
IRA. «Será que isto pode estar mesmo a acontecer?» ELLIOT (Mark Wahlberg)
É certo que o filme quer ser muitas coisas ao mesmo tempo e que não consegue atingir nenhum dos seus objectivos plenamente, mas tem emoção da primeira à última cena, um tom onírico que já não é habitual quando associado ao mundo real e, principalmente, uma permanente vontade de colocar a obra na fronteira entre o admissível e o fantástico.
Grande perdedor de há um par de anos, o filme foi odiado até porque o crítico de cinema é uma das personagens alvo de chacota nesta perversão pessoal de Shyamalan. Resultado: era necessária uma obra que voltasse a tornar o realizador de «O Sexto Sentido» ou «A Vila» numa referência do medo psicológico, visceral, mediático.
Pois bem: O ACONTECIMENTO não é o filme da aguardada reconciliação, até porque volta a elevar o experimentalismo para um lugar inesperado, que pode ser desconfortável. Considerado justamente como o «novo Hitchcock», M. Night Shyamalan tem a mente fervilhante dos contadores de histórias e o engenho técnico dos melhores cineastas. Porém, está preso a um estilo cinematográfico que o ameaça corromper. Solução? Ir testando variações cada vez mais ousadas do medo.
Em O ACONTECIMENTO, a excelente premissa convoca uma série de sequências de grande impacto emocional: motivados por uma estranha ameaça, os seres humanos começam a pôr termo à vida, sem mais delongas. A forma como o fazem é inesperadamente seca e, por isso mesmo, extremamente inventiva.
De facto, M. Night Shyamalan volta a provar que sabe as leis de cor do suspense e cria um óptimo ponto de partida para mais uma fábula com muitas subtilezas inerentes, em matéria de consequências morais.
O problema? A incapacidade de levar até ao fim a ideia de que as plantas decidem atacar os humanos, libertando uma toxina. Há muitos pontos por acertar e nem a ideia «há coisas que nunca vamos saber exactamente por que aconteceram...» chega para justificar um punhado de aspectos que ficam por esclarecer.
Contudo, este não é o filme mau que muita gente proclamou. É mais uma experiência digna de aplauso por mostrar para onde pode ir o terror. Desta vez aliando-o à ciência (ou melhor, àquilo que ela não consegue explicar...).
Se há um mérito que M. Night Shyamalan continua a ter é o de ser um dos poucos que ainda sabe assustar o espectador e surpreendê-lo na cena seguinte. Só por isso merece atenção. E a consideração do seu papel no contexto actual da indústria.
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