30 de março de 2009

NA SALA ESCURA: A maturidade é isto

INVEJA. «Adoro cada aspecto que envolve a criação de um filme e acho que estou comprometido com isso para toda a vida.» CLINT EASTWOOD

Quem vê um dos seus dois últimos filmes não pode deixar de concluir: já não se fazem filmes assim! Clint Eastwood pertence a outro tempo, apresenta um estilo único, que congrega subtileza artística com sensibilidade dramática. O último dos duros está cada vez mais interessado na complexidade gigantesca que é a consciência.

Aos 78 anos, o cineasta apresenta uma dinâmica de realização imbatível e parece fervilhar de ideias.

Não de meros conceitos, mas de verdadeiras ideias de bom cinema, capazes de criar um efeito de deslumbramento como raramente se descobre nas salas escuras cada vez mais artilhadas.

Se há algo que sobressai tanto em «A Troca» como em «Gran Torino» é uma reflexão sobre o tempo e sobre um certo desajuste entre a cronologia e as suas personagens principais. Com óbvios efeitos mais expressivos no último caso, com o protagonista a sentir-se desenquadrado perante uma América que sofreu uma mudança sociológica mais rápida do que o próprio ex-militar.

Já a figura de Angelina Jolie parece padecer do efeito inverso, assumindo-se como uma mãe solteira, moderna e independente, num período em que isso não era assim tão bem aceite.

Nestas duas belas lições sobre sétima arte que Clint Eastwood nos dá, e com apenas alguns meses a separá-las, há ainda a componente dramática que é trabalhada com perfeita noção. Eastwood elabora as suas histórias sem desdenhar dos pormenores, mas centrando-se em figuras que crescem em densidade cena a cena.

No final, o que temos? O cinema a redescobrir-se a si próprio em exemplares casos em que a tradição se pode modelar para gerar novos efeitos. E a prova de que o último dos duros está ainda lúcido. Como nunca antes o foi. Afinal, a maturidade é isto!

Outra crítica de «A Troca» e de «Gran Torino»

A TROCA
De Clint Eastwood (2008)
* * * *
O caso é real e isso só faz aumentar a consternação perante um drama humano que Clint Eastwood constrói recorrendo às armas que conhece melhor: a argúcia, o sentido crítico, o dramatismo a oscilar entre a contenção e o pânico. A jornada de uma mulher em busca do seu filho é desesperante, com Angelina Jolie a revelar-se extraordinária na construção de um papel dúplice. A sua força está exposta num olhar esvaziado. É certo que a sua personagem, a espaços, parece ser demasiado moderna para a sua época, mas a dor é universal. E aí Eastwood não falha. Nem um milímetro.


GRAN TORINO
De Clint Eastwood (2008)
* * * * *
É muito provavelmente a última vez que se vê Eastwood no grande ecrã. É por isso também que tudo aqui soa a despedida, com o último dos duros a lembrar outros tempos, outras personagens. No entanto, o tempo é outro. E falta pouco para que o protagonista encontre a redenção. Num filme em que a morte e a fé são duas questões por resolver, o cineasta constrói um dos mais perfeitos dramas humanos que temos visto no cinema. E tudo à luz de uma câmara extraordinária, capaz de surpreender com planos assombrosos. Clint Eastwood é um génio. Discreto e muito sensível.

1 comentário:

Cheila Saldanha disse...

Já viste o GRAN TORINO? Fantástico não é?
O filme todo foi-me surpreendendo pois o filme desenrolu-se de forma oposta à que eu estava à espera.