12 de fevereiro de 2008

NA SALA ESCURA: Alma (perdida) de viajante







AVAREZA.
«A felicidade só é real se for partilhada.» Christopher McCandless (no seu diário)

Quem gosta de viajar com a mochila às costas, quase à deriva, e para bem longe de tudo e de todos, embrenhando-se no espaço novo, à descoberta, deve ter sentido com mais força aquilo por que viveu Christopher McCandless, cedendo ao poder da vida em comunhão com a Natureza.

É disso que trata o livro homónimo de O LADO SELVAGEM («Into the Wild» no original), um retrato biográfico desesperado que Sean Penn bem soube recuperar, criando um intenso melodrama sobre alguém que quer fugir, até de si próprio
.

Ninguém duvida que a tentativa de escape, evasão extrema,personificada por Christopher McCandless se deve a uma existência corrompida desde cedo, por divergências familiares e as aparências que nos podem forçar a sermos alguém que não queremos.

O que choca mais neste relato desesperado, e mais imponente por ser verídico, é mesmo o facto de ter sido protagonizado por alguém lúcido, inteligente, alguém que no despertar para a idade adulta sucumbe à imensidão que representa o sentido de responsabilidade que o contexto social nos impele a seguir.

Quem decide encontrar um atalho, e se rege por causas válidas mas desadequadas da realidade, tem de lutar contra a corrente, evitar olhar para o lado e abraçar o lado natural da vida. Que não é aprazível, como se pensa, mas austero, lacónico e brutal.

Talvez Christopher (que no filme é muito bem interpretado por Emile Hirsh) quisesse reduzir a sua condição de «bicho social» à sua base mais animalesca, mas cai na contradição de negligenciar o seu sentido de humanidade, a sua capacidade de pensar pela sua cabeça, e por consequência, pela dos outros. Há quem defenda que existimos por e pelos outros, pela capacidade de entrega, de sentir, de lembrar.

O (anti)herói desta história de libertação vive o paradoxo de, à medida que se afasta das amarras sociais, poder sentir-se mais puro, mas igualmente mais sozinho e vazio. Como encontrar o equilíbrio? Viver um dia de cada vez, pode ser uma resposta.

O que é certo é que este brilhante filme de Sean Penn consegue levantar muitas questões à custa de imagens poderosas, um sentido de narrativa apurada, que consegue não desvirtuar o que define a missão de um homem à procura do seu lugar no mundo. Mesmo que ele seja no espaço gelado e inóspito do Alasca...

O LADO SELVAGEM
De Sean Penn (2007)
* * * * *
Já se sabia que o talento de Sean Penn não se circunscrevia à interpretação (alguém duvida de que ele é um dos grandes nomes do actual cinema norte-americano?), até porque «Acerto Final» ou «A Promessa» tinham deixado perceber que o cinema de Penn é um cinema de causas e estilizado pela convicção de que o filme deve reflectir uma intenção. Ora, parece que é nesta bela e triste história de um jovem, a querer fugir da civilização e do passado, que Sean Penn acertou em cheio no estilo, criando uma obra árida, que se deixa contaminar visualmente pelas paisagens que convoca, e que passa a mensagem sem precisar de se perder em demasiadas palavras. Tudo bate certo aqui: desde a entrega do protagonista Emile Hirsh à banda sonora ou aos desempenhos secundários (Marcia Gay Harden, William Hurt, Catherine Keener e o veterano Hal Holbrook - nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário - são irrepreensíveis...), há uma coesão nisto. Das mais arrebatadoras e impressionantes que o cinema norte-americano nos deu nos últimos tempos.

1 comentário:

emot disse...

Bem, cinco estrelas! É obra. Também adorei o filme. Fabuloso. Eu ficava-me pelas 4,5/5