29 de setembro de 2008

ILUSÕES DE ÓPTICA: Newman e «The Hustler»

QUIZ: A que filme pertence esta imagem?











Quando Hollywood ainda chora a perda de um dos seus maiores mitos, é altura de apelar às memórias cinéfilas e lembrar um trabalho de Newman. Os olhos azuis do cinema fecharam-se de vez.

Solução do QUIZ anterior: «As Férias do Senhor Hulot» (1953), de Jacques Tati.

27 de setembro de 2008

O cinema perdeu uma das suas últimas lendas








INVEJA.
«Representar é como ficares com as calças para baixo. Estás exposto.» PAUL NEWMAN

Por detrás dos mediáticos olhos azuis, do charme que sabia que era seu e da entrega a filmes quase sempre maiores devido à sua presença, estava um homem que se viria assumir como pai de família, marido exemplar, adepto de causas humanitárias e homem de convicções.

Paul Newman virou lenda no grande ecrã pela sábia escolha de desempenhos, mas também soube gerir a vida pessoal com punho forte, evitando cair no
cliché de que um «eterno rebelde» na ficção raramente se coloca de pé na vida real.

O modo como incendiava o ecrã, sempre com desempenhos pungentes, podem valer-lhe comparações a Steve McQueen, Robert Redford, Warren Beatty ou até mesmo James Dean, mas Paul Newman soube ser um ás de Hollywood sem perder a sua aura de pessoa influente, alguém assumidamente inteligente por detrás de um rosto perfeito para figurar na liderança de uma qualquer dispendiosa produção.

Um dos méritos de Paul Newman é ter sabido arriscar sempre, tendo a crítica e o público a ampará-lo das elevações dramáticas, percebendo que é deste calibre que se fazem os grandes vultos.

Pontos fortes de uma longa carreira? Há aquele jogo de foras-da-lei com Redford, num western desesperado pelo facto do género estar a desaparecer em «Dois Homens, Um Destino»; há a personagem do marido lesionado, com a ambiguidade sexual a ferir-lhe a alma, enquanto anda às avessas com uma luminosa Elizabeth Taylor em «Gata em Telhado de Zinco Quente»; há o novo encontro com Redford num bem sucedido filme de enganos que é também um divertido jogo de «faz de conta» em «A Golpada»; há o académico que vive o tormento da espionagem em plena Guerra Fria no mal amado «A Cortina Rasgada», às ordem de Hitchcock; há o bem sucedido filme de tribunal «O Veredicto»; há o homem elevado pelo mundo do crime que se prepara para enfrentar o declínio em «Caminho Para Perdição».

No entanto, se tivermos de nomear um único filme, «o filme», ele será o assombroso «A Vida é um Jogo», rodado num memorável preto-e-branco. O seu Eddie Felson, eterno errante que só se consegue evidenciar no snooker é uma das personagens mais possantes do cinema, ao ponto de Martin Scorsese o repescar para uma bem sucedida actualização em «A Cor do Dinheiro», em que o seu Felson, já com rugas no rosto, mostrava as leis do jogo (e da vida...) a um Tom Cruise ainda a largar a puberdade.

Resultado? Uma estatueta dourada para Melhor Actor, mesmo que tenha sido indicado para os Óscares mais nove vezes e recebido dois prémios honorários. Aos 83 anos, sucumbe a uma doença já outrora anunciada e torna o cinema mais pobre. A ideia feita aplica-se, contudo, neste caso. Newman era um herói com os pés no chão e o talento nas alturas.

