13 de setembro de 2006

Um chá (e uma noite) no deserto

Costuma dizer-se que o que é bom acaba depressa. Concordo inteiramente e, nove dias depois, já estou de volta às pequenas coisas do dia-a-dia, à vida de sempre, ao trabalho, a casa. Mas estou diferente! Nem que seja por um bocadinho. A razão é simples: de toda a viagem que realizei por terras marroquinas (espaço de contrastes, de mescla de cheiros e sabores, de carências, de caos...), aquilo que mais retenho na memória é a breve passagem pelo deserto, com porta de entrada na pequena cidade de Zagora. É o chavão de quem se aventura pelas areias, com direito a passeio de dromedário e tudo (o meu, baptizei-o convenientemente de "Areias"), mas o silêncio e a paisagem feita de tudo que é o nada nunca mais me vai sair da cabeça. Dormir numa tenda de pano, com direito a música local, chá quente e lições de filosofia berbere fizeram-me crescer a mim e a quem foi comigo mais um bocadinho. O deserto é mais uma força da natureza que de tão deslumbrante nos faz sentir ligados à terra. Enterrar os pés na areia, sentir os pingos de chuva que só acontecem uma vez por ano (e que, felizmente, se manifestaram na noite em que lá estive) e ver o nascer do Sol no horizonte, fizeram-me sentir vivo. Senti esta experiência ao lado da pessoa certa e, agora, percebo que os dilemas do dia-a-dia são mais pequenos e sem sentido do que se podia imaginar. Grande é o monte de areia que, por causa do vento, nunca é igual todos os dias. É bom estar de volta!

Pecado do Dia: Soberba

Já se disse que Marrocos é também palco de cinema. Em Ouarzazate, pequena localidade interior (com uma estação de autocarros de fugir...), há um imenso estúdio de cinema que é possível visitar quando nenhuma rodagem estiver a decorrer. Obras que o tiveram como cenário primordial? Lawrence da Arábia, de David Lean, e Um Chá no Deserto, de Bernardo Bertolucci. O primeiro é tão grandioso que quero voltar a ele na altura certa (talvez quando esta experiência no deserto revelar-se demasiado nostálgica), o segundo parece-me mais imediato porque o revi recentemente. A história do casal de artistas norte-americanos Moresby (interpretados por uma irreconhecível Debra Winger e John Malkovich) é densa e entranha-se como os grãos de areia quando o vento puxa. Neste jogo de enganos, com demasiados momentos à deriva, é o espírito do Norte de África que parece dar sentido à relação carnal dúbia. Pelo meio, aparece o jovem George Tunner (Campbell Scott), capaz de baralhar as coordenadas afectivas dos protagonistas e introduzir um sentimento de rebeldia necessário para o filme evoluir. O que se destaca ainda em O Chá no Deserto é o seu tom atmosférico, a fotografia de cores quentes e as belíssimas imagens rodadas em Ouarzazate. Eu estive lá, ainda que de passagem, e é essa passagem que me faz olhar de outra forma para este melodrama e esquecer algumas das suas vulnerabilidades, onde Bertolucci revela demasiados tiques artísticos. Ainda assim, como experiência sensível, é um prodígio para o olhar. A génese do cinema, portanto. * * *

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