13 de novembro de 2006

Os vértices clássicos do melodrama

Quando acaba de estrear a versão cinematográfica do romance O Perfume, de Patrick Süskind, veio-me à ideia a problemática da adaptação literária para o grande ecrã. Como traduzir com sucesso as imagens que nos vêm à mente quando se lê um livro? Pela natureza dúplice que o efeito da escrita gera no leitor, o resultado acaba (quase) sempre por ser redutor – ainda que não tenha visto este último trabalho dirigido por Tom Tykwer, a crítica generalizada parece não ter descoberto a "fragrância" deste filme. Porém, mais do que seguir a corrente antes de comprovar o efeito da adaptação (que concorre com a exigente expectativa da leitura...), lembrei-me de um caso relativamente recente em que o filme iguala a fonte literária, senão mesmo a supera... Escrito por Graham Greene, O Fim da Aventura é um romance de tonalidades melodramáticas muito acentuadas, lembrando os jogos de ciúme dos anos 30/40. É para lá que a acção recua cronologicamente e nos mostra um estranho triângulo amoroso entre uma mulher e o seu marido insípido que pede a um amigo para contratar um detective que a siga. O que se passa é que esse amigo é o amante a perseguir... A premissa é inventiva, mas O Fim da Aventura tem muitas mais linhas dramáticas para desfiar, incluindo o peso de uma promessa e as subsequentes consequências religiosas, mesmo para quem não acredita no que quer que seja. Em 1999, Neil Jordan levou a história ao ecrã, numa sumptuosa adaptação, onde todas as subtilezas descobertas na obra literária foram transpostas para cinema. Eis, um clássico moderno ou uma nova roupagem para o melodrama digno herdeiro de Casablanca. Aqui as letras são só o ponto de partida e, afinal, a imagem até consegue condensá-las num instante.

Pecado do Dia: Luxúria

Especialista em criar atmosferas perturbantes (afinal ficou famoso por Entrevista Com o Vampiro e Jogo de Lágrimas), Neil Jordan preferiu a chuva imensa e uma belíssima fotografia esteticamente datada (nomeada para um Óscar, em 2000) para construir um dos mais profundos melodramas dos últimos anos. O Fim da Aventura explora em doses generosas os dilemas do trio protagonista, que transcendem rapidamente a condição aparentemente redutora dos seus papéis - graças a Ralph Fiennes, uma calorosa e brilhante Julianne Moore e Stephen Rea, a acção condensa muito bem os efeitos emocionais de uma história de amor que acaba dilacerada por uma promessa e as suas repercussões ideológicas. Vive-se o medo da guerra, mas os conflitos que se sentem são interiores e afectivos. No meio de uma perfeita estrutura dramática, Neil Jordan aprofunda também de forma artística a relação carnal do par Fiennes/Moore, em cenas de nudez e sexo filmadas com sensibilidade e sensualidade extremas. Neste labirinto de enganos e luxúria, pressente-se o estilo de Graham Greene e até algumas apropriações anexadas nesta adaptação ao grande ecrã (como parte do final) parecem fluir na perfeição e não traem o património litérário. E o romantismo à antiga ressuscita no cinema... * * * * *

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