27 de setembro de 2008

O cinema perdeu uma das suas últimas lendas








INVEJA.
«Representar é como ficares com as calças para baixo. Estás exposto.» PAUL NEWMAN

Por detrás dos mediáticos olhos azuis, do charme que sabia que era seu e da entrega a filmes quase sempre maiores devido à sua presença, estava um homem que se viria assumir como pai de família, marido exemplar, adepto de causas humanitárias e homem de convicções.

Paul Newman virou lenda no grande ecrã pela sábia escolha de desempenhos, mas também soube gerir a vida pessoal com punho forte, evitando cair no
cliché de que um «eterno rebelde» na ficção raramente se coloca de pé na vida real.

O modo como incendiava o ecrã, sempre com desempenhos pungentes, podem valer-lhe comparações a Steve McQueen, Robert Redford, Warren Beatty ou até mesmo James Dean, mas Paul Newman soube ser um ás de Hollywood sem perder a sua aura de pessoa influente, alguém assumidamente inteligente por detrás de um rosto perfeito para figurar na liderança de uma qualquer dispendiosa produção.

Um dos méritos de Paul Newman é ter sabido arriscar sempre, tendo a crítica e o público a ampará-lo das elevações dramáticas, percebendo que é deste calibre que se fazem os grandes vultos.

Pontos fortes de uma longa carreira? Há aquele jogo de foras-da-lei com Redford, num western desesperado pelo facto do género estar a desaparecer em «Dois Homens, Um Destino»; há a personagem do marido lesionado, com a ambiguidade sexual a ferir-lhe a alma, enquanto anda às avessas com uma luminosa Elizabeth Taylor em «Gata em Telhado de Zinco Quente»; há o novo encontro com Redford num bem sucedido filme de enganos que é também um divertido jogo de «faz de conta» em «A Golpada»; há o académico que vive o tormento da espionagem em plena Guerra Fria no mal amado «A Cortina Rasgada», às ordem de Hitchcock; há o bem sucedido filme de tribunal «O Veredicto»; há o homem elevado pelo mundo do crime que se prepara para enfrentar o declínio em «Caminho Para Perdição».

No entanto, se tivermos de nomear um único filme, «o filme», ele será o assombroso «A Vida é um Jogo», rodado num memorável preto-e-branco. O seu Eddie Felson, eterno errante que só se consegue evidenciar no snooker é uma das personagens mais possantes do cinema, ao ponto de Martin Scorsese o repescar para uma bem sucedida actualização em «A Cor do Dinheiro», em que o seu Felson, já com rugas no rosto, mostrava as leis do jogo (e da vida...) a um Tom Cruise ainda a largar a puberdade.

Resultado? Uma estatueta dourada para Melhor Actor, mesmo que tenha sido indicado para os Óscares mais nove vezes e recebido dois prémios honorários. Aos 83 anos, sucumbe a uma doença já outrora anunciada e torna o cinema mais pobre. A ideia feita aplica-se, contudo, neste caso. Newman era um herói com os pés no chão e o talento nas alturas.

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