4 de maio de 2007

NA SALA ESCURA: Às apalpadelas no império de Lynch

AVAREZA. «Alguns homens mudam. Ou melhor, não mudam - revelam-se... Revelam-se com o tempo, sabias?» Quem já conhece David Lynch sabe que esta frase de Nikki (personagem difusa e carnal de Laura Dern, com quem o «mestre» já havia trabalhado em ocasiões anteriores... VELUDO AZUL, lembram-se?) não é surpreendente mas que se cola como uma luva às ambições cinematográficas do mais abstracto realizador norte-americano da actualidade. Cada novo filme (excepção feita a HOMEM ELEFANTE e UMA HISTÓRIA SIMPLES, que parecem pequenos ovnis numa carreira iminentemente transgressora) é mais um desafio às expectativas do espectador, ansioso pelo próximo «puzzle» psicológico que Lynch convoca sem pedir licença. Na verdade, o realizador do recente INLAND EMPIRE já é um ícone marginal norte-americano (à semelhança de Woody Allen, por exemplo, no reino da comédia psicanalítica) mas também um cineasta que virou moda para pretensos núcleos alternativos. Não que Lynch não tenha mérito - filma com uma liberdade artística única e profunda, ninguém duvida - mas começa a mexer-me com os nervos o deslumbramento superficial de muita gente que se senta três horas à frente de um ecrã para não conseguir ligar uma cena à outra e sai da sala como se tivesse assistido à revelação pura da imagem. Por esta tendência se estar a tornar recorrente e intencionalmente estilizada pelo realizador, sinto que INLAND EMPIRE é um ponto menos favorável numa carreira inquestionavelmente aliciante. Um Lynch é sempre um Lynch, mas desta vez parece que a contenção de meios o levou por caminhos demasiado paradoxais e herméticos. Que só ele deve conseguir verdadeiramente desfrutar...

INLAND EMPIRE * *
De câmara digital debaixo do braço ninguém o segura... David Lynch aumenta o culto com uma bizarra decomposição dramática em torno de uma actriz que aceita um papel «amaldiçoado»... Aos poucos, as exigência trágicas da sua personagem vão consumindo o bom senso e a integridade de Nikki Grace (excelente Laura Dern, mas... excelente para quê?), dilacerada ainda por uma suspeita de traição. Com os mundos paralelos do costume (a última obsessão são coelhos a imitarem «sitcoms»), as distorções gráficas, as personagens que aparecem sabe-se lá de onde, as vozes que ecoam fora do enquadramento. Este é o Lynch a querer parecer Lynch. Ou melhor, um exercício de abstracção forçado, esquemático, excessivo e doloroso. Tem boas ideias, planos interessantes, uma excelente protagonista e uma aura negra que cativa. Mas não tem sentido. Sinto muito...


PS - Afinal sempre se arranja um tempinho para vir ao SIN CINEMA expiar os pecados cinéfilos. O trabalho é muito, mas dou conta dele. O cinema, em menor dose agora, continua a fazer parte do ócio. E este espaço também. Quem disse que o SIN CINEMA acabou? Na verdade, acabou de (re)começar... Bons filmes. Bons pecados.

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