OS SETE PECADOS DE... Setembro 2008








IRA.
Num mês que foi, acima de tudo de férias, a jornada pelo Chile não esteve isenta de cinema. Além do assombro de um país que parece feito de vários países (tal é a heterogeneidade das suas paisagens, das suas gentes, do seu fabuloso património cultural), o que mais espanta são os quase cinco mil quilómetros que distam do norte ao sul. Com a ambição de o querer conhecer de ponta a ponta em duas singelas semanas, não houve outra hipótese além da de passar longas jornadas dentro de um autocarro. A boa notícia é que o Chile possui um bom serviço de transportes, a má é que nem sempre trata bem os filmes que exibe durante longas jornadas que podem superar as 24 horas. Numa destas viagens, o assistente de serviço insistiu em colocar filmes de terror em série, ignorando o olhar de desconforto de menores mais sensíveis. Ainda assim, a insistência permitiu-me descobrir a bela alegoria que é NEVOEIRO MISTERIOSO, a obra de terror apocalíptica de Frank Darabont. A premissa delineada por Stephen King, que isola um grupo de aterrorizadas personagens num supermercado, enquanto lá fora nada se vê mas sabe-se que o pior está para acontecer... É na gestão do «suspense» e no cuidado como o realizador gere a tensão psicológica que está um dos pontos fortes desta obra, meticulosa até na forma como revela com cuidado os indícios «sui generis» de uma ameaça inexplicável. É aqui também que despertam os ódios e os fanatismos ao ponto do terror estar mais presente na essência humana do que na ameaça desconhecida. Um filme de arrepiar, que faz ainda acreditar no poder do susto. A contenção joga a favor deste trabalho, que nem o excessivo final consegue comprometer.


GULA. O regresso fez-se também de uma vontade de experimentar coisas novas no SIN CINEMA. Houve mais uma tentativa frustrada de largar o projecto, mas a consequência que perdurou foi a de querer reforçá-lo ainda mais. Com um acompanhamento mais frequente. Que se tirem conclusões...

AVAREZA. Sou daqueles que duvidou da estatueta dourada entregue a Nicole Kidman por «As Horas». Não que duvide do seu imenso talento, mas porque nesse filme o nariz postiço parecia dar demasiada ajuda para um desempenho que perde em comparação aos de Meryl Streep e Julianne Moore nesse mesmo trabalho. Porém, tirei as dúvidas em «Margot e o Casamento», um melodrama de actores, de Noah Baumbach, que os interessados em cinema norte-americano de travo independente reconhecem de «A Lula e a Baleia». Ora, o novo filme - que não chegou injustamente aos cinemas! - é uma pérola sobre como uma família se pode fragmentar em nome de personalidades que, pura e simplesmente, colidem. Kidman é a Margot do título, mulher dúplice, às turras com a irmã (excelente Jennifer Jason Leigh) que está prestes a casar com um homem patusco e até ingénuo (excelente Jack Black). Quando os traumas disparam e o drama se instala, Kidman mostra o seu empenho dramático num papel que é perfeito pela natureza intimista. No fundo, é um retrato dorido dos laços familiares, muito bem dirigido e que é tão forte que opta por prescindir de banda sonora.

SOBERBA. Com os seus defeitos e qualidades, a revista britânica «Empire» voltou a eleger os melhores filmes de sempre. A lista agora envolve 500 filmes, dá o primeiro lugar a «O Padrinho», de Francis Ford Coppola (o que é de saudar...), mas comporta uma impressionante surpresa: dá a escolher ao leitor que capa quer levar no meio de cem diferentes impressas. É obra! É um sinal de ambição, bom gosto e revela atenção de que o futuro passa pela personalização.

INVEJA. Já que se fala de revistas, saúde-se igualmente o regresso anunciado da portuguesa «Premiere» que vai voltar às bancas em Outubro. Com uma tiragem de 20 mil exemplares, a revista que lutou contra a corrente oito anos no mercado nacional foi ressuscitada depois de um fim abrupto e inexplicável. Esperemos que regresse melhor, com vitalidade e pronta para encarar os tempos que se avizinham. Bem-vinda, outra vez.

PREGUIÇA. Continuo distante da sala escura por cansaço, agenda preenchida e vontade em explorar o cinema em casa. Mas prometo inverter a situação...

