11 de dezembro de 2006

NA SALA ESCURA: Docudrama despedaçado

... O "timing" da estreia de JUVENTUDE EM MARCHA pode não ser o mais adequado – já se sente o Natal em todos os cantos – ou daí talvez seja o oposto: este novo "murro no estômago" de Pedro Costa alerta para os contrastes urbanos, ou melhor ilustra-os simplesmente, pelo que é até neste período de muito consumismo e suposto sentimento de partilha e união familiar que o embate com este belo e grotesco documento dividido entre a ficção e o documentário de autor (afinal, as personagens são de carne e osso, bem como os espaços onde habitam) pode ser mais forte. Um retrato denso, conduzido por Ventura, o pai de todos e de ninguém. Ou melhor, um anti-Pai Natal, que com a simples presença acaba por dar lições de humanidade a seres à procura de um rumo.

Pecado do Dia: Avareza
JUVENTUDE EM MARCHA
Nas salas (Atalanta Filmes) * * * *
O Bairro das Fontainhas, na Amadora, volta a ser o cenário desfragmentado que Pedro Costa recorreu para criar o seu ocaso de uma trilogia iniciada com OSSOS e estendida com NO QUARTO DE VANDA. Neste seu derradeiro capítulo, o desnorte mantém-se motivado pela possibilidade das personagens passarem para outras habitações, que possibilitam novas condições mas não amparam o desnorte. JUVENTUDE EM MARCHA é, por isso, uma nova poesia triste e melancólica, traduzida pelo olhar pesado de Ventura e por um revisitar tocante sobre algumas personagens (seres humanos, reais) já conhecidas. E o cineasta, que não passou despercebido no último Festival de Cannes, volta a interrogar as inquietações de pessoas à deriva sem procurar dar resposta ou ceder a moralismos. Resta uma combinação negra de drama e observação documental de poucos meios, que possibilitam ao cinema transgredir as suas noções elementares em nome de um olhar. Acima de tudo, um olhar. Despedaçado, carregado de manchas turvas, mas um simples olhar. Que se estende por quase três horas de duração. Este talvez seja o único ponto fraco de JUVENTUDE EM MARCHA, porque torna a obra mais difícil de digerir. No entanto, o toque dramático das vidas em foco, a atenção aos pormenores, a beleza-fealdade cénica tornam este um dos mais sólidos e intensos filmes nacionais. E com uma temática tão forte, nunca poderia ser fácil de digerir. E de assimilar.

1 comentário:

emot disse...

Depois de ter visto o filme No Quarto de Vanda, versão completa de 4 horas, que não gostei, fiquei reticente em ver este A Juventude em Marcha. Mas vou dar o benefício da dúvida e talvez ainda vá ver... se tu gostaste...
Abraço