25 de fevereiro de 2010

NA SALA ESCURA: Os tormentos de Scorsese

AVAREZA. "Prefiro viver a vida como um homem do que morrer como um monstro." TEDDY DANIELS (Leonardo DiCaprio)

Tem-se discutido muito que papel assume SHUTTER ISLAND na carreira milagrosa de Martin Scorsese - a par com Clint Eastwood talvez o maior cineasta norte-americano vivo!.Há quem defenda que pouco, mas mostra que o rasgo do realizador de 'Taxi Driver' se mantém, polvilhado de referências cinéfilas e capaz de articular emoção com uma estrutura narrativa madura.

Neste caso é o cinema de sombras que se impõe, estilo que Scorsese já abordou seja no remake de 'O Cabo do Medo' ou no já referido 'Taxi Driver'. Se méritos faltassem a SHUTTER ISLAND, o que se passa é que coloca a estética do film noir na obra de um realizador que ainda consegue surpreender.

Já se sabe que a história decorre numa ilha isolada do Massachussets, em plena Guerra Fria, num penhasco que esconde uma fortaleza onde está instalado um hospital psiquiátrico. Quem o frequenta vive aprisionado fisica e psicologicamente. É aí que chegam dois agentes da polícia para investigarem o desaparecimento de uma doente perigosa. Contar muito mais é estragar este jogo denso de enganos, com constantes reviravoltas. Uma certeza: nada é o que parece e rapidamente o policial dá lugar a um filme de pesadas conotações psíquicas.

No entanto, a forma como tudo é gerido, a descrição do tormento do protagonista, o clima cerrado, os diálogos cortantes, as personagens dúbias, tudo é gerido com uma extraordinária contenção. O cinema de Scorsese mergulha fundo nos mistérios insondáveis da mente e o espectador é que ganha com isso. Porque se deixa envolver numa espiral dramática sem possibilidade de volta.

Além de excelente técnico, Scorsese dirige os seus actores como ninguém e a aposta em Leonardo DiCaprio volta a ser certeira. O actor empresta ao seu Teddy Daniels toda a impetuosidade que lhe é característica, mas também rapidamente se percebe que o protagonista tem coisas mal resolvidas no seu íntimo.

Mesmo nos momentos de abstracção, Scorsese revela a subtileza dos mestres.

Ainda no campo da composição, SHUTTER ISLAND comporta um dos mais sólidos elencos que temos visto nos últimos anos. Ben Kingsley, Patricia Clarkson, Max Von Sidow e Mark Ruffalo deixaram-se embrenhar nesta história de bela fotografia e óptima caracterização.

O efeito de clausura está lá, assim como lá está a vontade em gerir o suspense sem recorrer a fórmulas gastas. Por tudo isso, SHUTTER ISLAND já é o filme mais importante deste ano cinematográfico. Absolutamente imperdível.

SHUTTER ISLAND
De Martin Scorsese (2010)
* * * * *
Sem dar passos em falso e já com o há muito desejado Óscar de Melhor Realizador no bolso, Martin Scorsese tinha avisado que se ia dedicar a projectos mais pessoais. Isso não quer dizer que descurasse o grande público. Para este tumultuoso conto negro, 'Marty' voltou a chamar DiCaprio numa quarta colaboração de peso e já tão sólida quanto a de De Niro entre os anos 70 e 90. Está tudo no lugar certo, não há pontas soltas. O que se retém é o gosto pelo cinema rico, cheio de falsos sentidos, alçapões secretos e uma vontade imensa em questionar a consciência. Esse elo que nos dá certezas mas também muitas dúvidas. Uma obra-prima.

1 comentário:

emot disse...

Gostei bastante do filme e acho que é brilhante na forma como abraça tudo aquilo que o cinema tem e teve de bom, mas senti que faltou um remate final que me tocasse mais.
Uma coisa é certa, deu que pensar.