14 de janeiro de 2007

CINEFILIA: Bogart, a face pública do detective privado

... Um chapéu cinzento, uma gabardina comprida, um cigarro na ponta dos dedos, uma cicatriz junto à boca e um olhar de quem já viu de tudo, mas que tudo não é suficiente para o paralisar perante mais um caso complexo. A imagem de duro-romântico ficou cristalizada nas memórias de Hollywood e o mérito de ter criado uma personagem-ícone do cinema (tal como John Wayne personificou o "cowboy", por exemplo) fazem de Humphrey Bogart um dos mais influentes rostos da sétima arte, imediatamente reconhecível, tal como Marilyn ou Dean. Mais talentoso do que estes duas lendas juntas, Bogart afirmou a figura do detective solitário, de poucas falas e mão sensível no gatilho. Contudo, ironia das ironias, o seu papel mais sonante foi o de um herói romântico, dono de um bar corrupto, e que cede a tudo para deixar a sua antiga amante partir com o actual marido e salvar a sua pele num período de tempos conturbados. CASABLANCA é hoje um título incontornável e relançou uma carreira de alguém que começou por tentar medicina, alistar-se no exército e acabar por escolher o teatro por não ter outra opção... Os seus primeiros trabalhos em Hollywood não foram brilhantes e demorou tempo a impor-se numa indústria que hesitava em apostar em novas estrelas (ainda para mais de fraca estatura e olhar dorido...). Depois de dar nas vistas como actor secundário em filmes de "gangsters" cujas estrelas eram James Cagney e Edward G. Robinson, Bogart seduziu Ingrid Bergman e milhões de espectadores em CASABLANCA redescobrindo-se depois às ordens de Howard Hawks e contracenando com uma loura insinuante, uma tal de Lauren Bacall (ainda hoje viva), com quem haveria de casar e partilhar a vida até ao fim dos seus dias, já após diversos casamentos fracassados. O fim, como acontece quando se vive de mais e depressa, chegou prematuro, há precisamente 50 anos. Humphrey Bogart morreu a 14 de Janeiro de 1957, vítima de um cancro no esófago e de "um milhão de whiskies", como descreveram os críticos na altura. No ecrã, todavia, mantém-se intacto, vivo como Sam Spade de RELÍQUIA MACABRA, que é talvez a personagem mais próxima da caricatura que os cinéfilos de hoje retêm na memória. Nem a estatueta dourada lhe faltou, dado que venceu o galardão para Melhor Actor por A RAINHA AFRICANA, de John Huston. Terá faltado algo? Não. Bogart morreu precocemente mas já tinha o mundo a seus pés. Agora que se contam 50 anos sobre a sua morte, recordem-se os seus filmes, não a sua perda. Até porque ficou célebre a frase que disse numa entrevista sobre funerais: "Detesto funerais. Não são para o morto que está a ser enterrado. São para os que ficam por cá vivos, para se sentirem entretidos."

CASABLANCA * * * * *
Pecado: Luxúria
Não que existam cenas ousadas, neste clássico de Michael Curtiz, mas a relação intemporal entre Rick (Bogart) e Ilsa (Bergman), em Paris, deixa transparecer uma infidelidade que os acompanhará sempre, até numa Marraquexe atribulada por alturas da II Guerra Mundial. Vencedor do Óscar de Melhor Filme, CASABLANCA é o mais perfeito dos dramas românticos, condimentado por uma soberba fotografia e aquele tema, para sempre imortalizado ao piano, "As Time Goes By"...

MATAR OU NÃO MATAR * * * * *
Pecado:
Gula
É talvez a maior delícia de representação de Bogart, numa combinação de film noir com drama despedaçado. A ambiguidade da história, que envolve a acusação de Dixon Steele (Bogart) do assassinato de uma mulher, tem o condão artístico de Nicholas Ray, já com o estilo mais amadurecido, depois de Fúria de Viver. Produzido pelo próprio Bogart, o filme convence pelo estilo sinuoso e outro desempenho fulgurante, o de Gloria Grahame, a femme fatale de serviço.


HERÓIS ESQUECIDOS * * * *
Pecado: Avareza
Aqui ainda num desempenho secundário (foi neste tipo de filmes de "gangsters" que começou por tentar a sétima arte), Bogart é o parceiro traidor de Eddie Bartlett, uma composição antológica de James Cagney. O filme é brusco, de poucos meios e pouco condescendente com grandes pausas para diálogos. A direcção de Raoul Walsh é segura e retorna à época da Lei Seca, com os consequentes negócios obscuros.

FLORESTA PETRIFICADA * * * *
Pecado: Inveja
Depois do êxito desta história nos palcos, Leslie Howard sentiu inveja dos efeitos mediáticos do cinema e decidiu adaptar este conto moral sobre um homem que se apaixona (Howard) por uma empregada de uma tasca (Bette Davis), quando aparece um assassino (Bogart) disposto a fazer reféns todas as pessoas que se encontram no bar. Misto de existencialismo com melodrama, este retrato de Archie L. Mayo foi um enorme sucesso e o primeiro papel de destaque de Bogart (num registo propositadamente exagerado).


ANJOS DE CARA NEGRA * * * * *
Pecado:
Ira
Retrato dorido de Michael Curtiz sobre os destinos antagónicos de dois amigos de infância: um é padre (Pat O'Brien), o outro contrabandista (James Cagney) de álcool quando a América proibiu o seu consumo público. Este é outro dos primeiros desempenhos de Bogart, mas a forma como a sua presença se demarca na onda dos corruptos vilões ajuda a tornar este um dos mais intensos e complexos retratos da vida louca da América nos anos 30.

SABRINA * * * *
Pecado:
Preguiça
Não é de todo a mais elaborada das interpretações de Bogart mas sabe bem vê-lo numa comédia romântica sobre uma filha de um empregado dividida entre o coração dos dois filhos do patrão. Pensado para fazer brilhar Audrey Hepburn, este filme de Billy Wilder não consegue ofuscar a versatilidade de Bogart, mais charmoso do que nunca. Esqueça-se é o "remake" feito nos anos 90, com Harrison Ford no papel que foi de Bogart...
RELÍQUIA MACABRA * * * * *
Pecado: Soberba
Costuma figurar na lista dos melhores filmes de todos os tempos e é fácil perceber porquê: tem Bogart na sua pele mais icónica, o durão detective Sam Spade, uma intrincada acção que se desenrola toda na busca de uma preciosa estatueta, tem uma "femme fatale", Mary Astor, e muitas reviravoltas como qualquer bom filme negro que se preze. A direcção irrepreensível deste clássico de "suspense" pertence a John Huston (com quem Bogart trabalhou também em A RAINHA AFRICANA).

2 comentários:

Paulo pereira disse...

Precisava de ajuda, faz tempo que procuro o filme "talhado no ceu" (made in heaven), fico antecipadamente agradecido por quem me puder auxiliar. o meu email é paulo1965@gmail.com

Revista F.I.M disse...

Agora on-line em formato blog a revista FIM - Festivais de Imagem em Movimento sobre cinema, vídeo, multimédia, estreias e festivais. www.revistafim.blogspot.com