10 de maio de 2009

NA SALA ESCURA: A arte precisa de vida











SOBERBA. «O que faria eu com algo de valor?» Éloïse (Isabelle Sadoyan)

Já se fizeram livros e mais livros cujo único propósito é tentar explicar o que é, afinal, uma obra de arte. O que a define? Qual é a fronteira entre o valioso e o puro lixo? Arte implica vida, assombro, emoção, teste aos sentidos. Mais do que ser belo tem de se ser autêntico e, de preferência, único.

Mas a subjectividade inerente à estética faz com que uma obra de arte seja tanto alvo de adoração como de ódios.

O bom trabalho que é TEMPOS DE VERÃO, filme francês com passagem muito discreta pelas salas nacionais, pensa mais do que o conceito de obra de arte, a sua utilidad
e.

A conclusão, embrenhada num drama familiar que também reflecte sobre a morte, é poderosa: a obra de arte tem de ter humanidade e esse toque perde-se quando a mesma se encontra exposta num museu.

Para sermos mais claros: uma peça num museu está como um ser humano em cima de um palco. Há uma elevação, um lado contextual que cria também uma certa aura artificial, capaz de enaltecer as qualidades e ocultar os defeitos. Há uma contextualização e, num certo sentido, um vazio. Porquê? Porque não está envolvida no contacto humano, está como que desprovida do seu sentido, ainda que enaltecida.

A desfazer as dúvidas, este precioso filme, encomendado pelo Museu d'Orsay, explica as preocupações de uma matriarca em querer que os seus objectos de valor não desapareçam após a sua morte. Os três filhos querem que a mãe não pense nisso, mas quando a morte chega, imprevisível mas com a sua marca incontornável (paradoxo sumarento...), começam também as clivagens entre eles. A partilha obriga à cisão.

E é aí que a obra de arte passa para o outro lado, o acertado para não se perder, ou seja o do museu, mas também desaparece a autenticidade que a define.

No meio, há um melodrama ténue que conquista pela reflexão em torno da perda.

TEMPOS DE VERÃO
De Olivier Assayas (2008)
* * *
Uma enorme família é obrigada a repensar-se após uma morte. Assuntos mal resolvidos emergem na mesa das negociações sobre o passado e os afectos. Três irmãos têm de viver na pele as partilhas do património familiar. Os actores são excelentes, o drama é sentido. É certo que a acção não se consegue desprender totalmente, que há uma linearidade demasiado contida. Mas há também um belo retrato humano que se joga com a noção de obra de arte. Momento alto? O instante em que a empregada da mansão leva consigo uma peça valiosa, pensando que escolheu a mais superficial e tosca de um imenso conjunto. É nestas pequenas subtilezas que encontramos a verve de Olivier Assayas, aqui num dos seus mais singelos exercícios.

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