10 de fevereiro de 2009

Dar umas luzes aos irmãos Lumière (VI)













Caros irmãos Lumière,

Não tem sido fácil pensar o cinema. Há teorias diversas sobre o seu impacto, as suas motivações e de que forma se pode enquadrar enquanto arte. Gosto particularmente da visão de Federico Fellini, para quem o cinema tinha algo de aproximado ao circo, na sua visão hiperbólica dos gestos e dos rostos, no esforço por impressionar, por suspender o mundo real por instantes e por exigir uma dinâmica permanente caso se queira ter o público na mão. E como ele é exigente...

Lembro-me desta correlação entre cinema e circo porque me recordo das personagens de traços carregados dos filmes de Fellini, talvez o maior cineasta de todos os tempos na capacidade de criar figuras no sentido mais hiperbólico, trágico-cómico e expressionista do termo. Lembro-me da mulher da tabacaria de peito gigantesco em «Amarcord», da musa platinada que é Anita Eckberg em «A Doce Vida», do «Casanova» vivido com ambiguidade por Donald Sutherland, ou dos palhaços de «A Estrada».

São todas criações de um universo dramático implacável, resistentemente cristalizado no tempo, mas sempre com uma melancolia no olhar. Fellini sabia-o: a alegria e a tristeza têm uma fronteira ténue a separá-las. A realidade e o sonho também. Era por isso justamente que gostava de terminar os seus filmes numa praia, para evidenciar esse lado de contraste entre a ficção pura e o regresso ao cinzentismo da vida real. Além de permitir acentuar o solipsismo das suas personagens, caricaturas quase sempre e no melhor sentido do termo.

A arte de cultivar o bizarro, com um humor peculiar, é uma arma que parece só ficar bem em Federico Fellini. Mas a ideia de se experimentar o cinema como campo do expressionismo, da ficção excessiva e até circense pode ser encontrada em outros lados: basta lembrar a omnipresente roda gigante que Woody Allen gosta de usar como subtil cenário de algumas das suas melhores comédias. E há até «Sombras e Nevoeiro», esse exercício de estilo que inclui justamente uma trupe de palhaços...

Pode-se também pensar nas figuras de «Laranja Mecânica», de Kubrick, no «Homem-Elefante» de David Lynch (que também centra a acção num perverso circo), nos robôs maquilhados de «Inteligência Artificial» ou nas figuras da Terra do Nunca de «Hook», de Spielberg, além de toda a cinematografia de Tim Burton.

Sim, o realizador de «Eduardo Mãos de Tesoura», «A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça» ou «Ed Wood» parece vir desta escola. A do expressionismo, neste caso muito negro. As figuras barrocas e o terror estilizado retomam a ideia de que o real e o sonho são pontos de partida para a ficção que se lançam numa corrida a par e passo. A meta é de quem for mais veloz, mas quase sempre o onírico ganha. E ainda bem. O circo de Tim Burton é o lugar mais confortável porque coloca a abstracção pura, o criativo em primeiro plano. E, no fundo, o cinema deve ser um espaço onde a imaginação flui.

É como dizia Federico Fellini: «Os nossos sonhos são a nossa vida real. As minhas fantasias e obsessões não são só a minha realidade, mas o material a partir do qual os meus filmes se fazem.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente