4 de julho de 2008

Saudades da «Nouvelle Vague»







INVEJA.
«Toda a montagem é uma mentira.» JEAN-LUC GODARD
Dois amigos desavindos - vestidos com roupas de adultos, mas presos aos tumultos psicológicos da juventude - juntam-se a uma jovem de saia às pregas, de olhar perdido e com vontade de experimentar coisas novas. Num café, seguem a música de uma «jukebox» e simulam uma longa coreografia, simples, ritmada e completamente despropositada segundo os cânones do cinema clássico.

É tudo e é nada aquilo que Jean-Luc Godard quis passar nesta sua bela obra BANDO À PARTE, um testemunho importante para a «nouvelle vague» francesa
, aquela forma de fazer filmes com desejos de liberdade, rompendo cânones, colocando a câmara em lugares impossíveis, transmitindo uma atitude pouco adepta de cortes e impressionada com um certo realismo disfarçado de pose artística espoontânea.

Este trabalho de Godard é tudo porque comporta em si uma aura de arrojo que fez bem ao cinema, deu-lhe cunho próprio e vontade em mostrar algo mais do que é premeditadamente encenado. É nada porque perverte a noção de controlo total do realizador sobre uma história, um plano, uma acção.

No fundo, esse controlo está todo lá, mas acaba por preferir deixar espaço ao improviso, à falha, aos planos mais longos, à monotonia.

Tudo isso é estudado, tudo isso é transposto para o ecrã com a nítida noção de que o cinema pode ser muitas coisas ao mesmo tempo.

Em BANDO À PARTE, o que se quer é criar uma pessoalíssima homenagem aos filmes policiais que Hollywood deu a conhecer na década de 40. Há uma leve referência ao film noir, embora a aura juvenil e o sentido europeu de uma certa forma de descobrir e revelar o mundo se sobreponham a esforços mais empenhados para lembrar o cinema norte-americano.

Os dois amigos desta história, que planeiam desordenadamente assaltar a casa da sua cúmplice Odile (musa e na época esposa de Godard, Anna Karina) não são os gangsters convencionais.

Parece tudo - até o plano de assalto à casa da «tia Victoria»! - faz de conta, há um constante simular de intenções, muitas divergências narrativas e até espaço para pensamentos soltos. A «nouvelle vague» foi isso: deixar que tudo tivesse o seu espaço, mesmo que desordenado.

No final desta história a preto-e-branco (aplausos para a fotografia de Raoul Coutard), há a tragédia. Muda e inabalável, para mostrar que o mundo não se compadece com brincadeiras e golpes inconsequentes. Há sempre uma ordem, o tempo passa. E isso também nos mostrou este novo cinema: depois de imersos na ficção, despertar para a realidade custa ainda mais!

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