18 de outubro de 2008

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (III)











Caros irmãos Lumière,

Vivemos oficialmente numa crise financeira mundial. Já fiz alusão a ela, mas regresso ao tema pelo seu impacto, por estar a desabar muitas das noções que dominávamos até agora, por interrogar a noção do capitalismo e por ainda ninguém saber até que ponto vai influenciar a economia real, que é como quem diz o meu bolso.

O medo da pobreza, a decadência globalizante e a valorização excessiva de um bem lembram-me os grandes trabalhos do neo-realismo italiano, cujo exemplo mais óbvio (e mais absorvente) é «Ladrão de Bicicletas» de Vittorio De Sica.

No entanto, além desse caso, vi há pouco tempo uma interessante actualização desta história, «Bicicleta de Pequim». O que esta produção chinesa tem de impressionante é que a mesma obsessão de um homem por uma bicicleta - no fundo o seu modo de vida... - se passa nos dias de hoje, globalizante, e numa das nações mais promissoras em termos de crescimento económico dos últimos anos: a China.

«Bicicleta de Pequim» descreve como dois jovens - que sentem na pele a falta de dinheiro - sonham com uma bicicleta. O primeiro usa-a para trabalhar, na entrega frenética de encomendas, sendo este o único meio de transporte infalível numa cidade dominada pelo progresso; o segundo quer o objecto para poder seguir os amigos e sentir-se mais seguro para conquistar o coração de uma colega da escola.

O azar leva-os a terem de aprender a partilhar a mesma bicicleta, algo que eleva este trabalho de Wang Xiaoshuai, um retrato de como é em momentos extremos que se pode gerar a aproximação.

E como filma o realizador tudo isto? Com extrema sensibilidade, um sentimento aqui esquartejado pela rapidez do dia-a-dia de um universo industrializado.

No meio, há ainda a comédia, subtil e quase ingénua, porque mesmo em tempos difíceis o humor encontra forma de se manifestar.

Crónica dos tempos modernos, «Bicicleta de Pequim» faz-nos pensar sobre o valor das coisas e perceber as incongruências deste tempo de crise.


Há quem defenda que a era da prosperidade pode estar à beira do fim, mas o que vemos neste trabalho muito bem dirigido é que ela nunca nos abandonou... e o cinema também se ressente destes períodos de contenção, embora em situações anteriores a sala escura tenha servido de escape enquanto o mundo real desaba lá fora.

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