LUXÚRIA. Os jogos de infidelidade de «Short Cuts - Os Americanos» merecem ser lembrados, dada a minúcia como Robert Altman desconstrói os afectos. Vermos Tim Robbins a trocar Madeleine Stowe por Frances McDormand tem graça e este é apenas um dos nós do gigantesco novelo de um filme que é o reflexo de uma certa forma de viver «à americana». Mas mais perto da realidade portuguesa do que seria de prever. Grande filme!

24 de setembro de 2008

ILUSÕES DE ÓPTICA: O Chile é assim

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (II)












Caros irmãos Lumière,


Os mercados financeiros andam loucos por estes dias. Há quem compare a esquizofrenia bolsista com os tempos amargos da Grande Depressão de 1929, que certamente tiveram o infortúnio de testemunhar. E a culpa é do quê? Além do vício do endividamento, há que apontar as culpas para uma matéria preta, espessa, tão desejada apesar do seu rasto. Algo que me fez lembrar um filme recente, dos melhores que vi desde sempre.

Por isso mesmo, e porque vos quero mostrar como se faz cinema hoje em dia (o bom, principalmente, porque o mau é rapidamente apreensível), vou falar-vos de «Haverá Sangue», de Paul Thomas Anderson.

A primeira sequência deste estrondoso trabalho centra-se no complicado método para encontrar o ouro negro, numa altura em que a técnica era artesanal e saía inteiramente do esforço humano.

Filmada quase sem luz e som, é uma brilhante introdução metafórica para o que se aproxima, um épico cheio de lugares tão negros quanto o da matéria-prima que ainda hoje controla grande parte das carteiras e dos mercados financeiros – vê-se!

Com «Haverá Sangue», o realizador Paul Thomas Anderson pretendeu escalpelizar a história moderna dos Estados Unidos, usando precisamente a descoberta do petróleo como fonte de riqueza para elaborar uma ruptura ao nível dos valores, não só económicos como principalmente morais.

É neste ponto que se percebe que toda a acção do ardiloso filme estará condensada na figura de Daniel Plainview, mais uma estrondosa composição de Daniel Day-Lewis, provavelmente o melhor actor de todos os tempos (e que justamente recebeu uma segunda estatueta dourada para Melhor Actor, depois de «O Meu Pé Esquerdo»).

É ele que se assume como uma combinação de ambição e fé, alguém que rapidamente troca o sangue pelo preto do crude a correr-lhe nas veias. Seguindo-lhe os passos da fortuna, o espectador acaba por se confrontar com uma ardilosa saga de uma família para sempre moldada pelos caminhos do petróleo.

A relação de Daniel com o seu filho também será abalada na evolução sem dó nem piedade de mero prospector de prata a magnata do ouro negro. No entanto, no seu encalço estará também a provação religiosa, em mais um golpe de génio desta habilidosa realização do criador de «Boogie Nights – Jogos de Prazer» e «Magnólia».

Ao tentar aproximar-se da pequena e conservadora cidade de Little Boston, da qual apenas lhe interessa a riqueza que se esconde nas suas entranhas, o anti-herói tem de se aproximar dos seguidores da igreja do pregador Eli Sunday (Paul Dano, actor competente mas que perde em comparação com o «monstro» Daniel Day-Lewis).

Aí, haverá um arrepiante confronto com a fé e o duelo face ao materialismo inconsequente de quem prefere medir a realidade em números, litros e cálculos precisos, em vez de afectos e cumplicidade.

Ao querer evidenciar o pragmatismo até desumano do seu protagonista, o cineasta dá espaço a Day-Lewis para incorporar esta necessidade de afrontar Deus, até porque ele próprio se considera o máximo expoente da divindade.

Pelo caminho, tudo se vai dissipando, até a relação com o seu filho, antigo aliado e agora vítima de um inesperado acidente. Neste ponto, já se percebeu que a vida de Daniel Plainview é uma fonte de líquido pegajoso e obscuro, pronta para assimilar as sequelas da opção de querer viver para reinar.

Baseado no romance literário «Oil», de Upton Sinclair, «Haverá Sangue» é uma alternativa ao modelo de «blockbuster» por recuperar a tradição das grandes sagas familiares.

