24 de setembro de 2008

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (I)











Caros irmãos Lumière,


Há quem se queixe que as homenagens são sempre póstumas, mas mais vale tarde do que nunca.

Numa altura em que os ecrãs se disseminam em cada esquina e a imagem ganha um pulsar que preocupa os intelectuais adeptos do texto, decidi que estava na hora de partilhar convosco até onde chegou a vossa invenção.

Claro que comparar o cinema de hoje com o bem intencionado e «naïf» cinematógrafo, criado por vós (ou pelo menos, patenteado por vós em 1895) é uma tarefa hercúlea e perante a qual desde logo saboto tamanha intenção.

Não é disso que se trata este diário. É antes uma forma de pensar o cinema hoje, mostrar-vos como virou indústria, que uns preferem desfrutar mais segundo o ângulo do entretenimento, outros dissecá-la nas suas pretensões artísticas.

Tentar achar pontos de contacto, memórias cinéfilas inéditas para vós (sei que o mais novo, Louis, faleceu em 1948, e o mais novo, Auguste, seis anos depois...).

O cinema há tempos que é apelidado de sétima arte, permitiu libertar a fotografia do constrangimento do real e ele próprio foi liberto dessa função com o aparecimento de um ecrã ainda mais pequeno, a televisão, que além de emitir o que deve e não deve, e depois de muitas mortes anunciadas, continua sã e cada vez mais caleidoscópica, com um dos seus tentáculos precisamente ancorado no cinema.

E o que é o cinema? Nas aulas académicas falaram-me de uns óculos que se colocam ao espectador, para que este venha a submergir e a testemunhar imagens que se agenciam em nome de uma intencionalidade, mas independentes da vivência do próprio sujeito.

O que é certo é que o efeito de assombro possui uma carga imensamente distinta da testemunhada pelos boquiabertos espectadores que, na projecção pública do vosso invento a 28 de Setembro de 1895, no sudeste francês, viram funcionários da fábrica a saírem dos seus empregos na minúscula produção «A Saída da Fábrica Lumière em Lyon», ou que fugiram quando viram o comboio a vir em sua direcção (ainda que limitado ao ecrã) na projecção de «Chegada de um Comboio à Estação da Ciotat».

Hoje há a possibilidade do cinema se ver em casa, óculos que testam a tridimensionalidade, há ecrãs que se esquartejam em nome de experiências diferentes, há efeitos digitais nunca vistos. A gravidade, o tempo, o espaço e o real deixaram de ser limites para passarem a ser pontos de partida. O cinematógrafo deu origem ao cinema. E é essa passagem que quero que, desde já, interiorizem.

Para o bem e para o mal, a sétima arte surgiu por vossa causa. Resta-me a mim partilhar convosco as minhas reflexões. Será homenagem ou punição? Depende do dia, ora sentido-me optimista ora detractor. No fundo, precisava de um sujeito ao qual me dirigisse nestes apontamentos. Calharam-me vocês. Não foi por acaso. No cinema, os acasos podem dar boas cenas mas nunca bons argumentos.

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