que uma visão profunda sobre o sentido do amor e da morte. Ou sobre a falta dele.

Quando a apetência se faz sobre o cinema e as suas imagens, li o livro do meu amigo Zé e foram novamente imagens que se formaram na mente, pela hábil capacidade em criar expressões de sentido figurado, metáforas inteligentes e muita ironia. Além de um romântico, Zé é também um observador atento das incongruências do dia-a-dia. O episódio no centro comercial com a avó ou os instantes de alienação no banco de uma sala da faculdade com uma «caneta para halterofilistas» mostram que por aqui as ideias fervilham.

Em AMOR DOS BABUÍNOS, a escrita não é totalmente fluída, impõe constantes travões pela melhor das causas: cada frase tem a postura imponente da singela poesia e o tom cortante das reflexões sobre a condição do ser humano. E o que queremos desta vida? Viver. Sentir na pele as marcas dos momentos que nos definem. Amar. Estarmos juntos.

É certo que na escrita do Miguel passa também aquele tom intimista, melancólico, triste dos que sofrem. Mas quem é que não sente o peso das contradições? Quem é que não tem receios? Ao deixar-se submergir nas vozes (e nos corpos) de um casal, que possuem muitos inícios e fins numa longa jornada sentimental, o Miguel expõe uma escrita madura, crua e muito segura de si.

Exemplos? «Tu, dentro de mim, és escuro, mas é o meu céu. Neste dia és o céu de todos os céus do planeta, ainda que sejas negro, sem luz por dentro, sejas dia sem luminosidade. Sejas um fogo que arde nas cinzas e não nas chamas. Não sei se quero ir, mas vou. Ou melhor: não vou, não é bem isso, não é propriamente uma decisão que tomo, não tenho idade para tomar decisões. As decisões são o contrário dos gostos. Um gosto não é uma decisão.»

Mais um? «A piada é que envelhecer tem destas coisas: cada ano que passa um estranho é mais estranho que antes. Quando eu era miúda, um estranho não estava tão longe como tu pareces estar. O crescimento impede que um estranho entre tão facilmente na nossa vida. Na meninice ninguém é estranho, é uma lei básica da inteligência.»

Mais sobre AMOR DOS BABUÍNOS

Demorei algum tempo a perceber que o meu amigo Zé era também o Miguel da escrita. Há surpresas boas como esta... No dia do lançamento do seu livro, o Miguel (que é também o meu amigo Zé) explicou que partiu a sua história em pequenos capítulos com datas, porque elas simbolizavam os pequenos fins ou começos que definem as nossas lembranças. Ou seja: a memória não é mais do que o filtro que nos remete para algo que começa ou acaba.

Pois bem, O AMOR DOS BABUÍNOS é um gigantesco começo para a vida do Miguel e do meu amigo Zé. É também um começo para quem o lê e o conhece de perto: sabe que este é o ponto de partida para algo muito maior.

1 comentário:

Lunatic on the grass disse...

Obrigado, meu amigo. Um abraço. É estranho como é bom e ao mesmo tempo difícil ler estas coisas. Mas é mais uma motivação para continuar. Estaremos sempre por cá.

Zé ou Miguel.