É posterior ao «western» mas a sua essência comporta a história de vidas marcantes, que serpenteiam os valores em busca de uma obsessão: neste caso, a vontade de controlar o poder, embora correndo o risco de ser sucumbido por ele.

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (I)











Caros irmãos Lumière,


Há quem se queixe que as homenagens são sempre póstumas, mas mais vale tarde do que nunca.

Numa altura em que os ecrãs se disseminam em cada esquina e a imagem ganha um pulsar que preocupa os intelectuais adeptos do texto, decidi que estava na hora de partilhar convosco até onde chegou a vossa invenção.

Claro que comparar o cinema de hoje com o bem intencionado e «naïf» cinematógrafo, criado por vós (ou pelo menos, patenteado por vós em 1895) é uma tarefa hercúlea e perante a qual desde logo saboto tamanha intenção.

Não é disso que se trata este diário. É antes uma forma de pensar o cinema hoje, mostrar-vos como virou indústria, que uns preferem desfrutar mais segundo o ângulo do entretenimento, outros dissecá-la nas suas pretensões artísticas.

Tentar achar pontos de contacto, memórias cinéfilas inéditas para vós (sei que o mais novo, Louis, faleceu em 1948, e o mais novo, Auguste, seis anos depois...).

O cinema há tempos que é apelidado de sétima arte, permitiu libertar a fotografia do constrangimento do real e ele próprio foi liberto dessa função com o aparecimento de um ecrã ainda mais pequeno, a televisão, que além de emitir o que deve e não deve, e depois de muitas mortes anunciadas, continua sã e cada vez mais caleidoscópica, com um dos seus tentáculos precisamente ancorado no cinema.

E o que é o cinema? Nas aulas académicas falaram-me de uns óculos que se colocam ao espectador, para que este venha a submergir e a testemunhar imagens que se agenciam em nome de uma intencionalidade, mas independentes da vivência do próprio sujeito.

O que é certo é que o efeito de assombro possui uma carga imensamente distinta da testemunhada pelos boquiabertos espectadores que, na projecção pública do vosso invento a 28 de Setembro de 1895, no sudeste francês, viram funcionários da fábrica a saírem dos seus empregos na minúscula produção «A Saída da Fábrica Lumière em Lyon», ou que fugiram quando viram o comboio a vir em sua direcção (ainda que limitado ao ecrã) na projecção de «Chegada de um Comboio à Estação da Ciotat».

Hoje há a possibilidade do cinema se ver em casa, óculos que testam a tridimensionalidade, há ecrãs que se esquartejam em nome de experiências diferentes, há efeitos digitais nunca vistos. A gravidade, o tempo, o espaço e o real deixaram de ser limites para passarem a ser pontos de partida. O cinematógrafo deu origem ao cinema. E é essa passagem que quero que, desde já, interiorizem.

Para o bem e para o mal, a sétima arte surgiu por vossa causa. Resta-me a mim partilhar convosco as minhas reflexões. Será homenagem ou punição? Depende do dia, ora sentido-me optimista ora detractor. No fundo, precisava de um sujeito ao qual me dirigisse nestes apontamentos. Calharam-me vocês. Não foi por acaso. No cinema, os acasos podem dar boas cenas mas nunca bons argumentos.

20 de setembro de 2008

Mudar para ficar na mesma








SOBERBA.
Regressado com o espírito revigorado, apetecem-me coisas novas. O SIN CINEMA é e sempre será o primeiro passo na blogosfera, por isso cheguei a pensar em desfazer-me dele. E até o fiz por alguns dias...

Até que percebi que uma ideia não implica o corte com a outra, pode até enriquecê-la. E, como é tempo de mudança, deixo aqui uma nova secção para juntar às já existentes.

A ideia é simular uma troca de correspondência com os Irmãos Lumière para mostrar como vão as coisas por aqui em matéria de cinema. Ambicioso? Bem, a ideia é fazer algo de diferente...