17 de maio de 2007

NA SALA ESCURA: Tati e a sociedade de consumo

GULA. «A vida é bastante confusa se perdermos tempo a olhar para ela.» O cineasta Jacques Tati dificilmente poderia sintetizar melhor a sua forma de fazer cinema. A carreira, aliás, foi curta cingindo-se a quatro longas-metragens que não por acaso são obras-primas, por operarem uma proposta de cinema de humor físico numa época em que o som já se havia instalado no grande ecrã. E como Tati conseguiu tirar partido dele... Para o perceber basta ver O MEU TIO, na única sala de cinema onde está a ser exibido - o Nimas - para entender a magia de usar o som como metáfora de um progresso desumanizante, mas que nem por isso apela à curiosidade e ao percalço. Aqui, há uma arquitectura do olhar para um futuro retro que afecta desde a casa ao jardim, passando pelo local de trabalho ao automóvel. O Sr. Hulot (o alter-ego do realizador, que é interpretado pelo próprio e que traz reminiscências de Chaplin ou Buster Keaton) sente-o na pele quando vai visitar a casa da irmã e embirra com a porta da garagem com abertura automática... Na verdade, as únicas personagens com quem o protagonista se identifica neste labirinto confuso do progresso consumista (e que o realizador explorou a uma escala mais cosmopolita em PLAYTIME) são os cães que deambulam na rua ou as crianças que brincam à moda antiga. No meio de tanto cinema ensurdecedor, esta reposição é um valioso contributo para lembrar que o cinema é emoção, humor genuíno e uma profunda ingenuidade.

O MEU TIO * * * * *
Vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1959, este filme é um prodigioso olhar para as repercussões do modernismo e a sensação de desconforto de que tanta tecnologia pode gerar info-exclusão. A mensagem é muito actual e Jacques Tati constrói mais uma enternecedora caricatura de um homem que não quer descurar a sua ingenuidade e se sente perdido na casa da irmã ou na fábrica onde trabalha o cunhado. Com muitos momentos de antologia, este é mais um clássico do cinema francês que não descura o apelo da modernidade, mesmo 49 anos depois...

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